A situação dos negros no Brasil melhorou muito nas últimas décadas. Há sete décadas, todavia, o contexto era bem outro, especialmente no Rio Grande do Sul, um dos Estados mais racistas do país. Hoje já não se fala no 13 de maio como a data magna da libertação dos escravos, nem se tece elogios à Princesa Isabel como a "libertadora" - agora se fala em Zumbi dos Palmares. Nesta matéria, de maio de 1941, quando a grande enchente daquele ano mal havia baixado, o célebre Bataclan - um homem negro que se tornou conhecido como um dos primeiros publicistas de Porto Alegre (anunciava produtos com seu vozeirão na Rua da Praia - além de atleta (era corredor de rua), incentivador cultural e defensor de uma vida saudável (era vegetariano) iniciava um movimento para conseguir fundos a fim de construir um monumento à Princesa e que seria localizado na cidade de Curitiba, de onde muitos diziam que tal fascinante e misterioso personagem era natural. O certo é que Bataclan marcou época na capital gaúcha e foi um dos primeiros negros reconhecidos e aceitos pela sociedade porto-alegrense, como se vê nesta matéria do Diário de Notícias, jornal que não mais existe.
Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
sábado, maio 23, 2015
sexta-feira, maio 22, 2015
Casablanca no cinema Vera Cruz, em Porto Alegre.
O cine Vera Cruz era o mais luxuoso de Porto Alegre nos anos quarenta - e o único que contava com ar condicionado. Em 1944, quando a cidade contava com pouco mais de 300 mil habitantes, havia quase trinta cinemas na capital gaúcha, com várias sessões ao dia. Neste anúncio publicado no Correio do Povo vemos o anúncio do filme - hoje um clássico - Casablanca, filmado em 1942.
terça-feira, maio 19, 2015
No tempo em que a jogatina rolava solta; 1942.
No governo de Getúlio vargas - que era um homem da fronteira, onde a jogatina rola solta - proliferavam cassinos por todo o Brasil, e no Rio Grande do Sul não era diferente. No litoral gaúcho havia cassinos em vários locais, sendo os mais conhecidos os de Tramandaí e Imbé. Neste anúncio do Correio do Povo de fevereiro de 1942, quando o nosso país ainda não havia declarado guerra às forças do eixo, se vê como tais locais eram sofisticados, inclusive com apresentação de tenores.
sexta-feira, maio 08, 2015
Empregados que "saibam ler e escrever".
Na década de quarenta, quando a metade da população brasileira era analfabeta, saber ler e escrever já era uma coisa boa. Neste anúncio da Carris, empresa que pertence à prefeitura de Porto Alegre, oferece-se uma vaga para condutores de bonde - o sistema de transporte coletivo que caracterizou a capital dos gaúchos até o ano de 1970, quando foi desativada a última linha. Observe-se que a exigência era, pelo menos, saber ler e escrever. O anúncio é do ano de 1944 e foi publicado no Correio do Povo. Coleção do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho.
segunda-feira, maio 04, 2015
Casablanca nos cinemas de Porto Alegre: 1944.
Casablanca, de 1942, foi um dos maiores sucessos do cinema em todos os tempos. Em Porto Alegre, que na época contava com cerca de 30 cinemas, a "película" passou no Vera Cruz, então o cinema mais luxuoso da cidade - por luxuoso, nesse caso, entendia-se ter poltronas estofadas, Nesta propaganda, publicada no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, de outubro de 44, vê-se que a projeção aconteceu em outubro, quando o Brasil já combatia as forças do eixo em solo italiano e a situação de Getúlio Vargas tornava-se complicada no palácio do Catete.
domingo, maio 03, 2015
Iberê Camargo mata um homem a tiros: dezembro de 1980.
Reproduções do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. Coleção do Arquivo Histórico de Porto Alegre. |
O dia 5 de dezembro de 1985 não foi bom para o pintor gaúcho Iberê Camargo, então já considerado o maior - dependendo do gosto - e mais valorizado pintor brasileiro. Ele, nascido em Restinga Seca, nas proximidades de Santa Maria, acabou por matar um homem de 32 anos, com um tiro da pistola que sempre levava à cinta. Bom atirador nos tempos do Exército, Iberê, com 66 anos, morava no Rio de Janeiro, que vivia a primeira grande onda de violência na cidade e que depois se tornaria permanente. O pintor foi preso, passou mais de um mês na cadeia, mas recuperou-se ao ponto de falar normalmente sobre o assunto, como aconteceu no início dos anos noventa, quando o entrevista para o jornal A Tarde, de Salvador, Bahia. A matéria mereceu uma página inteira em uma edição dominical. Lembro de um Iberê irônico e meio irritado, em sua bela e ampla casa na Vila Nova, em Porto Algere. Ele ainda não sabia que tinha câncer, mal que o mataria poucos anos depois.
terça-feira, abril 28, 2015
1975: Escurinho pede salário "absurdo" e mais um apartamento quitado...
É, os tempos, decididamente, eram outros. No início do ano de 1975 - portanto, há 40 anos - o Internacional ainda não imaginava que ganharia o campeonato brasileiro de futebol daquele ano, pela primeira vez, e sendo o primeiro clube gaúcho a fazê-lo. Mas o time, já dirigido por Rubens Minelli - o paulista que revolucionou o futebol gaúcho e fez com que este deixasse de ser um mero esquema de chutes, retranca e muita garra - já estava armado, com grandes jogadores, como Figueroa, Paulo César Carpegiani e, claro, Falcão. Mas Escurinho, que seria decisivo por seus gols de cabeça, naquele e no ano do bicampeonato, 1976, quase não renovou com o Inter pois fez uma pedida salarial "absurda": queria 14 mil cruzeiros de salários mensais e mais um apartamento quitado... Difícil saber quanto valeria hoje 14 mil cruzeiros, mas certamente não ia além de 20 mil reais. No final das contas as duas partes acabaram se entendendo, para o bem dos torcedores colorados. Reprodução da coleção do Correio do Povo, Arquivo Histórico de Porto Alegre.
