Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
quarta-feira, janeiro 30, 2019
terça-feira, janeiro 29, 2019
Júlio Fürst foi Mister Lee nos anos setenta e marcou a história do rádio gaúcho
Extraído da Coletiva.Net. Republicação 2009
Criativo, inquieto e audacioso, o comunicador Julio Cezar Fürst nunca teve medo de arriscar e experimentar o novo. O gosto por desafios foi a chave que abriu muitas portas ao longo dessas quase quatro décadas de profissão. Ele iniciou a carreira no rádio como programador graças ao extenso conhecimento musical e, ao assumir o comando dos microfones, para disfarçar a inexperiência e a ausência da voz grave – típica de um locutor da época – criou alguns personagens caricatos memoráveis: em 1972, se apresentou aos ouvintes gaúchos como Julius Brown, o rei da black music, e, mais tarde, como Mister Lee, o cowboy do rádio. Atualmente, no comando dos programas Fim de Tarde Itapema e Movimento Itapema, ele é conhecido por Julio Fürst, o que não é pouco, já que é uma verdadeira marca neste setor.
A paixão pelas notas musicais é uma herança genética, pois Julio vem de uma família toda composta por músicos: seu avô tinha uma orquestra, o tio era tecladista e se apresentava em navios viajando pela Europa, o pai teve uma banda e ainda tocava bateria, acordeão e piston, e a mãe, além de acordeão, tocava cítara. Já o comunicador começou a tocar bateria com 14 anos e exerceu esta atividade ao longo dos anos 60 no grupo musical chamado ‘The Rockets’, formado por amigos e vizinhos de rua. Em 1968, teve que se afastar da banda para prestar serviço militar e, ao retornar, o grupo não existia mais. Resolveu, então, montar um trio de bossa nova, mas que, depois de algumas apresentações, também foi extinto.
Ainda no final da década de 60, se aventurou no mundo empresarial e comprou uma loja, a Mozart Discos, no bairro Moinhos de Vento. “Era a primeira loja de discos fora do centro de Porto Alegre”, diz. Foi através desse empreendimento que Julio começou a aprimorar seu conhecimento musical.
Uma vida no rádio
O início da vida profissional deste comunicador, que nasceu em Porto Alegre em 8 de outubro de 1949, aconteceu em 1972, como programador musical, na recém-criada Pampa AM. Um dos clientes mais freqüentes da loja fez a indicação de seu nome para o dono da emissora, Otávio Gadret. O objetivo de Gadret era montar uma rádio com programação jovem e que fosse concorrente direta da Continental, conhecida como a ‘rádio rebelde de Roberto Marinho’ e que integrava o Sistema Globo de Rádio. “Até então, nunca tinha entrado em uma emissora, mas sempre tive uma certa afinidade com o rádio. Era um ouvinte assíduo e chegava a dormir com o aparelho ligado, porque gostava de ouvir música e por ser um meio de comunicação fascinante, por fazer companhia para as pessoas e mexer com o imaginário delas. A música me levou para o rádio e me mantém lá até hoje.”
Julio foi contratado para fazer a programação musical da emissora, mas, alguns dias depois, Gadret lhe propôs um desafio: teria que criar um programa e assumir o comando dos microfones. Devido à inexperiência e por não possuir uma voz grave, decidiu criar seu primeiro personagem, o Julius Brown, uma mistura de Julio Fürst com James Brown. O objetivo, segundo ele, era fugir do compromisso de ter um ‘vozeirão’ e fazer algo diferenciado.
Um ano depois, recebeu uma proposta irrecusável da Rádio Continental e foi atuar na concorrente, levando junto o personagem. Julius Brown deixou de existir em abril de 1975 e deu espaço a outra figura que marcou época no rádio gaúcho. Através de uma iniciativa da MPM Propaganda, nasceu o Mister Lee, um cowboy vestido de calça Lee, marca que estava iniciando suas operações no mercado brasileiro. Além de divulgar a marca, o programa apresentado por Fürst rodava música country e local e deu origem ao concerto ‘Vivendo a Vida de Lee’, que foi realizado até 1978 em Porto Alegre, interior do Rio Grande do Sul e Curitiba.
Em 1980, convidado por Pedro Sirotsky, foi para a RBS integrar a equipe que colocou no ar a Rede Atlântida FM e ali permaneceu por mais quatro anos. Depois, na década seguinte, registrou passagens pela Rádio Cidade, Jornal do Brasil, Universal FM, e Band FM e, em 1990, regressou para o Grupo RBS para atuar na Itapema FM, onde durante 14 anos exerceu o cargo de gerente de programação e diretor artístico.
Entre tons e sons
O apresentador prestou vestibular para Economia, cursou Administração até o último ano e não obteve diploma, mas acabou fazendo da paixão pela música o seu ganha-pão. Além de ser comunicador, há sete anos montou juntamente com o sócio João Antônio a casa de shows Abbey Road Studio Pub ,nome inspirado em um dos mais importantes estúdios da música mundial: EMI`s Abbey Road Studios. Criado em novembro de 1931, na Inglaterra, o estúdio londrino também foi homenageado no 12° e penúltimo álbum dos Beatles.
Em sua casa, guarda uma coleção de discos, a qual já chegou a contar com mais de 11 mil exemplares e que agora foi reduzida devido à falta de espaço. “Sou um comprador de discos, mas sempre ganhei muita coisa. Tenho uma boa discoteca de black music, anos 70, música country, MPB, rock e pop rock. Gosto do atual e sou contemporâneo. Estou sempre buscando coisas novas, mas ainda prefiro ter o objeto e pegar na mão. É uma sensação de posse.”
A rotina do comunicador atualmente se divide entre o bar, a família e os estúdios da Itapema. Julio vive há 40 anos com a esposa Maria Tereza, carinhosamente chamada de Tetê, que ele conheceu na época em que prestou serviço militar, em 1968. Maria Tereza era irmã de um colega seu de Pelotão. Eles têm três filhas: Cândida, 31 anos, psicóloga; Daniela, 28, bióloga; e Fernanda, 26, pedagoga. As noites de domingo do casal são reservadas às sessões de cinema. O repertório é eclético e inclui filmes de ação, comédia, drama e romance. Quanto à culinária, esta é uma área onde nem um dos dois pensa em se arriscar: “Cozinhar não é com a gente. Chego a ter inveja daqueles, principalmente os homens, que vão à cozinha e que sabem o que fazem lá. Definitivamente, isso não é comigo!”Júlio não abre mão de, pelo menos, três vezes por semana jogar tênis. O primeiro contato com o esporte ocorreu aos 15 anos de idade, incentivado pela mãe, que o presenteou com uma raquete. Ele desistiu dos treinos devido ao trauma que tinha de uniformes: “Achava um esporte meio pernóstico. Já bastava minha época de colégio, onde tinha que andar sempre uniformizado e onde costumava treinar só deixavam entrar na quadra se estivesse de meia, tênis, calção e camisa pólo branca. Então, deixei de treinar”. A prática só foi retomada uma década depois.