A morte do gigante chamado Humphrey Bogart
No dia 14 de janeiro de 1957 morria Humphrey Bogart, uma das lendas do cinema e que é mais lembrado por Casablanca, ao lado de Ingrid Bergmann, e a célebre frase "Toque outra vez, Sam!". Nascido em Nova Iorque, no dia de Natal de 1899, filho de um médico cirurgião, fez cinema sem nunca ter cursado uma escola de teatro. Dele dizia-se que ia para as filmagens de manhã cedo, depois de ter passado a noite bebendo e fumando. Tanto bebeu e tanto fumou que morreu de câncer do esôfago, no verão de 1957, como se vê na matéria da Revista do Globo, publicação da editora Globo, de Porto Alegre. A reprodução é da coleção do Arquivo Histórico de Porto Alegre.
sábado, abril 25, 2015
Na época em que os gaúchos viajavam de navios
Nas quatro primeiras décadas do século vinte a navegação fluvial e lacustre era algo comum na vida dos gaúchos que viviam nas proximidades das lagoas e cursos dágua. Porto Alegre, especialmente, beneficiava-se desse delicioso e moroso meio de transporte, não somente de passageiros como de carga, e que se valia sobretudo de vapores para ligar a capital gaúcha à "interland" do Rio Grande do Sul em uma época em que viajar pelas estradas de terra batida era um verdadeiro suplício. Mais de vinte companhias operavam no Estado na década de vinte e trinta, com saída do cais do porto, no centro de Porto Alegre, e levando famílias inteiras para Cachoeira do Sul, Taquara, Mariante, Encantado, ou então - de modo ainda mais cotidiano - Pelotas e Rio Grande. Nesta propaganda, extraída do Correio do Povo de outubro de 1936, vemos o anúncio da Navegação Tavares, que fazia a ligação para a cidade de Palmares do Sul, no centro-sul do território rio-grandense.
A inauguração do primeiro semáforo de Porto Alegre: 1940
Quando teria sido inaugurado o primeiro semáforo de Porto Alegre? Essa pergunta poucos se fizeram, embora tais sinaleiras, como chamam os gaúchos, sejam vitais para o sistema de trânsito e façam parte do cotidiano não só de motoristas como também de pedestres que circulam pela capital gaúcha. Pois a resposta à pergunta é: o primeiro semáforo de Porto Alegre foi inaugurado no dia 11 de novembro de 1941, durante a gestão do prefeito José Loureiro da Silva, quando a cidade mal chegava a 300 mil habitantes, e mereceu destaque nos jornais da época, que ressaltaram a importância da modernidade, que nos comparava aos grandes centros urbanos - Rio de Janeiro e São Paulo. A "sinalização automática" vinha substituir os guardas de trânsito, aquelas figuras pitorescas que ficavam sobre uma espécie de picadeiro, com um apito na boca e fazendo gestos com os braços, muito comuns em cenas do cinema mudo. A matéria acima foi extraída da coleção do Correio do Povo do Arquivo Histórico de Porto Alegre.
terça-feira, abril 14, 2015
Quando o Farroupilha de Pelotas de chamava Regimento.
Todos os três principais times de Pelotas - Brasil, Pelotas e Farroupilha - já foram campeões gaúchos de futebol. Na década de 1940 - mais precisamente em março de 1941, época da Segunda Guerra Mundial - o Regimento, como era conhecido o time de futebol formado por militares e cuja sede era no bairro Fragata - mudou seu nome para Farroupilha - denominação que ainda hoje persiste. No jornal Correio do Povo a mudança de nome mereceu esta nota do correspondente, como se vê nesta reprodução dos arquivos do jornal da Caldas Júnior do Arquivo Histórico de Porto Alegre.
segunda-feira, março 23, 2015
Em 1936 o Papa já pensava em ter uma emissora de TV
Em 1936 a televisão estava iniciando, mas alguns países - especialmente Inglaterra e Alemanha - já estavam à frente do revolucionário processo de imagens que depois se tornaria o mais popular do mundo. Em 1936, no Vaticano, o Papa Pio XI já antevia o esplendoroso futuro da TV e o que ela representaria em termos de poder de comunicação em todo o mundo. Nesta matéria do Correio do Povo de 1936, reproduzida do Arquivo Histórico de Porto Alegre, vemos que o sumo pontífice dos católicos estava pensando seriamente em abrir uma estação - o que de fato aconteceu mais tarde. Ele chegou a consultar o inventor do rádio, Marconi, para saber da viabilidade da ideia.
quarta-feira, fevereiro 25, 2015
O primeiro título do "rolo compressor" colorado: 1940.
Em 1940 o Internacional iniciou uma série de conquistas que o levaria o hexacampeonato estadual gaúcho. O chamado "rolo compressor", de Tesourinha e companhia, marcou época no futebol brasileiro e só seria superado pelo octa do Inter, nos anos setenta. Tesourinha, então um jovem de 19 anos, mais tarde se tornaria uma lenda e seria o primeiro jogador negro a jogar no Grêmio. Ele foi, em 1949, contratado pelo Vasco da Gama, na maior transação financeira do futebol brasileiro daqueles tempos. Serviu várias vezes à seleção brasileira, sempre sendo escolhido como o melhor nos certames e somente não jogou a fatídica Copa de 1950 por estar contundido. Quem o viu jogar garante que foi, mesmo, um fenômeno. Note-se que a final estadual de 1940 foi contra o Grêmio Bagé, já que, naquele tempo, o certame era disputado por regiões, com eliminatórias. Reprodução do Correio do Povo.
E o Vento Levou, em Porto Alegre, no cinema Imperial: dezembro de 1940
sábado, fevereiro 21, 2015
Para a cidade de Rio Grande, pelos navios da Cruzeiro
Na primeira metade do século 20, a navegação, de passageiros e de cargas, pelo rio Guaíba e seus afluentes, fazia parte do cotidiano da população de Porto Alegre. Ia-se de barco para muitas partes, com saídas diárias do cais da avenida Mauá, incluindo Pelotas e Rio Grande e, pelos navios da Costeira e do Lloyd, para as principais cidades litorâneas do Brasil - Floripa, Antonina, Aantos, Rio, Vitória, Aracaju, Maceió Recife, Cabedelo, Natal, Fortaleza, São Luís, Belém, etc. A reprodução acima é de março de 1941, da coleção do Correio do Povo do Arquivo Municipal de Porto Alegre, na avenida Bento Gonçalves.
domingo, fevereiro 15, 2015
A importância do correio aéreo na década de 30 em Porto Alegre
Em 1937 a teuto-gaúcha Varig já contava com 10 anos de existência e o aeroporto federal São João, em Navegantes, era o terceiro mais importante do País - claro que um simples campo de pouso, comparado aos padrões modernos. Nessa época heroica para a aviação, quando as aeronaves desenvolviam cerca de 300 quilômetros por hora e os acidentes eram comuns, a importância do correio aéreo para as comunicações entre os povos era exponencial, e a chegada dos aviões significava a vinda de novidades. Nesta nota do Correio do Povo, de setembro de 1937, nota-se isso muito bem.
sexta-feira, fevereiro 13, 2015
A prisão do escritor, médico e militante comunista Dyonélio Machado, em 1935
Dyonélio Machado foi um dos mais importantes escritores gaúchos. Médico por formação, nascido em Quaraí, ele se tornou também conhecido como militante do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Em 1935, ano em que ocorreu a Intentona Comunista no Rio, contra Getúlio, e um dos motivos de se criar o "Estado Novo", Dyonélio foi preso, em Porto Alegre, pouco antes das comemorações pelo Centenário da Revolução Farroupilha, evento grandioso que mobilizou o Rio Grande. E 1935 foi um ano importante na vida literária do autor (que tinha 40 anos na época), quando publicou sua obra-prima Os Ratos, livro em que descreve as agruras de um homem comum em busca de algum dinheiro emprestado que lhe permitisse pagar a conta mensal devida ao leiteiro. Nesta reprodução do Correio do Povo, coleção do Arquivo Histórico de Porto Alegre, lemos a notícia da prisão deste médico, escritor e comunista que também se notabilizou pela sua contribuição à psiquiatria no Rio Grande do Sul. Dyonélio Machado faleceu em 1985.
quarta-feira, fevereiro 11, 2015
Rinhedeiro Copacabana: a Porto Alegre dos "galistas" da década de 30
sábado, fevereiro 07, 2015
Flash Gordon no Imperial, na Porto Alegre de 1937
sábado, janeiro 31, 2015
A Rádio Difusora Porto-alegrenses e seus espetáculos radiofônicos nos anos 30
Em 1936, quando Flores da Cunha era o governador do Rio Grande do Sul e um dos donos da rádio Farroupilha ("a mais potente"), as três emissoras radiofônicas que então existiam em Porto Alegre disputavam acirradamente o mercado local. A Difusora, a PRF-9, a segunda inaugurada na capital gaúcha, com 5 quilovates de potência na antena e 25 na torre, enfrentava não só a Farroupilha (100 quilovates na base e 25 nas antenas) como a rádio Sociedade Gaúcha. Em um tempo em que não havia sistema de pré-gravação, tudo, naturalmente, era feito ao vivo. As três emissoras contratavam orquestras e artistas famosos que vinham do Rio e permaneciam em Porto Alegre às vezes por semanas, apresentando-se nos cine-teatros locais. A cidade, com pouco mais de 250 mil habitantes, era a terceira mais rica e importante capital brasileira e dispunha de um público exigente para as apresentações artísticas. Em novembro de 1936, a Difusora apresentava no Imperial - o maior cinema da cidade, com quase 1.700 lugares - o show com um "cast" sensacional para aquele início dos anos de ouro do rádio: Aracy de Almeida, as irmãs Pagã e Jorge Murado, entre outros. Reprodução da coleção do Correio do Povo, coleção do Arquivo Histórico de Porto Alegre.
quinta-feira, janeiro 29, 2015
Inezita Barroso em Porto Alegre, hóspede de Paixão Cortes: maio de 1956.
Há quase sessenta anos, em maio de 1956, a grande Inezita Barroso, então uma jovem com menos de 30 anos, veio a Porto Alegre, onde pesquisou e encantou-se com a música regional que aqui se fazia. Mulher inteligente e vanguardista, essa paulista - que hoje, com quase 90 anos, apresenta o melhor programa de música caipira de raiz do Brasil, o Viola Minha Viola, na TV Cultura - foi recebida de braços abertos pela gauchada que dela se acercou quando foi hóspede de honra do folclorista Paixão Cortes, em sua casa em Porto Alegre. Reprodução da Revista do Globo, coleção do Arquivo Histórico Moysés Vellinho da Prefeitura de Porto Alegre.
terça-feira, janeiro 27, 2015
Maria Della Costa, no auge da beleza, aos 30 anos: 1956
O falecimento, no último dia 24, da atriz Maria Della Costa, aos 89 anos, não mereceu o espaço que esta grande atriz brasileira, nascida em Flores da Cunha, na serra gaúcha, merecia. Mas o Conselheiro X consultou os seus arquivos e encontrou uma grande reportagem da Revista do Globo, de Porto Alegre, publicada em outubro de 1956, quando Gentile Maria Marchioro Della Costa Poloni tinha 30 anos. Mulher belíssima, com marcados gestos e expressão aristocrática, ela marcou época no teatro nacional e criou a sua própria casa de espetáculo. Acima, duas reproduções da Revista do Globo, coleção do Arquivo Histórico de Porto Alegre.
segunda-feira, janeiro 26, 2015
Revolução de 1930: a origem do endividamento do Estado gaúcho
Na sua edição de 28 de outubro de 1950 - portanto, há quase 65 anos - a Revista do Globo, da editora Globo, de Porto Alegre, um quinzenário com alguma penetração nacional - publicou uma interessante reportagem do ótimo jornalista Rubens Vidal a respeito do então já crônico endividamento do Estado gaúcho. Aquele ano foi emblemático: aconteceram as eleições que levaram Getúlio Vargas de volta ao poder, agora pelas urnas, e, no Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles elegeu-se governador - Salgado Filho, escolhido para concorrer pela coligação liderada pelo PTB no pleito de outubro faleceu, no final de julho, em um célebre acidente aéreo. O Rio Grande, então, vivia um ciclo de otimismo, e Porto Alegre modernizara-se e crescera muito, atingindo mais de 400 mil habitantes. Mesmo assim o Estado devia muito dinheiro para o governo federal, e não tinha como pagar tal conta de "um bilhão" de cruzeiros. Buscando saber os motivos e a origem dessa colossal dívida, Rubens Vidal - autor de um belo livro sobre Getúlio e seu clã, "Os Vargas", editado pela Globo (e, tudo indica, não mais reeditado, o que é lamentável) - fez uma extensa investigação e localizou, exatamente, a data e o fato que originaram tal estado de coisas, o qual pode ser assim resumido: os gaúchos pagaram com dinheiro do seu próprio bolso toda a conta das despesas militares da Revolução de 1930 que deu fim à Velha República e implantou uma nova era no Brasil.
Encontrei tal matéria na coleção do Arquivo Histórico Moysés Vellinho, da Prefeitura de Porto Alegre, e achei muito oportuno transcrevê-lo na íntegra, sobretudo neste momento em que assumiu um novo governador e que o Estado, sem dinheiro para nada, se vê, como sempre, às voltas com a falta de recursos e com a terrível inadimplência. (Vitor Minas).
"Um Bilhão!"
Honesto, mas sem dinheiro, o Estado gaúcho remata o maior drama financeiro da sua história encaminhando-se (horrorizado) para a casa de um bilhão (em déficit).
"Há vinte anos que o Estado do Rio Grande do Sul não paga as suas dívidas. E não as paga por uma razão muito simples: não tem dinheiro. A posição da Província gaúcha é análoga à de um honesto devedor sem recursos cujos esperançosos amigos e credores repetem.
- Fulano é muito direito. Quando tiver dinheiro, paga.
Tranquilizados por esse argumento, os credores do Estado (principalmente o Banco do Brasil) esperam pacientemente um milagre que encha de um momento para outro as vazias arcas do Tesouro Estadual. Enquanto isso, e apesar dos vigorosos esforços de seus governadores, desde 1930 o Rio Grande do Sul vem arrastando, para desespero da administração, a fama de devedor crônico, tanto no comércio interno como externo.