Em 1986, quando trabalhava na Band, inspirado pela paixão pelo esporte criou um programa que trazia ao FM notícias sobre o mundo tênis. A partir de 1997, graças a essa iniciativa, fez diversas coberturas internacionais nos EUA e na Europa, onde o ‘Repórter Raquete’acompanhava o talentoso novato Guga. “Na época trabalhava na Itapema e o que a gente fazia era inédito, pois, nas coberturas, não via nenhuma emissora de rádio na beira da quadra fazendo boletins ao vivo como eu fazia”, diz.
Duas décadas de humor-musical
Durante 20 anos, Julio integrou o grupo de humor-musical ‘Os Discocuecas’, como baterista. O conjunto fez sucesso nacionalmente. Além de shows, gravaram cinco discos e um CD, fizeram diversos espetáculos teatrais, realizaram shows pelo país inteiro e tiveram participações em programas comandados por Chacrinha, Sílvio Santos e Raul Gil. “O último disco de vinil da nossa banda continha um rock gaudério, o ‘Não me faz’, que serviu de gancho para o Magro do Bonfa, na Escolinha do Chico Anísio, que dizia: ‘Só não me faz te pegar nojo’”, conta. Em 1997, o grupo, que também era integrado por Gilberto Travi, Beto Roncaferro e Toninho Badaró, deixou de existir.
Ele se define como um ser perfeccionista e pontual em excesso e afirma que este foi um hábito adquirido com a profissão. “Se na grade de programação consta que um programa vai ao ar às 17h ele entra no ar exatamente neste horário, nem cinco minutos a mais nem a menos! Isso é um defeito, pois sou chato e intolerante com atrasos. Já agi com indelicadeza devido a essa característica”, conta. Modesto, o radialista não gosta de falar de suas qualidades e prefere que as outras pessoas percebam isso nele.
Na mesma trilha
Júlio se define como um profissional totalmente realizado e diz que, se tivesse que voltar atrás, faria tudo novamente e do mesmo jeito. Sua única lamentação foi não ter se dedicado mais aos estudos. “Minha cabeça sempre esteve voltada para a música e para minha banda. Se tivesse estudado mais, teria aproveitado mais as oportunidades que tive como, por exemplo, as coberturas internacionais. Poderia ter feito contatos, trocado informações e absorvido mais das culturas. Também gostaria de ter morado fora, mas como meu inglês só servia para obter as coisas mais básicas, me privei destes conhecimentos.”
Ao olhar para sua trajetória, o apresentador diz sentir falta de muitas coisas, como da sua loja de discos, da sua banda e dos concertos realizados. “Mas eu não fico pensando que aquela sim é que era uma época boa. Acho que tudo tem seu tempo para acontecer e hoje estou em outra fase. Eu não sou uma cara saudosista, entretanto, quando olho para trás tenho certeza que começaria tudo outra vez. Quando a gente faz as coisas com paixão, não se arrepende jamais e, com certeza, faria tudo novamente”. (Coletiva.Net)
Na foto eu tenho três anos de idade, no início dos anos sessenta, e sou uma criança morena com os pés dentro da água do mar e um barco de pesca ao fundo. Mais adiante, casas e chalés de madeira.
Tá aqui a data - 1964. Local: praia de Itapema.
Itapema não era nada, então. Aluguava-se a casa dos pescadores por merrecas, e se ficava por lá o verão inteiro. Comprava-se peixe dos próprios pescadores e à noite não havia luz elétrica - só milhares de estrelas refulgindo contra o profundo céu escuro. Uma grande lua surgia de repente, e todos passeava na beira da praia, que era segura e silenciosa.
Havia muitas conchas, conchas enormes e lindas, além de estrelas do mar, também imensas. catávamos aquilo e trazíamos como souvenir para a nossa casa, em um posto indígena no interior do Rio Grande do Sul.
Hoje não há mais casas de madeira na beira mar de Itapema, e as conchas e as estrelas do mar praticamente desapareceram. Quem comprou terrenos e casas no litoral catariense, naquela época de simplicidade e barateza, hoje está rico.
Tá aqui a data - 1964. Local: praia de Itapema.
Itapema não era nada, então. Aluguava-se a casa dos pescadores por merrecas, e se ficava por lá o verão inteiro. Comprava-se peixe dos próprios pescadores e à noite não havia luz elétrica - só milhares de estrelas refulgindo contra o profundo céu escuro. Uma grande lua surgia de repente, e todos passeava na beira da praia, que era segura e silenciosa.
Havia muitas conchas, conchas enormes e lindas, além de estrelas do mar, também imensas. catávamos aquilo e trazíamos como souvenir para a nossa casa, em um posto indígena no interior do Rio Grande do Sul.
Hoje não há mais casas de madeira na beira mar de Itapema, e as conchas e as estrelas do mar praticamente desapareceram. Quem comprou terrenos e casas no litoral catariense, naquela época de simplicidade e barateza, hoje está rico.
domingo, janeiro 27, 2019
Caco Barcelos, ex-taxista, acho que o acaso foi determinante na sua carreira
Extraído do portal Coletiva.net, com autorização. Publicação original em 19 de maio de 2009. Republicação
Cláudio Barcelos de Barcelos tem medo da morte, mas, ao longo de 40 anos de carreira, o repórter gaúcho não hesitou em colocar sua vida em risco, e por diversas vezes. Tudo em nome do Jornalismo. Sinônimo de qualidade e, também, referência na reportagem investigativa, Caco Barcellos se especializou em matérias que denunciam abusos, violência e injustiça social. Aos 59 anos, acumula experiência como repórter da Rede Globo, onde comanda e divide o programa “Profissão Repórter” com jovens profissionais em início de carreira.
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Caco contabiliza mais de 20 prêmios de jornalismo, entre eles uma das maiores distinções do meio, o Prêmio Vladimir Herzog. É autor dos livros “Nicarágua: a revolução das crianças”, de 1982, “Rota 66 - A História da Polícia que Mata”, de 1992, e O Abusado: O Dono do Morro Dona Marta, de 2003. As duas últimas obras publicadas lhe custaram anos de investigação (oito apenas no Rota 66) e lhe renderam dois Prêmios Jabutis, em 1993 e 2004, além, é claro, de inúmeras ameaças. Depois da publicação deste livro, que levou à identificação de mais de quatro mil vítimas jovens e pobres dos policiais paulistas, passou um período fora do Brasil, como correspondente da Rede Globo em Londres. No ano passado, recebeu o Prêmio Especial das Nações Unidas, como um dos cinco jornalistas que mais se destacaram, na defesa dos direitos humanos no Brasil.
Acaso, o culpado
Na vida e na carreira de Caco, o acaso sempre foi uma constante amigável e foi por mera casualidade que ele foi parar no Jornalismo. Depois de concluir o Ensino Médio, no Colégio Júlio de Castilhos, o Julinho, decidiu que estudaria para ser engenheiro. Gostava de escrever desde criança, mas tinha vergonha de mostrar seus textos. O amor às letras superou a timidez quando concordou em colaborar com o jornal do Centro Acadêmico de Engenharia.