Todos os fins de ano, ao encerrar-se o balanço das angustiosas finanças gaúchas, quando o Tribunal de Contas remete á Assembleia Legislativa a relação geral dos gastos, comentada em relatório minucioso, surgem acusações e esclarecimentos. Mas aos olhos do povo o problema continua confuso. E nem por isso é mais claro nas altas esferas administrativas, onde há queixas veladas, acusações abertas e inculpações agressivas.
- Afinal, quem está com a razão? - exclamou atônito um estudante de economia e finanças da Universidade de Porto Alegre, após uma erudita dissertação do professor sobre orçamentos, balanços, relatórios e exposições de motivos.
É possível responder a essa pergunta direta do estudante gaúcho (e dos seus conterrâneos) se historiarmos rapidamente a vida tormentosa de um déficit que tem agora vinte anos de idade. (Déficit é uma palavra latina que, na linguagem dos economistas, significa "o que falta numa conta". Assim, se ganho mil cruzeiros e gasto ou devo mil e quinhentos, o meu déficit, isto é, o que falta na minha conta, são quinhentos cruzeiros).
A FILHA DA REVOLUÇÃO
Em 1950, falta nas contas do Rio Grande do Sul 300 milhões de cruzeiros. E em 1952 tudo indica que faltará 1 bilhão.
Essa diferença, hoje tão grande, nasceu com a Revolução de 1930. Ao assumir o governo do Estado, logo após a vitória das armas outubrinas, o general Flores da Cunha enfrentou o primeiro desequilíbrio financeiro. É que o Tesouro do Estado tinha emitodo "bônus", isto é, tinha impresso dinheiro para atender às despesas com as forças revolucionárias. Os compromissos resultantes dessas emissões começaram a pesar no orçamento. O Interventor federal, para retirar de circulação esse "dinheiro frio", viu-se obrigado a fazer um empréstimo no Banco do Brasil. Desse modo, conseguiu aliviar o Tesouro de tão pesada carga. Melhor: repartiu-a entre o Estado e o Banco do Brasil, pois até hoje o empréstimo não foi pago, e todos os anos mais de 5 milhões de cruzeiros são gastos de amortização.
Contudo, a situação financeira agravou-se de tal sorte que a administração gaúcha teve de interromper subitamente o pagamento dos juros sobre as dívidas do Estado, ou seja, sobre as apólices da dívida pública. E mais ainda: teve de seguir o triste exemplo de outros Estados brasileiros e suspender o pagamento do que devia no estrangeiro.
HONESTO MAS INGÊNUO
A administração seguinte, que foi a do general Daltro Filho, herdou esses desequilíbrios vindos da Revolução de Outubro: orçamento deficitário em alguns milhões de cruzeiros, atrasos no pagamento da dívida interna e externa. Na sua honesta simplicidade, o novo Interventor, esmagado por estes problemas financeiros, pensou ter encontrado a grande solução com um "programa de austeridade" que eliminou auxílios de qualquer natureza e descarregou o fardo nos débeis ombros do funcionalismo público, cujos vencimentos foram indiretamente reduzidos.
Mas o déficit continuou aumentando.
E aumentou de tal maneira que outro general, o sr. Cordeiro de Farias, ao substituir o colega Daltro Filho na governança do Estado, viu-se na contingência de vender ao governo federal uma parte dos bens do Estado: a frota mercante gaúcha, que tinha um alto valor econômico.
PAPEL, PAPEL, PAPEL
A Segunda Guerra Mundial, provocando um enorme aumento do comércio interno e o subsequente desenvolvimento dos negócios, trouxe uma espécie de agradável embriaguez financeira. O Estado começou a arrecadar mais dinheiro e a crise interrompeu-se momentaneamente.
Enquanto isso, como o conflito internacional impedia a vinda de produtos estrangeiros, a indústria e a agricultura gaúcha começaram a produzir mais para o consumo regional e nacional. Todas estas circunstâncias e mais uma rotunda emissão de papel-moeda, contribuíram para dar aos rio-grandenses uma impressão de progresso. Era no entanto um progresso artificial e marcava o início do período inflacionista em que ainda nos encontramos. (Inflação é o excesso dos meios de pagamento em relação às necessidades das trocas, ou seja, a existência de mais crédito ou dinheiro impresso do que coisas a trocar por ele. E se nesta relação há mais dinheiro e menos mercadorias, é lógico que sobe o preço destas).
BANCARROTA E GENEROSIDADE
Para evitar, ou ao menos adiar, o ressurgimento da crise, a mesma administração aumentou sucessivamente (de 1,25% para 2,0) o imposto direto sobre os negócios, que é o de vendas e consignações. Era uma medida de precaução, já que as finanças estaduais pareciam desafogadas.
Pareciam mas não estavam. Porque, ao terminar a Guerra, em 1945, normalizando-se o comércio internacional, os produtos estrangeiros voltaram a concorrer com os nacionais e retraíram-se os mercados consumidores. A consequência imediata foi um brusco desequilíbrio na economia e nas finanças rio-grandenses. O Estado do Rio Grande do Sul ficou ameaçado de pura e simples falência.
A crise estourou na administração Cilon Rosa. Mas as consequências não foram imediatas, graças a um clássico empréstimo, que no caso foi de 150 milhões de cruzeiros (inicialmente destinados à execução do Plano de Saneamento do Estado). Generosas subvenções a obras de benemerência (cerca de 90 milhões) marcaram esta administração.
EMPRÉSTIMO ARMA
No governo constitucional do sr. Walter Jobim a crise, contida temporariamente nos diques de papel da inflação, irrompeu com dobrada violência. Nos termos de nossa história administrativa, crise significa empréstimo - e um novo empréstimo de 150 milhões de cruzeiros foi prometido pelo governo federal (destinados ao Plano de Eletrificação do Estado). No entanto, a abertura dos créditos sofreu sucessivas prorrogações por motivos políticos, uma vez que o empréstimo ficou sando a arma do governo central contra a "fórmula Jobim" à sucessão presidencial. (Essa fórmula sugeria um entendimento entre todos os partidos, mas não o desejava o presidente Dutra sem a exclusão dos trabalhistas de Getúlio Vargas e dos populistas de Ademar de Barros).
SACRIFÍCIO MUNICIPAL
Enquanto isso, o governo gaúcho via-se na contingência de "gastar por conta", e utilizava-se de verbas que pertenciam aos municípios ou eram destinadas ao pagamento do funcionalismo. Segundo a lei, o Tesouro do Estado tem que devolver aos cofres municipais 15% de sua arrecadação quando esta exceder em dobro à do município. Tal determinação ainda não pode ser atendida pelo Estado.
A demora dos dinheiros federais causou uma situação angustiosa e difícil à administração rio-grandense, e houve até vários meses de atraso no pagamento de funcionários de alguns departamentos estaduais (DAER e Brigada Militar).
O Governo do Estado, pelo seu secretário da Fazenda, que na época era o sr. Gastão Englert, enfrentou a crise com uma medida simples, antiga e perigosa: aumento os impostos. Os aumentos foram os mais elevados até agora propostos por qualquer gestor das finanças gaúchas.
O FALSO ALÍVIO
Tais aumentos deram um ano de aparente desafogo ao Tesouro, e o balanço de 1948 mostrou um déficit relativamente pequeno de 40 milhões de cruzeiros (o menor nos últimos cinco anos). Mas, correndo o tempo, como o Estado não fiscalizasse rigorosamente a sua arrecadação, esta diminuiu a ponto de anular aqueles aumentos. Um ano depois, recrudescia a crise.
Finalmente, coincidindo com uma espécie de trégua na "fórmula Jobim", veio a primeira quota do empréstimo federal (60 milhões). Esperava-se de tal soma um alívio à pressão financeira sofrida pelo Rio Grande do Sul. mas o governo central teve a sorrateira prudência de descontar dela a dívida estadual. Resultado: apenas uma quarta parte (15 milhões) chegou ao erário gaúcho.
E assim chegamos à situação atual. Como se vê, todas estas medidas foram modestos analgésicos aplicados periodicamente à crônica dor-de-cabeça estadual.
DE DÉFICIT EM DÉFICIT
Ora, o desequilíbrio financeiro da província gaúcha há muito já ultrapassou a fase da dor-de-cabeça. Do ponto de vista financeiro, o Estado é um organismo doente, quase às portas do desenlace.
O déficit crônico de que vem sofrendo as finanças gaúchas culminou no desastroso resultado do exercício de 1949, e desbordou-se neste ano em 300 milhões de cruzeiros. Quando verificamos que essa soma corresponde a mais de 25% da arrecadação total do Estado, temos toda a sua dramática significação.
Nos últimos cinco anos, a receita foi inferior à despesa de 680 milhões de cruzeiros. Para cobrir essa diferença o Estado teria de empregar mais da metade do que arrecada de impostos e taxas durante um ano.
Em face de tal situação, a dívida pública do Rio Grande do Sul, que em 1945 era de 660 milhões de cruzeiros, saltou espetacularmente para 1 bilhão e 200 milhões de cruzeiros em 1949. Assim, se a administração gaúcha quisesse pagar tal dívida teria de empregar toda a sua arrecadação de um ano e fazer um empréstimo para atender aos milhões que ainda ficaria a dever. E o mais grave é que a metade da dívida estadual é "flutuante", isto é, dívida cujo pagamento os credores podem exigir a qualquer momento.
TEM 280 E DEVE 460
Segundo o balanço de 1949, os recursos do Estado montavam a 280 milhões de cruzeiros, ao passo que os seus compromissos vencidos ou em fase de vencimento correspondiam a 460 milhões. Isso significa que o governo gaúcho, para pagar uma dívida de CR$ 1,64 dispõe somente de 1 cruzeiro.
E ainda de acordo com as cifras do ano passado, se o Rio Grande do Sul, em delírio de honradez, resolvesse vender todo o seu patrimônio, ou seja, tudo o que possui, inclusive os edifícios, as terras, os móveis, utensílios, maquinarias, veículos, portos, acessórios técnicos, etc, e recebesse também o que lhe devem, a fim de pagar as suas dívidas, apenas lhe sobraria a quantia aproximada de 350 milhões de cruzeiros. Para compreendermos a irrisão deste saldo, basta dizer que com tal soma o Estado não poderia comprar duas usinas iguais à da Companhia Energia Elétrica de Porto Alegre.
ALGUÉM DEVE PARA ALGUÉM
Está claro que o Estado não é e nem pode ser administrado como uma firma comercial: a gestão de suas finanças não visa o lucro mas o equilíbrio. E os encargos sociais, quando atendidos, oneram forçosamente a sua estrutura financeira. Mas, quando sofre um desequilíbrio, um Estado sofre-o mais gravemente do que qualquer empresa comercial, e com repercussão infinitamente maior.
Assim, se o Rio Grande do Sul arrecada 1 bilhão e 700 milhões de cruzeiros, e gasta 2 bilhões, a diferença de 300 milhões equivale a uma rotunda dívida sem cobertura, cujo pagamento não se pode dizer se, e quando, será feito.
Naturalmente, se alguém deve, há alguém que não recebe o que lhe é devido. Neste caso, são as prefeituras gaúchas sacrificadas pelo Estado, que não lhes paga o que deve pagar, conforme já o expusemos acima. E o Estado não lhes paga simplesmente porque não tem dinheiro. Resultado: as prefeituras fazem verdadeiros malabarismos para enquadrar os seus gastos obrigatórios e necessários (pagamento de funcionários, conservação das ruas, redes de esgotos etc) dentro da minguada arrecadação municipal. Quanto ao funcionalismo, é um problema que o Estado do Rio Grande do Sul compreende perfeitamente, pois anualmente paga aos seus funcionários a quantia de 765 milhões de cruzeiros, ou seja, 45% da receita pública. Mas não basta compreender quando não se tem os recursos para pagar.
A GRANDE PERGUNTA
Procurando minorar a situação do tesouro estadual, a atual administração deseja entregar à União a Universidade do Rio Grande do Sul e economizar desse modo alguns milhares de cruzeiros. Tal medida ainda não foi concretizada, e se não o for em breve, crescerá o déficit no orçamento de 1951, que já exclui a despesa com a educação superior dos gaúchos.
Qual é (perguntará o rio-grandense médio para o qual escrevemos) a causa fundamental de tudo isso?
A SIMPLES RESPOSTA
Na verdade a causa é de ordem econômica. Se houve um aumento em cruzeiros na produção gaúcha (ocasionado pela inflação), não houve um aumento na quantidade das coisas produzidas. Assim, durante os vinte anos de crise que estamos analisando, a produção rio-grandense não aumentou mais do que o correspondente ao acréscimo de sua população. Desde 1930, não houve até agora um aumento substancial na produção por habitante.
Ora, não havendo maior produção a receita pública não pode aumentar, uma vez que o Estado tira os seus dinheiros do que lhe é dado arrecadar de cada contribuinte, produtor ou consumidor.
O progresso industrial e agrícola, tão agudamente necessário para o Rio Grande do Sul, está por sua vez, e como em toda a parte, condicionado à energia mais abundante e barata e melhores transportes. Na situação em que se encontram, as nossas fontes de combustível (como as minas de carvão), os nossos transportes ferroviários (Revista do Globo, número 514), e a nossa rede elétrica (Revista do Globo, número 509) ainda não podem conduzir a esse progresso. A agricultura, consequentemente, está impossibilitada de distribuir nos mercados consumidores os gêneros alimentícios por um preço razoável - e jamais o fará enquanto a produção agrícola tiver, como agora, um exorbitante preço no custo.