Mais tarde, em uma verdadeira “fase hippie”, escrevia para uma publicação que era vendida de mão em mão nas ruas por ele e seus amigos. Certa vez, o impresso foi adquirido por um jornalista, que gostou do resultado e convidou os jovens para fazerem um teste na inovadora Folha da Manhã, do grupo Caldas Júnior. A paixão pela profissão foi imediata. Foi admitido como estagiário, em 1973, mas os colegas não sabiam que Caco era estudante de Engenharia. Quando os editores manifestaram interesse em contratá-lo, correu para fazer a transferência para a Comunicação.
Nessa época, para pagar a faculdade e ajudar nas despesas de casa, além de atuar na Folha da Manhã, trabalhava como taxista. Caco exerceu a atividade dos 18 aos 23 anos, mas nenhum dos seus colegas da FM sabia. “Lembro que meu ponto era junto a um hotel no centro da cidade, e eu morria de medo de os meus colegas me flagrarem e pensarem: ‘mas taxista não pode trabalhar em redação’. Até que um dia alguém me descobriu e, ao invés de brigarem comigo, me mandaram escrever uma matéria sobre a minha experiência como taxista”, conta. Quando o salário melhorou, deixou a praça.
A saída do jornal do grupo Caldas Júnior ocorreu em 1975, em um episódio “muito chato”, segundo ele. Uma matéria que estampava sua assinatura resultou na demissão de 21 profissionais do jornal, incluindo ele mesmo. O texto tratava das “partidas de futebol” que ocorriam na delegacia de Canoas, onde presos eram torturados e agredidos com pontapés. O “jogo” contava ainda com um “juiz” que apitava para alertar os agressores da presença de pessoas indesejáveis. A matéria não agradou à Secretaria de Segurança, que exigiu o afastamento do repórter. Ele foi demitido, e, solidários, demitiram-se as duas dezenas de colegas.
Depois disso, dedicou cerca de cinco anos à imprensa alternativa, tendo atuado na Coojornal e na revista Versus, pela qual viajava pela América do Sul e Central em busca de boas histórias sobre os povos latinos. Nas quase quatro décadas de profissão, também passou por importantes jornais e revistas brasileiras, como Veja e Istoé.
Os olhos brilhantes e o tom da fala não enganam: Caco tem orgulho de nunca ter deixado de ser repórter “um dia sequer”. A única vez que deveria ter exercido um cargo de chefia, como editor-substituto no Jornal da Tarde, em São Paulo, foi tomar um cafezinho, viu uma movimentação estranha no hotel em frente à lanchonete onde estava e se infiltrou na equipe médica que atendia à ocorrência. E naquele dia, ao invés de fechar a edição do jornal, preocupou-se em desvendar um homicídio misterioso. Às 3h da madrugada, o jornalista, que começou o dia como editor, chegou à redação com um texto exclusivo em mãos.
Apesar das raízes no jornalismo impresso, em 1985, quando morava em Nova Iorque, ficou encantado com as reportagens televisivas. Já havia recebido um convite para integrar o time de jornalistas da Rede Globo, mas recusou por considerar a emissora muito “oficialista”. Voltou atrás e, em seguida, virou repórter do Jornal Nacional, do Fantástico e do Globo Repórter. Há 10 anos, criou um projeto inovador: queria fazer reportagem com vários olhares simultâneos, e ao mesmo tempo revelar os bastidores, os erros e os acertos, as dúvidas, as questões éticas do trabalho. Assim, em 2006 nascia “Profissão Repórter”. O programa, que nasceu como quadro do Fantástico, hoje é exibido todas as terças-feiras à noite.
Pé no acelerador
Caco nunca fumou nem usou drogas e – surpresa, em se tratando de jornalista... – nunca tomou um porre. Não faltaram tentativas para embebedá-lo, mas, segundo ele, essa é uma tarefa difícil: quanto mais bebe, mais sóbrio e careta fica. “Certa vez, na Guatemala, eu e meus amigos tomamos três garrafas de rum. Fui dormir sóbrio, e caí da cama, também sóbrio, mas vibrei como se aquele fosse meu primeiro porre. Na verdade, tratava-se do maior terremoto da história da Guatemala”, conta. O fenômeno matou mais de 20 mil pessoas, e, acaso do destino, Caco e seus companheiros formavam a única equipe brasileira no local, que acabou tendo que se dividir entre a cobertura e o socorro às vítimas. A primeira esposa do jornalista, a fotógrafa Avani, também estava no local e grávida do primeiro filho do casal.
Depois do episódio, Caco e Avani fixaram residência em São Paulo para que o pequeno Ian pudesse nascer. Ele lembra que, com o dinheiro da publicação dos textos sobre o terremoto, o casal conseguiu pagar os três meses de caução do imóvel alugado na capital paulista e, ainda, proporcionou certa estabilidade para a jovem família. Hoje, está em seu segundo casamento, com a estilista Beatriz Fragelli, a Bibi, e com ela tem dois filhos, Yuri, 18 anos, e Alice, 10 anos. Do primeiro matrimônio, tem o primogênito Ian, 32 anos.
Calmo, determinado e extremamente responsável, Caco agradece e credita à família os traços positivos de sua personalidade. Da infância, diz trazer lembranças maravilhosas: cresceu no bairro Paternon, em Porto Alegre, no pé do Morro da Cruz, numa rua de chão batido que não tinha nem saneamento básico. “Tive a felicidade de ter uma igreja progressista perto de casa, que estimulava a convergência da molecada dos bairros da vizinhança. A igreja promovia encontros para futebol, que reunia 600 moleques, todos uniformizados e que disputavam campeonatos interbairros”, relata.
O jornalista relata que os jogadores Jorge Guaraci, ex-Portuguesa e Corinthians, e Flávio Minuano, ex-Internacional, Corinthians, Santos e Seleção Brasileira, foram descobertos por “olheiros” do time de várzea. Na vila, também levava uma atividade social muito intensa e lá aprendeu datilografia, linotipia, encadernar livros e noções de primeiros socorros. Ser jogador de futebol era, na realidade, seu grande sonho. “Acho que teria sido mais feliz”, avalia. Hoje, um programa do qual o colorado e flamenguista de coração não abre mão é “bater uma bolinha”. Caco, que se define como um "falso ponta-esquerda que corre na diagonal”, joga no São Paulo Athletic, o Spac, primeiro time profissional do Brasil. Pela equipe, já jogou três vezes no Pacaembu e, numa das ocasiões, colocou uma bola na trave. "Espero ansiosamente pelo dia em que o Dunga vai reconhecer meu talento e me convocar para a Seleção Brasileira”, brinca.
Nascido na capital gaúcha, no dia 5 de março de 1950, é filho da dona-de-casa Antoninha e do frentista e taxista Nérsio, já falecido, e tem uma irmã, Neusa. Os pais humildes nunca mediram esforços para proporcionar qualidade de vida aos filhos. Caco lembra que Nérsio possuía três empregos para garantir o sustento da família. Foi daí que o jornalista herdou o lado batalhador, mas, diferentemente do pai, a frequente e exaustiva rotina de mais de 24 horas de trabalho não é por necessidade e, sim, paixão.
“Quanto eu tive acesso à classe média, me dei conta que tinha amigos que eram carentes, que tinham o máximo de coisas materiais, mas não tinham a convicção e a segurança que eu possuía dentro da minha casa. Muitos meninos tinham seus carros, mas não tinham o mínimo de atenção dos pais. A base toda da minha segurança, de poder sair e viajar pelo mundo, foi meus pais que me deram. Sempre tive a sensação de que eles deram o máximo que poderiam para mim. Sou eternamente grato”, registra.