O CAMINHO E O EXEMPLO
Os encargos do Estado multiplicam-se de ano para ano. Mas o seu desequilíbrio financeiros vem acusando a falta de escolas (Revista do Globo, número 508), de hospitais, de estradas, de transportes, etc, falta essa que é uma constante preocupação dos nossos administradores.
Diante da impossibilidade de aumentar a receita pública, os encarregados das finanças gaúchas só tem dois caminhos a escolher: diminuir as despesas (o que equivale a cruzar os braços) ou fazer gastos indispensáveis (o que importa em déficits continuados). Tem sido este último caminho escolhido pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul - e o exemplo vem de quase todas as províncias brasileiras.
Todos os fins de ano, ao encerrar-se o balanço das angustiosas finanças gaúchas, quando o Tribunal de Contas remete á Assembleia Legislativa a relação geral dos gastos, comentada em relatório minucioso, surgem acusações e esclarecimentos. Mas aos olhos do povo o problema continua confuso. E nem por isso é mais claro nas altas esferas administrativas, onde há queixas veladas, acusações abertas e inculpações agressivas.
- Afinal, quem está com a razão? - exclamou atônito um estudante de economia e finanças da Universidade de Porto Alegre, após uma erudita dissertação do professor sobre orçamentos, balanços, relatórios e exposições de motivos.
É possível responder a essa pergunta direta do estudante gaúcho (e dos seus conterrâneos) se historiarmos rapidamente a vida tormentosa de um déficit que tem agora vinte anos de idade. (Déficit é uma palavra latina que, na linguagem dos economistas, significa "o que falta numa conta". Assim, se ganho mil cruzeiros e gasto ou devo mil e quinhentos, o meu déficit, isto é, o que falta na minha conta, são quinhentos cruzeiros).
A FILHA DA REVOLUÇÃO
Em 1950, falta nas contas do Rio Grande do Sul 300 milhões de cruzeiros. E em 1952 tudo indica que faltará 1 bilhão.
Essa diferença, hoje tão grande, nasceu com a Revolução de 1930. Ao assumir o governo do Estado, logo após a vitória das armas outubrinas, o general Flores da Cunha enfrentou o primeiro desequilíbrio financeiro. É que o Tesouro do Estado tinha emitodo "bônus", isto é, tinha impresso dinheiro para atender às despesas com as forças revolucionárias. Os compromissos resultantes dessas emissões começaram a pesar no orçamento. O Interventor federal, para retirar de circulação esse "dinheiro frio", viu-se obrigado a fazer um empréstimo no Banco do Brasil. Desse modo, conseguiu aliviar o Tesouro de tão pesada carga. Melhor: repartiu-a entre o Estado e o Banco do Brasil, pois até hoje o empréstimo não foi pago, e todos os anos mais de 5 milhões de cruzeiros são gastos de amortização.
Contudo, a situação financeira agravou-se de tal sorte que a administração gaúcha teve de interromper subitamente o pagamento dos juros sobre as dívidas do Estado, ou seja, sobre as apólices da dívida pública. E mais ainda: teve de seguir o triste exemplo de outros Estados brasileiros e suspender o pagamento do que devia no estrangeiro.
HONESTO MAS INGÊNUO
A administração seguinte, que foi a do general Daltro Filho, herdou esses desequilíbrios vindos da Revolução de Outubro: orçamento deficitário em alguns milhões de cruzeiros, atrasos no pagamento da dívida interna e externa. Na sua honesta simplicidade, o novo Interventor, esmagado por estes problemas financeiros, pensou ter encontrado a grande solução com um "programa de austeridade" que eliminou auxílios de qualquer natureza e descarregou o fardo nos débeis ombros do funcionalismo público, cujos vencimentos foram indiretamente reduzidos.
Mas o déficit continuou aumentando.
E aumentou de tal maneira que outro general, o sr. Cordeiro de Farias, ao substituir o colega Daltro Filho na governança do Estado, viu-se na contingência de vender ao governo federal uma parte dos bens do Estado: a frota mercante gaúcha, que tinha um alto valor econômico.
PAPEL, PAPEL, PAPEL
A Segunda Guerra Mundial, provocando um enorme aumento do comércio interno e o subsequente desenvolvimento dos negócios, trouxe uma espécie de agradável embriaguez financeira. O Estado começou a arrecadar mais dinheiro e a crise interrompeu-se momentaneamente.
Enquanto isso, como o conflito internacional impedia a vinda de produtos estrangeiros, a indústria e a agricultura gaúcha começaram a produzir mais para o consumo regional e nacional. Todas estas circunstâncias e mais uma rotunda emissão de papel-moeda, contribuíram para dar aos rio-grandenses uma impressão de progresso. Era no entanto um progresso artificial e marcava o início do período inflacionista em que ainda nos encontramos. (Inflação é o excesso dos meios de pagamento em relação às necessidades das trocas, ou seja, a existência de mais crédito ou dinheiro impresso do que coisas a trocar por ele. E se nesta relação há mais dinheiro e menos mercadorias, é lógico que sobe o preço destas).
BANCARROTA E GENEROSIDADE
Para evitar, ou ao menos adiar, o ressurgimento da crise, a mesma administração aumentou sucessivamente (de 1,25% para 2,0) o imposto direto sobre os negócios, que é o de vendas e consignações. Era uma medida de precaução, já que as finanças estaduais pareciam desafogadas.
Pareciam mas não estavam. Porque, ao terminar a Guerra, em 1945, normalizando-se o comércio internacional, os produtos estrangeiros voltaram a concorrer com os nacionais e retraíram-se os mercados consumidores. A consequência imediata foi um brusco desequilíbrio na economia e nas finanças rio-grandenses. O Estado do Rio Grande do Sul ficou ameaçado de pura e simples falência.
A crise estourou na administração Cilon Rosa. Mas as consequências não foram imediatas, graças a um clássico empréstimo, que no caso foi de 150 milhões de cruzeiros (inicialmente destinados à execução do Plano de Saneamento do Estado). Generosas subvenções a obras de benemerência (cerca de 90 milhões) marcaram esta administração.
EMPRÉSTIMO ARMA
No governo constitucional do sr. Walter Jobim a crise, contida temporariamente nos diques de papel da inflação, irrompeu com dobrada violência. Nos termos de nossa história administrativa, crise significa empréstimo - e um novo empréstimo de 150 milhões de cruzeiros foi prometido pelo governo federal (destinados ao Plano de Eletrificação do Estado). No entanto, a abertura dos créditos sofreu sucessivas prorrogações por motivos políticos, uma vez que o empréstimo ficou sando a arma do governo central contra a "fórmula Jobim" à sucessão presidencial. (Essa fórmula sugeria um entendimento entre todos os partidos, mas não o desejava o presidente Dutra sem a exclusão dos trabalhistas de Getúlio Vargas e dos populistas de Ademar de Barros).