Com o pai Nérsio, aprendeu a dirigir e, entre várias lições, figura uma que carrega até hoje como forma de filosofia de vida. “Meu pai dizia que o mundo, assim como o trânsito, se divide entre as pessoas que brecam e as que aceleram. Então, não freio. Quando tenho que frear, uso o câmbio, troco de marcha e acelero. Quem breca tem mais chances de capotar, mesmo a 40 por hora”.
E é assim, em ritmo acelerado, que Caco segue a vida. Atualmente, além de passar dias em busca de boas histórias, varar as noites em ilhas de edições e jogar peladas nas poucas horas vagas, trabalha em mais um livro. Em entrevista à Revista Trip, em fevereiro deste ano, revelou que o assunto da próxima obra será sobre a cultura da violência e que será uma “encrenca que vai incomodar muita gente”. Refém da excelência e da qualidade do próprio trabalho, o gaúcho de origens modestas faz história no Jornalismo e, para o futuro, tem um sério projeto: morrer trabalhando. “Se conseguir ir trabalhando até o fim, que maravilhoso para a saúde!” (Coletiva.Net)
Júlio Andreatta, com seu Ford 1940, o grande vencedor do Circuito Zona Sul
O automobilismo sempre foi um esporte de grande destaque no Rio Grande do Sul, durante quase todo o século 20. Nomes como Norberto Jung, Júlio e Catarino Andreatta (irmãos), Diogo Elwanger, Breno Fornari e muitos outros enfrentavam estradas de chão em corridas épicas, como o Circuito Zona Sul, realizado em maio de 1950 e que entrou para a história das corridas de carro no Estado. Com um percurso de quase 1000 quilômetros, entre Porto Alegre e Bagé, ida e volta, o Circuito era promovido por grandes entidades gaúchas, com apoio especial da Companhia jornalística Caldas Júnior, em especial a Folha da Tarde. Um avião acompanhou os 34 corredores - entre eles o maior astro do automobilismo brasileiro, Chico Landi, que veio de São Paulo especialmente para a prova - os quais desenvolveram a espantosa média de mais de 90 km horários, atravessando terrenos encharcados e precárias pontes até chegar à Rainha da Fronteira. A Rádio gaúcha transmitiu toda a corrida, ao vivo. O grande vencedor, porém, não foi Landi e sim o gaúcho Júlio Andreatta, uma das lendas dos primórdios do esporte no Brasil. Ele dirigia um Ford 1940. Aido Finardi ficou em segundo lugar e Landi no décimo. Reprodução do Correio do Povo. Julio Andreatta faleceu com pouco mais de 60 anos, em 1981, tendo abandonado as provas em 1963, com menos de 50 anos de idade.
sábado, janeiro 26, 2019
terça-feira, janeiro 08, 2019
Barão do Amazonas, Guilherme Alves, Felizardo...
O Jardim Botânico tem ruas com nomes sonoros e expressivos - Chile, Buenos Aires, Valparaíso, Itaboraí, Barão do Amazonas etc. Veja abaixo o significado de algumas delas, onde muitos de vocês residem ou trabalham.
A rua 18 de Novembro, aquela ao lado do Bourbon e onde está a churrascaria do 35 CTG, bem que poderia, por exemplo, homenagear Jimi Hendrix, o músico genial, falecido nesse dia, em 1970. Mas homenageia mesmo é a rendição dos inimigos na Guerra do Paraguai.
A rua 18 de Novembro, aquela ao lado do Bourbon e onde está a churrascaria do 35 CTG, bem que poderia, por exemplo, homenagear Jimi Hendrix, o músico genial, falecido nesse dia, em 1970. Mas homenageia mesmo é a rendição dos inimigos na Guerra do Paraguai.
BARÃO DO AMAZONAS – Rua que atravessa os bairros Petrópolis e Partenon. Começa na Protásio e acaba na Paulino Azurenha, com mais de 3 km de extensão. Na Planta Municipal de 1916, convergiam para a atual Bento Gonçalves duas pequenas vias, que eram então novas e de pequena extensão: a própria Barão, vinda dos lados do Arroio Dilúvio, e a avenida Esmeralda, que subia até a meia encosta do morro de Santo Antonio.
Até a década de 30 essa duplicidade de nomes continuou. Com a unificação, pela lei de 6.7.1936, mudou-se a denominação de avenida Esmeralda para Barão do Amazonas. Com o desenvolvimento de Petrópolis, esta rua prolongou-se até a Protásio Alves e, no sentido oposto, do Partenon, subiu o morro e superou a crista, descendo no rumo da Glória, até se encontrar com a Paulino Azurenha.O nome é uma homenagem ao Almirante Francisco Manoel Barroso, o Barão do Amazonas.
Até a década de 30 essa duplicidade de nomes continuou. Com a unificação, pela lei de 6.7.1936, mudou-se a denominação de avenida Esmeralda para Barão do Amazonas. Com o desenvolvimento de Petrópolis, esta rua prolongou-se até a Protásio Alves e, no sentido oposto, do Partenon, subiu o morro e superou a crista, descendo no rumo da Glória, até se encontrar com a Paulino Azurenha.O nome é uma homenagem ao Almirante Francisco Manoel Barroso, o Barão do Amazonas.
GUILHERME ALVES - Atravessa os bairros Jardim Botânico e Partenon. Começa na Ferreira Viana, passa pela Ipiranga e acaba na rua Mario de Artagão, Partenon. Aparece na planta de 1916 com o nome de rua Progresso. Pela lei número 2, de 6.7.1936, ganhou a denominação atual.Guilherme Alves, para quem não sabe (e poucos sabem), foi o primeiro construtor dos grandes e modernos trapiches na rua 7 de Setembro, no centro de Porto Alegre, aqueles mesmos armazéns que mais tarde passaram a ser propriedade da Cia Costeira. Graças à sua iniciativa, foram construídas várias edificações residenciais no Partenon, precisamente na atual rua Guilherme Alves, que ele organizou e construiu.O progresso da rua foi vindo aos poucos. Na planta de 1928, era apenas um logradouro do Partenon, sem ter ainda ultrapassado o Arroio. Na planta de 1949 já se achava plenamente instalada no Jardim Botânico.
FELIZARDO - Jorge Godofredo Felizardo nasceu em 9.11.1901, em Porto Alegre, e faleceu em primeiro de fevereiro de 1966. Foi engenheiro agrônomo, professor catedrático de Zoologia da Faculdade de Agronomia da URGS e do curso de História Natural da Faculdade de Filosofia da PUC, além de allto funcionário da Secretaria de Agricultura. Foi ainda genealogista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do RS.
18 DE SETEMBRO – A data marca a rendição do Paraguai, na Guerra do Paraguai, quando forças paraguaias, cercadas pelo exército brasileiro, em Uruguaiana, se rendem sem condições. Dezenove anos depois, para comemorar o fato, foram libertados todos os escravos existentes na cidade. Conforme os registros da História, no dia 18 de Setembro aconteceu também, em diferentes anos, os seguintes feitos: o brasileiro Amyr Klink completa, em 1984, a travessia do oceano Atlântico em um caíque, sua primeira de muitas proezas; o governo militar senciona a Lei de Segurança Nacional, em 1969, prevendo inclusive pena de morte, prisão perpétua e banimento; em 1946, a teceira constituinte brasileira promulga a Constituição Brasileira.É também o Dia dos Símbolos Nacionais, Dia do Perdão.Santos do dia: José de Copertino, Metódio de Olimpo, Ricarda.Curiosidades: em 18 de setembro de 1950 entrou no ar a TV Tupi, de São Paulo, dando início à Era da TV no Brasil. Só havia tevê então em quatro países: EUA, Inglaterra, Holanda e França.Em 18 de novembro morre Jimi Hendrix, em 1970. Nasce Greta Garbo, em 1905. É também o dia da fundação da Central Inteligency Agency, CIA, em 1947, e da fundação do jornal New York Times, em 1851. O Chile comemora sua Independência neste dia, no ano de 1818.
JOÃO de CASTILHOS, ROQUE GONZALES E AFONSO RODRIGUES - Mártir jesuíta católico do início da história doBrasil. Viveu apenas três anos, tendo nascido na Espanha, em 1595. Catequisou nas Reduções e foi morto e torturado pelos indígenas, depois dda morte de Roque Gonzalez e Afonso Rodrigues, mais tarde canonizados pela Igreja. João foi morto dois dias depois dos seus irmãos , na região hoje do Alto Uruguai..Três ruas do JB homenageiam tais mártires.
CHRISTIANO FISCHER - Avenida que separa o JB do Jardim Carvalho e do Jardim do Salso. O Doutor Christiano Fischer foi um dos principais fundadoes da Faculdade Livre de Medicina de Porto Alegre, Também ministrou a Cadeira de Qúimica. Em 1906 fundou a Farmácia Fischer, também em Porto Alegre.
8 de Juljo - Pequena rua que vai da18 de Setembro, na lateral leste do shopping Bourbon Ipianga, até a Salvador França.Oficialmente, é o Dia Nacional da Ciência.
MACHADO DE ASSIS -(Joaquim Maria Machado de Assis)- Foi o maior escritor brasileiro e o fundador da Academia Brasileira de Letras. Mulato, pobre, carioca nascido em 21 de junho de 1939, é autor dos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Quincas Borba, além de obras em outros gêneros. Reconhecido internacionalmente, foi hamado de O Bruxo do Cosme Velho e continua a ser um ícone literário até hoje. Era epilético e faleceu com menos de 70 anos, sem deixar filhos. A rua em seu nome termina na Praça Nações Unidas.
segunda-feira, dezembro 24, 2018
Universal, um clube que deixou saudades no Botânico
O Grêmio Esportivo Universal marcou época no Jardim Botânico. Ainda hoje os mais antigos - e os nem tão antigos assim - lembram dele com saudade e carinho. Com dois campinhos localizados onde hoje está o Shopping Bourbon Ipiranga, o clube era democrático, eclético e papava muitos torneios pelas redondezas. Nesta foto, de 1956, o time do Universal, tendo ao centro, segurando o pavilhão, a sua madrinha, Eliane Squeff.
Alguém se identifica na foto?
(gentileza: dona Dorsa)
sábado, outubro 27, 2018
Paulo Francis: a morte como anestesia geral
PUBLICADO NO CONSELHEIRO X EM OUTUBRO DE 2008
Quem não lembra dele, com aquele óculos fundo de garrafa, a fala afetada, dizendo poucas e boas, não raro mentindo e não raro acertando na mosca? Um dos jornalistas mais cultos e mais lidos do Brasil (escrevia inicialmente na Folha de São Paulo, passando depois para o Estado, que distribuía sua coluna para dezenas de outros jornais brasileiros), considerado arrogante e direitista por muitas, lúcido por outros, Paulo Francis tinha um humor ranzinza - e talvez seja este humor que esteja fazendo falta hoje, nove anos depois da sua morte, em 4 de fevereiro de 1997, em Nova Iorque, aos 66 anos.
Francis - nascido Franz Paulo Trannin Heilborn, em uma família de classe média alta do Rio de Janeiro - nunca fez curso superior, foi trotskista na juventude, dos 14 aos 27 anos leu em média seis horas por dia, participou dos áureos tempos do Pasquim, foi preso pela ditadura militar, ofendeu todo mundo (inclusive Roberto Marinho, que comparou a um emissário de merda, o "robertoduto". Depois foi trabalhar para as Organizações Globo: Marinho não guardou mágoas do episódio) e, por essas e outras, morreu de infarto em seu apartamento na cidade que ele considerava a Capital do Mundo. Também parecia não gostar de negros e nordestinos - certa vez chamou o Nordeste "desta região desgraçada do País." (desgraçado não no sentido de pena, observe-se) Quanto aos seus comentários culturais, era igualmente ácido - simplesmente desprezava o moderno cinema nacional e considerava quase todos os intelectuais como subservientes ao poder. Na esfera política, tornou-se célebre a denominação que deu ao senador Eduardo Suplicy (e sua irritante fleuma) - "Mogadon", o nome de um remédio.
Paulo Francis vivia então (1997) um dos mais complicados períodos da sua vida: estava sendo processado pelo presidente da Petrobrás (do governo FHC), Joel Rennó, e mais outros seis diretores da estatal. Eles pediam nada menos do que 100 milhões de dólares por ressarcimento moral, uma vez que o jornalista havia dito, durante sua participação no programa Manhattan Connection, da Globosat, que`"os diretores da Petrobrás põem dinheiro na Suiça", "roubam em subfaturamento e superfaturamento", "é a maior quadrilha que já existiu no Brasil". Pior: disse isso tudo sem nenhuma prova consistente e certamente iria perder o processo e ter que pagar uma bolada grossa para essa gente. Aliás, já estava gastando os tubos com advogados - ele, o jornalista mais bem pago do Brasil, ainda assim não tinha como fazer frente às despesas com honorários (ele próprio calculos que o processo se arrastaria por uns cinco anos e lhe custaria, só com os advogados, no mínimo 200 mil dólares). Segundo Francis, o objetivo da ação era arruiná-lo financeiramente. Transtornado, passou a ingerir calmantes em doses maciças e a sentir dores nos ombros, o que julgou um sintoma da sua bursite e não de problemas cardíacos, os quais até seu médico desconhecia.
É de se imaginar que, se estivesse vivo hoje, o que ele não diria do governo petista, de Lula e companhia. Para esses, felizmente, ele morreu antes.
Uma palhinha de Paulo Francis:
"A morte deve ser como a anestesia geral"
"Bebi muitos anos. Para ficar bêbado. Não vejo outra razão. O bebedor social é coisa de pequeno-burguês"
"Fidel Castro é essencialmente um conservador feudal, um feitor de fazenda, a quem a idéia de inovações, de modernidade, horroriza"
"A melhor propaganda anticomunista é deixar os comunistas falarem"
"Acho que a tendência do intelectual é ser de direita. Ele é, por definição, um elitista"
"É preciso meter as mãos na cabeça raspada do Vicentinho língua-presa. Eu lhe daria uma chicotada para ver se reage docilmente como escravo.""Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. Crítica não é raiva. E crítica, às vezes, é estúpida."