SACRIFÍCIO MUNICIPAL
Enquanto isso, o governo gaúcho via-se na contingência de "gastar por conta", e utilizava-se de verbas que pertenciam aos municípios ou eram destinadas ao pagamento do funcionalismo. Segundo a lei, o Tesouro do Estado tem que devolver aos cofres municipais 15% de sua arrecadação quando esta exceder em dobro à do município. Tal determinação ainda não pode ser atendida pelo Estado.
A demora dos dinheiros federais causou uma situação angustiosa e difícil à administração rio-grandense, e houve até vários meses de atraso no pagamento de funcionários de alguns departamentos estaduais (DAER e Brigada Militar).
O Governo do Estado, pelo seu secretário da Fazenda, que na época era o sr. Gastão Englert, enfrentou a crise com uma medida simples, antiga e perigosa: aumento os impostos. Os aumentos foram os mais elevados até agora propostos por qualquer gestor das finanças gaúchas.
O FALSO ALÍVIO
Tais aumentos deram um ano de aparente desafogo ao Tesouro, e o balanço de 1948 mostrou um déficit relativamente pequeno de 40 milhões de cruzeiros (o menor nos últimos cinco anos). Mas, correndo o tempo, como o Estado não fiscalizasse rigorosamente a sua arrecadação, esta diminuiu a ponto de anular aqueles aumentos. Um ano depois, recrudescia a crise.
Finalmente, coincidindo com uma espécie de trégua na "fórmula Jobim", veio a primeira quota do empréstimo federal (60 milhões). Esperava-se de tal soma um alívio à pressão financeira sofrida pelo Rio Grande do Sul. mas o governo central teve a sorrateira prudência de descontar dela a dívida estadual. Resultado: apenas uma quarta parte (15 milhões) chegou ao erário gaúcho.
E assim chegamos à situação atual. Como se vê, todas estas medidas foram modestos analgésicos aplicados periodicamente à crônica dor-de-cabeça estadual.
DE DÉFICIT EM DÉFICIT
Ora, o desequilíbrio financeiro da província gaúcha há muito já ultrapassou a fase da dor-de-cabeça. Do ponto de vista financeiro, o Estado é um organismo doente, quase às portas do desenlace.
O déficit crônico de que vem sofrendo as finanças gaúchas culminou no desastroso resultado do exercício de 1949, e desbordou-se neste ano em 300 milhões de cruzeiros. Quando verificamos que essa soma corresponde a mais de 25% da arrecadação total do Estado, temos toda a sua dramática significação.
Nos últimos cinco anos, a receita foi inferior à despesa de 680 milhões de cruzeiros. Para cobrir essa diferença o Estado teria de empregar mais da metade do que arrecada de impostos e taxas durante um ano.
Em face de tal situação, a dívida pública do Rio Grande do Sul, que em 1945 era de 660 milhões de cruzeiros, saltou espetacularmente para 1 bilhão e 200 milhões de cruzeiros em 1949. Assim, se a administração gaúcha quisesse pagar tal dívida teria de empregar toda a sua arrecadação de um ano e fazer um empréstimo para atender aos milhões que ainda ficaria a dever. E o mais grave é que a metade da dívida estadual é "flutuante", isto é, dívida cujo pagamento os credores podem exigir a qualquer momento.
TEM 280 E DEVE 460
Segundo o balanço de 1949, os recursos do Estado montavam a 280 milhões de cruzeiros, ao passo que os seus compromissos vencidos ou em fase de vencimento correspondiam a 460 milhões. Isso significa que o governo gaúcho, para pagar uma dívida de CR$ 1,64 dispõe somente de 1 cruzeiro.
E ainda de acordo com as cifras do ano passado, se o Rio Grande do Sul, em delírio de honradez, resolvesse vender todo o seu patrimônio, ou seja, tudo o que possui, inclusive os edifícios, as terras, os móveis, utensílios, maquinarias, veículos, portos, acessórios técnicos, etc, e recebesse também o que lhe devem, a fim de pagar as suas dívidas, apenas lhe sobraria a quantia aproximada de 350 milhões de cruzeiros. Para compreendermos a irrisão deste saldo, basta dizer que com tal soma o Estado não poderia comprar duas usinas iguais à da Companhia Energia Elétrica de Porto Alegre.
ALGUÉM DEVE PARA ALGUÉM
Está claro que o Estado não é e nem pode ser administrado como uma firma comercial: a gestão de suas finanças não visa o lucro mas o equilíbrio. E os encargos sociais, quando atendidos, oneram forçosamente a sua estrutura financeira. Mas, quando sofre um desequilíbrio, um Estado sofre-o mais gravemente do que qualquer empresa comercial, e com repercussão infinitamente maior.
Assim, se o Rio Grande do Sul arrecada 1 bilhão e 700 milhões de cruzeiros, e gasta 2 bilhões, a diferença de 300 milhões equivale a uma rotunda dívida sem cobertura, cujo pagamento não se pode dizer se, e quando, será feito.
Naturalmente, se alguém deve, há alguém que não recebe o que lhe é devido. Neste caso, são as prefeituras gaúchas sacrificadas pelo Estado, que não lhes paga o que deve pagar, conforme já o expusemos acima. E o Estado não lhes paga simplesmente porque não tem dinheiro. Resultado: as prefeituras fazem verdadeiros malabarismos para enquadrar os seus gastos obrigatórios e necessários (pagamento de funcionários, conservação das ruas, redes de esgotos etc) dentro da minguada arrecadação municipal. Quanto ao funcionalismo, é um problema que o Estado do Rio Grande do Sul compreende perfeitamente, pois anualmente paga aos seus funcionários a quantia de 765 milhões de cruzeiros, ou seja, 45% da receita pública. Mas não basta compreender quando não se tem os recursos para pagar.
A GRANDE PERGUNTA
Procurando minorar a situação do tesouro estadual, a atual administração deseja entregar à União a Universidade do Rio Grande do Sul e economizar desse modo alguns milhares de cruzeiros. Tal medida ainda não foi concretizada, e se não o for em breve, crescerá o déficit no orçamento de 1951, que já exclui a despesa com a educação superior dos gaúchos.
Qual é (perguntará o rio-grandense médio para o qual escrevemos) a causa fundamental de tudo isso?
A SIMPLES RESPOSTA
Na verdade a causa é de ordem econômica. Se houve um aumento em cruzeiros na produção gaúcha (ocasionado pela inflação), não houve um aumento na quantidade das coisas produzidas. Assim, durante os vinte anos de crise que estamos analisando, a produção rio-grandense não aumentou mais do que o correspondente ao acréscimo de sua população. Desde 1930, não houve até agora um aumento substancial na produção por habitante.
Ora, não havendo maior produção a receita pública não pode aumentar, uma vez que o Estado tira os seus dinheiros do que lhe é dado arrecadar de cada contribuinte, produtor ou consumidor.