"Nenhum filme brasileiro dá certo porque todos os cineastas tentam demagogicamente se colocar na posição de humildes. É falso, visceralmente. Sempre que vejo algum favelado em filme brasileiro tenho vontade de sair gritando: é um santo! É um santo!"
"O negro africano não tinha língua escrita, como notaram os exploradores da África do século XIX; logo não pode, pela ordem natural das coisas, possuir uma cultura como a entendemos."
"Quero que fique registrado que eu favoreceria o fechamento do Congresso ou qualquer outra dessas instituições reacionárias que impedem o progresso do País."
Texto e pesquisa: Conselheiro X
quinta-feira, outubro 25, 2018
Drummond, o poeta que perdeu a vontade de viver
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
"E agora, José?
a festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?"
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Já se vão quase 30 anos que Carlos Drummond de Andrade morreu. Para muitos, o maior poeta brasileiro de todos os tempos, Drummond - pouca gente lembra - faleceu 12 dias depois da morte da sua filha, Maria Julieta. E, conta-se, morreu de desgosto, de falta de vontade de viver, aos 84 anos de idade, às 8h45 minutos do dia 17 de agosto de 1987, uma segunda-feira, no Rio de Janeiro, onde morava havia muito tempo. Sepultado sem orações ou discursos - como pediu, já que era ateu (ou agnóstico, como queiram), Drummond estava internado no hospital, vítima de dores no peito. Cardíaco, já havia sofrido infartos anteriores. Foi sepultado no cemitério São João Batista, na presença de quase mil pessoas - entre eles o presidente em exercício, Ulysses Guimarães - Sarney estava no exterior.
Sua única filha - de quem era não só pai, como o maior amigo ("eles se entendiam só pelo olhar", disse um amigo) - não havia resistido a um câncer generalizado. No enterrro, o poeta confidenciou a um amigo: "Não tenho mais futuro, acabou tudo para mim". Doze dias depois, ele se deixou levar. Coisas que acontecem.
LIXO COMO PRESENTE - Homem fechado, reservado, arredio, tímido, meticuloso como todo bom mineiro, Drummond - nascido em Itabira, em 31 de outubro de 1902, em uma família de fazendeiros - publicou 30 livros de poesia (mais os de crônicas), dos quais foram vendidos mais de 500 mil exemplares. Mas não gostava de teorizar sobre poesia (coisa muito comum entre outros poetas) e preferia que o chamassem de jornalista. Expulso do colégio, em Belo Horizonte, aos 19 anos - por "insubordinação mental" - formou-se em Farmácia ("porque era o curso mais curto"), profissão a qual jamais exerceu. Foi, sim, professor de Geografia e Português, jornalista e funcionário público - por sinal muito exigente. Aos 23 anos casou-se com Maria Dolores - e com ela viveu até o final da vida.
COMUNISTA - Carlos Drummond trabalhou no Ministério da Educação durante a ditadura Vargas, a convite do seu amigo Gustavo Capanema, mas - lá pelos anos quarenta, em especial durante a Segunda Grande Guerra - alinhou-se ao Partido Comunista Brasileiro, o velho PCB, na luta contra o fascismo. Chegou, a convite de Luis Carlos Prestes, a dirigir o jornal do partido - o Tribuna Popular - mas, por incompatibilidade, demitiu-se três meses depois de assumir, por não suportar a ortodoxia comunista e stalinista. Mais tarde, explicou: "O que eu escrevia não saía, e o que saía eu não entendia nada".
Nos anos quarenta, durante a Guerra, compôs poemas bem esquerdistas, até de louvor ao staninismo - num deles saúda a resistência de Stalingrado (hoje com outro nome) aos invasores nazistas. Em 1964, já bem decepcionado com a política, com a esquerda e a politicagem, apoiou o Golpe Militar - dois meses depois já estava novamente decepcionado e enojado com aquilo tudo.
Muito abalado com a morte da filha (teve um filho antes, que morreu poucos meses depois do nascimento), ainda mantinha seus hábitos impecáveis e ordeiros, como o de acordar às 7 horas da manhã e dormir tarde, e o de arrumar as cestas de lixo com tal minúcia que "pareciam presentes de Natal", ou "embrulho de presente". Telefonava seguidamente aos amigos, para saber como estavam e dava lá seus palpites e conselhos.
Cético, bom mineiro, Drummon teve outro grande mérito: já reconhecido com o maior poeta brasileiro - aquele que fazia poesia simples, sem firulas, quase na linguagem do povo - recusou-se a se candidatar à Academia Brasileira de Letras (Moacir Scliar também disse isso nos anos 70, depois quis ser "imortal" e hoje participa dos glamourosos chás da "Casa de Machado de Assis").
E como hoje é domingo, é um bom dia para ler Drummond, na cama, entre as cobertas."E agora, José?
a festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?"
sexta-feira, outubro 19, 2018
Será que eles voltam da Lua, papai?
Nada, absolutamente nada, foi tão espetacular quanto a chegada do homem à Lua, em julho de 1969, quando o autor deste blog tinha apenas 8 anos. Como a televisão, na época, era um bem caro e ainda não tão usual, muitas famílias se reuniam conjuntamente para assistir ao evento na casa de quem tinha aparelho de TV. Sem exagero, praticamente não se falava de outra coisa. Até mesmo os jornais - entre eles o mais influente e poderoso da Região Sul, o Correio do Povo - publicaram cadernos especiais a respeito. Neste anúncio o CP combina a viagem dos astronautas da Apolo 11 com o Dia dos Pais, que também acontece em julho.
terça-feira, outubro 16, 2018
Talidomida, o calmante monstruoso que mostrou a face escura da indústria farmacêutica
REPUBLICAÇÃO
Pesquisa e texto: Conselheiro X
As pessoas mais velhas e bem informadas ainda lembram bem deste nome: Talidomida. Prescrito como calmante e sonífero no final dos anos cinquenta e início dos sessenta, o medicamento (na verdade Talidomida é o seu nome químico e não o de vendas) transformou-se em um sinistro sinônimo da ganância monstruosa da indústria farmacêutica.
Pesquisa e texto: Conselheiro X
As pessoas mais velhas e bem informadas ainda lembram bem deste nome: Talidomida. Prescrito como calmante e sonífero no final dos anos cinquenta e início dos sessenta, o medicamento (na verdade Talidomida é o seu nome químico e não o de vendas) transformou-se em um sinistro sinônimo da ganância monstruosa da indústria farmacêutica.
Lançada sem a devida comprovação de seus efeitos colaterais, testada apenas em ratos, produzida em dezenas de países com nomes comerciais diferentes (Contergan, Distaval, Kevadon, Softnon, Talimol etc), a substância foi sintetizada pelo laboratório Chemie Grünenthal, de Nordrhein-Westfalen, na então Alemanha Ocidental e, dentro em breve, logo após o seu lançamento comercial, em 1956, (como anti-gripal e com o nome de Grippex), transformou-se em uma mina de ouro para a indústria, a qual investiu pesadamente na sua divulgação. Na verdade, a partir de tal substância, fabricava-se inúmeras marcas comerciais que, somente em um ano, na Alemanha, venderam a assombrosa quantidade de 14 toneladas. Mais de 20 outros laboratórios, em diferentes países de todo o mundo, foram licenciados para a sua produção.
No Brasil, a Talidomida chegou em março de 1958, nas marcas Ectiluram, Ondosil, Sedalis, Sedim, Verdil e Slip, todas vendidas sem a exigência da receita médica. Era, então, considerado o melhor soporífero jamais inventado, passando também a ser utilizado contra a gripe, a nevralgia, a asma, a tosse e, sobretudo, como antiemético para as mulheres grávidas.
Foi justamente aí que ele fez história - uma tétrica história: receitado para muitas grávidas em início de gestação, ingerido em pílulas brancas, era um sedativo barato que provocava um sono rápido, profundo e natural, sem a característica "ressaca" da manhã seguinte. De igual forma, podia ser ingerido em doses maciças que não causaria a morte do paciente, nem mesmo se este quisesse praticar o suicídio. Ideal, e, como logo se viu, fatal, ou pior que isso, para os fetos em início de formação. Usado nos primeiros 40 dias da gestação, atuava como teratogênico - ou seja, produzia monstros, se é que, infelizmente, assim se pode falar de suas vítimas, calculadas em cerca de 10 mil em todo o mundo. As crianças nasciam muitas vezes sem dois, três ou até quatro membros, dentre tantos outros efeitos observados.
A má-formação dos membros tinha um nome científico: focomelia (do grego "phoke" - foca- e "melos" - membros), ou "membros de foca". Os braços dos recém-nascidos surgiam como tocos abaixo dos ombros, semelhantes às nadadeiras das focas. Também se observou deformação dos olhos, do esôfago e do tubo digestivo. De cada duas crianças nascidas assim, apenas uma sobrevivia. Sem entender o porquê daquilo, com problemas de consciência, algumas mães enlouqueceram e outras chegaram a praticar o suicídio.
Em 1961, os casos de "focomelia" já eram tantos que se falava em uma "epidemia".
De início foi extremamente difícil descobrir-se a origem de tal fenômeno, o elo comum. Pensou-se nos alimentos, na água, até em poeira atômica. Porém, graças a duas pessoas precisou-se exatamente a Talidomida como o fator causador. Uma delas, o advogado Karl Schulte-Hillen, de 32 anos, não havia aceito a explicação "genética" como a causadora da focomelia do seu filho recém-nascido. Homem saudável e esclarecido, ele descobriu que, coincidentemente, um casal de amigos seus tivera um filho em condições idênticas. Intrigado e inconformado, Karl passou a fazer investigações por conta própria, conversando com as mães que haviam dado a luz a tais "monstros". Ao tentar chamar a atenção da comunidade médica para o que estava se passando, encontrou uma revoltante indiferença e ignorância. Foi então que surgiu em seu caminho o médico Widukind Lenz, um pediatra especializado em genética que aliou-se a Karl, encampando a causa. Lenz, por fim, achou o nexo causal.
No dia 16 de novembro de 1961, Lenz comunicou oficialmente à indústria fabricante dos efeitos nocivos dos medicamentes a base de Talidomida - Contergan, no caso da Alemanha Ocidental. Ele, pessoalmente, já conhecia 13 casos. A Chemie Grünenthal, porém, não retirou o remédio do mercado - o que de fato só ocorreu quando a história virou manchete de jornal. O Contergan era o carro-chefe das suas vendas, uma verdadeira "galinha dos ovos de ouro", rendendo milhões e milhões de marcos.
Sooou então o alarma em todo o mundo. Nesse tempo, às suas próprias custas, Schulte-Hillen contratou oito fisioterapeutas que, juntamente com ele, passaram a percorrer a Alemanha Ocidental, à procura de vítimas da Talidomida. Entre agosto de 1964 e dezembro de 1965, visitaram 1.600 das 3.000 vítimas vivas da substância. Com seu endereço publicado nos jornais, choveram cartas, narrando novos casos.
A maioria das vítimas da Talidomida estava na Alemanha e na Inglaterra. Nos Estados Unidos, graças a uma mulher, o medicamento (lá chamado de Kevadon), não chegou a causar tantos danos e sofrimentos (não mais do que 20 vítimas). A ser fabricado pela Merrel Co., uma empresa de Cincinati, Ohio (e que ainda hoje é uma das grandes do mercado farmacêutico), não chegou a ser liberado pela Secretaria de Alimentos e Remédios (FDA, sigla em inglês). Apesar das terríveis pressões da indústria, a médica responsável pela aprovação, Dra. Frances Oldham Kelsey, recusou-se a dar o parecer favorável, alegando que as provas de garantias de não havier efeitos colaterais deletérios eram insuficientes. Em agosto de 1961, quando o escândalo veio a público, ela recebeu do presidente John Kennedy a medalha por Destacados Serviços Civis, por reter a aprovação da Talidomida - medalha esta que é uma das mais altas condecorações daquele país.
NO BRASIL - A Talidomida chegou ao Brasil em março de 1958, com os nomes de Ectiluram, Ondosil, Sedalis, Sedim, Verdil, Slip. Em março de 1962, o Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina e Farmácia proibiu o uso da Talidomida em todo o país, mandou apreender os estoques e cassar as licenças de fabricação. A medida, no entanto, não surtiu lá grandes efeitos pois o medicamento continuou ainda a ser usado durante anos devido à falta de informação da população, do descontrole na distribuição e, sobretudo, graças à omissão do governo e ao poder econômico dos laboratórios. Em 27 de novembro de 1973 foi criada, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Associação Brasileira dos Pais e Amigos das Crianças Vítimas da Talidomida, entidade declarada de utilidade pública.
Nos últimos anos o interesse pela Talidomida trouxe novamente o debate à tona. Conforme alguns testes - ainda não plenamente comprovados - ela teria eficácia na luta contra a lepra, contra a tuberculose e até para aumentar a resistência de pacientes aidéticos. A questão, entretanto, ainda está em aberto,
sábado, outubro 13, 2018
Uma Miss Brasil em meio a uma grande crise política no Brasil
1954 foi um ano complicado para o Brasil,com toda a agitação que se seguiu ao atentado da rua Toneleros, a consequente crise político-militar e, finalmente, o trágico suicídio de Getúlio Vargas. Em Porto Alegre, em agosto, a cidade transformou-se quase em teatro de guerra e houve depredações e mortes. Por outro lado, no final do ano, em novembro, aconteceria a célebre tentativa de fuga de quase mil apenados da Casa de Correção, o presídio central da época, localizado ao lado do Gasômetro, no centro da cidade, acontecimento que encheu de medo os porto-alegrenses. Mas 1954 também ficou marcado como o ano em que a jovem baiana Martha Rocha perdeu o título de Miss Universo para uma norte-americana, naquela que teria sido uma das maiores injustiças em termos de concurso de beleza ao longo de toda a história. Aos 18 anos (a sua idade está errada na matéria do CP), contudo, a despeito de tudo, Martha ficou consagrada como a mais célebre miss brasileira. No ano que vem ela completará 80 aninhos de muitas histórias para contar.
sexta-feira, setembro 28, 2018
Unidos na jogatina?