O progresso industrial e agrícola, tão agudamente necessário para o Rio Grande do Sul, está por sua vez, e como em toda a parte, condicionado à energia mais abundante e barata e melhores transportes. Na situação em que se encontram, as nossas fontes de combustível (como as minas de carvão), os nossos transportes ferroviários (Revista do Globo, número 514), e a nossa rede elétrica (Revista do Globo, número 509) ainda não podem conduzir a esse progresso. A agricultura, consequentemente, está impossibilitada de distribuir nos mercados consumidores os gêneros alimentícios por um preço razoável - e jamais o fará enquanto a produção agrícola tiver, como agora, um exorbitante preço no custo.
O CAMINHO E O EXEMPLO
Os encargos do Estado multiplicam-se de ano para ano. Mas o seu desequilíbrio financeiros vem acusando a falta de escolas (Revista do Globo, número 508), de hospitais, de estradas, de transportes, etc, falta essa que é uma constante preocupação dos nossos administradores.
Diante da impossibilidade de aumentar a receita pública, os encarregados das finanças gaúchas só tem dois caminhos a escolher: diminuir as despesas (o que equivale a cruzar os braços) ou fazer gastos indispensáveis (o que importa em déficits continuados). Tem sido este último caminho escolhido pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul - e o exemplo vem de quase todas as províncias brasileiras.
domingo, janeiro 25, 2015
Presidente da Câmara de Porto Alegre proíbe a leitura da Bíblia em plenário
Em um momento em que a TV aberta está repleta de programas religiosos - a maioria sob a responsabilidade de seitas caça-níqueis - e que todos os jogadores de futebol apontam com o dedo para o céu, agradecendo a Deus por seus gols nos campos e estádios, é bom lembrar a atitude do presidente de Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Em setembro de 1976, quando Guilherme Socias Villela era o prefeito nomeado da capital (atualmente é vereador eleito com o voto popular), e Sinval Guazzelli o governador, também nomeado, do Estado, o presidente do legislativo, César de Mesquita, do MDB, partido de oposição à ditadura militar, proibiu a leitura da Bíblia na abertura das sessões. Segundo ele, o Brasil é um país laico e assegura a todos o direito de crença e não crença. Assim, entendia como não cabível a leitura dos chamados "textos sagrados", algo que, sem dúvida, era algo corajoso e podia até mesmo retirar votos. Mas Mesquita sustentou sua posição perante a ira dos demais colegas e retrucou" "Quem não estiver satisfeito que vá à Justiça!" Aliás, ameaçou até renunciar ao seu mandato. Reprodução do Correio do Povo.
terça-feira, janeiro 20, 2015
Os "confortáveis e modernos" ônibus de 1941
Em dezembro de 1941, quando o Rio Grande do Sul ainda tentava se recuperar da grande enchente de maio que assolou e destruiu Porto Alegre e muitos municípios do interior, a praça Rui Barbosa abrigava a simplória estação rodoviária de então, em uma época em que os trens e a navegação fluvial tinha a preferência do público viajante. Sem nenhuma estrada asfaltada em qualquer parte do Estado, viajar nos ônibus desconfortáveis, pequenos e fatigantes dos anos quarenta se constituía em uma proeza de esforço e disposição. Mesmo assim, como vemos nesta reprodução do Correio do Povo, partindo da "praça dos bombeiros", os "modernos e confortáveis" ônibus tipo Pullman, seguiam, em viagens diárias, para Caxias do Sul, Passo Fundo e até para São Paulo.
quinta-feira, janeiro 08, 2015
O Inter conquista o tri brasileiro e vira disco de vinil
Em 1979, em um complicado campeonato, o Internacional de Falcão e companhia conquistou o que era uma proeza para times fora do eixo Rio-São Paulo: o tricampeonato brasileiro, e de forma invicta, algo que nunca havia acontecido e jamais aconteceu depois. Os colorados mais antigos lembram dessa época com saudades, até porque depois disso o Inter experimentou um doloroso jejum que vai até hoje. De qualquer maneira é bom recordar que, naquele ano - o ano da volta dos exilados políticos e da posse do presidente que prometeu fazer deste país uma democracia, o general Figueiredo - a festa foi grande em todo o Rio Grande do Sul (e mesmo fora dele) e toda a torcida do Inter julgava-se com o rei na barriga. Alguns de tais torcedores talvez tenham, ainda hoje, em vinil, o disco da conquista do tri, provavelmente com a narração de Armindo Antonio Ranzolin.
domingo, janeiro 04, 2015
No tempo das telefonistas, uma profissão extinta
É, muita gente nem faz ideia de como, na década de setenta, era difícil se conseguir uma ligação telefônica, ainda mais se fosse interurbana. Longe de existir o celular ou os modernos aparelhos de hoje, ligar para alguém em outro município ou Estado exigia a ação de uma categoria muito especial: as telefonistas. Quase todas mulheres, elas passavam o dia sentadas, operando as "mesas telefônicas" e tentando conectar uma pessoa com outra. Primeiro o cidadão chamava ia até a central da empresa, informava o número que queria para a moça e ficava ali, aguardando, muitas vezes por horas seguidas, para que a operação se completasse.
Aqueles tempos hoje parecem pré-históricos, tal a facilidade de comunicação instantânea de agora. Quanto às telefonistas, (eram então 1.200 em todo o Rio Grande do Sul) são uma importante categoria que desapareceu com o advento dos avanços tecnológicos, o que torna ainda mais interessante ler esta matéria do Correio do Povo, de Porto Alegre, de junho de 1975, quando nem havia Discagem Direta Internacional no Rio Grande do Sul.
sábado, dezembro 27, 2014
Das barcas de Loureiro da Silva ao moderno catamarã de hoje: o Guaíba como transporte e turismo
Porto Alegre por muitos anos deu as costas ao seu rio, hoje considerado um lago, o Guaíba, que praticamente cerca a cidade. Somente em data recente foi restabelecido o sistema de transporte aquaviário entre a Capital e a cidade de Guaíba, algo tão simples e óbvio que é de se estranhar tenha demorado tanto tempo a ser implantado. Mas na gestão do prefeito José Loureiro da Silva - o melhor de todos, em todos os tempos - o mandatário porto-alegrense fez construir um píer onde as barcas, ou ferry-boats, ancoravam na Vila Assunção, zona sul da Capital. Em 1941, o ano da grande enchente, o sistema de transporte por água foi oficializado, para alegria dos moradores das duas cidades - só que não foi adinte pelos lobbys conhecidos. Claro que não era tais como os modernos catamarãs de agora, mas também serviam como opção de turismo para muita gente, além de transportarem veículos automotores. Naquela época não havia a ponte sobre o rio Guaíba, e a ligação com a parte sul do Estado exigia muitos esforços. Loureiro, nesta matéria do Correio do Povo, regressava de seu sítio, em Tapes, chegando a Porto Alegre por meio da barca.
domingo, novembro 09, 2014
Borregaard estraga até a Semana da Pátria!
terça-feira, outubro 21, 2014
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