As eleições de outubro de 1950 foram das mais disputadas e acirradas de toda a história brasileira - por dois motivos: eram as primeiras depois da Revolução de 30 e do Estado Novo. Com o país redemocratizado, e Getúlio Vargas - oficialmente senador da República - recolhido em sua fazenda do Itú, quase na fronteira com a Argentina, as forças udenistas e golpistas, lideradas, entre outros, por Carlos Lacerda, não mediam esforços para impedir que o ex-ditador e precursor das leis sociais voltasse ao poder, agora pelo voto popular. Mas Getúlio venceu com larga margem (a contagem, nas cédulas de papel, demorou mais de um mês até a sua finalização), contando com o fundamental apoio do líder político paulista Adhemar de Barros, que garantiu-lhe muitos votos no mais importante Estado da Federação. A campanha movida contra Getúlio incluiu peças como esta acima, publicada no Correio do Povo, de Porto Alegre, e em muitos outros jornais nacionais, relacionando os dois com a volta dos jogos de azar no Brasil - que haviam sido proibidos, poucos anos antes, pelo então presidente, General Eurico Gaspar Dutra.
quinta-feira, setembro 20, 2018
O nascimento de um bilionário
No dia 2 de janeiro de 1950, no início do verão, meses antes da Copa do Mundo no Brasil, quando Getúlio Vargas ainda não havia se candidatado oficialmente a presidente e eleito democraticamente em outubro, nasciam os gêmeos Alexandre e Pedro Grendene, no município de Farroupilha, na serra gaúcha. A família já tinha posses, mas ninguém poderia supor que, décadas depois, nos anos oitenta, os dois se tornariam multimilionários graças à fabricação de sandálias de plástico com a hoje clássica sandália Melissa. Alexandre Grendene tornou-se também um bon vivant - tem um impressionante iate de mais de 300 milhões de reais, muitos filhos, muitas empresas e um patrimônio pessoal de mais de dois bilhões de dólares - é considerado, em todos os rankings divulgados, o homem mais rico do Rio Grande do Sul. Nesta reprodução, de uma participação de nascimento, datada de 23 de janeiro, publicada no Correio do Povo e encontrada por mim casualmente, vemos a comunicação do nascimento dos gêmeos.
sábado, setembro 15, 2018
Eurico Lara, o maior ídolo gremista de todos os tempos
7 de Novembro de 1935: morre Eurico Lara, a lenda tricolor
“Porto Alegre, ontem, quando despertava para a sua atividade diária, recebeu uma notícia contristadora: no hospital da Beneficência Portuguesa, falecera, às 7:10 horas, o grande arqueiro Eurico Lara, indiscutivelmente a maior glória desportiva do Rio Grande do Sul”.
A notícia, publicada com grande destaque na página 9 do Correio do Povo de 7 de novembro de 1935, quinta-feira, tinha um título emblemático que resumia o significado desse homem nascido em Uruguaiana e que se tornou uma lenda do futebol gaúcho: “Eurico Lara, o player mais glorioso do Rio Grande do Sul, faleceu ontem, nesta capital”.
Ontem, no caso, era uma quarta-feira do histórico ano do centenário da Revolução Farroupilha e o Lara imortal que falecia na Porto Alegre de menos de 250 mil habitantes e três emissoras de rádio, contava apenas 37 ou 38 anos de idade – na página da Wikipédia, enciclopédia digital, consta que havia nascido 24 de janeiro de 1897, enquanto os jornais, inclusive o Correio, lhe davam um ano a menos – teria nascido em 1898. Seja como for, em sua curta e gloriosa existência, Eurico Lara Fonseca, casado com dona Maria Cândida e pai da menina Odessa, de 12 anos, defendeu apenas as cores de um clube de futebol – o Grêmio Futebol Portoalegrense, agremiação na qual jogou durante 15 anos e onde era tão amado e idolatrado a ponto de Lupicínio Rodrigues, ao compor o hino tricolor em 1953, ter nele incluído os seguintes versos: “Lara, o craque imortal, soube o seu nome elevar, hoje com o mesmo ideal, nós saberemos te honrar”.
Lara chegou ao Grêmio em 1920, ainda na época romântica em que não havia futebol profissional no Brasil, indicado por olheiros tricolores impressionados com aquele “goal-keeper” do Sport Clube Uruguaiana que pegava todos os chutes e era aplaudido de pé até pelos adversários. Em 1922, já famoso por aqui, foi ao Rio defender o selecionado do Exército nacional nas comemorações esportivas pelo centenário da Independência do Brasil, e saiu-se tão bem que, ao final do torneio, recebeu um telegrama do próprio Ministro militar, cumprimentando-o por sua incrível atuação. Também quase lendários foram os mais de 20 chutes que defendeu de Friendereich, o maior craque e primeiro grande astro esportivo brasileiro. O jogo foi realizado no Parque Antartica entre os selecionados paulista e gaúcho e ao final uma multidão invadiu o gramado para cumprimentar o incrível arqueiro gaúcho capaz de tantas proezas milagrosas.
Em crônica não assinada, publicada no Correio do Povo daquele 7 de novembro de 1935, e intitulada “A Glória de Lara”, um repórter escreveu: “Lara morreu pobre, sem nada deixar além de um nome, na época precisa em que o futebol está recheando o bolso dos utilitaristas. Quando meio mundo se locupleta com os proventos da profissão, o jogador mais querido e mais glorioso dos pampas deixa apenas uma trilha limpa, percorrida à custa de muito sacrifício e de incomum espírito de abnegação e de renúncia. Ídolo brasileiro, acima de tudo, esse moço jamais perdeu a modéstia que trouxe do berço, da gloriosa Uruguaiana. Nasceu pobre para morrer entre os humildes. Vezes sem conta atuou sob influência do mal que lhe minava o corpo. Sob dores hepática, saltava como um felino dentro daquele retângulo que só ele sabia defender. E nunca teve uma imprecação, nem deixou transparecer o menor sofrimento. E ontem finalmente morreu como morrem os bons: sem um gemido, de mansinho, sem mesmo ter tempo para um último gemido. O Rio Grande do Sul, envolto em crepe, antes de chorar canta e exalta no dia de hoje a glória imortal de Eurico Lara.”
Lara tinha tuberculose havia três anos, em um tempo em que não havia penicilina ou estreptomicina e a chamada doença dos poetas e dos artistas dizimava milhões de pessoas em todo o mundo. Sua última atuação pelo Grêmio foi mais uma página de glória: o histórico Grenal de setembro de 1935, decidindo o campeonato da cidade no ano festivo do centenário da Revolução Farroupilha, vencido heroicamente pelo Grêmio por dois a zero. Lara saiu de campo para ser hospitalizado na Beneficência Portuguesa, onde encerrou a vida como o maior mito da história do imortal tricolor – a bem da justiça, nem Renato Portalupi, ídolo da era modera, o supera na linha do tempo.
No dia 8 de novembro, ainda repercutindo a morte do mito, o Correio do Povo publicou uma foto em que Lara aparece no momento em que sofreu o último gol da sua vida – precisamente o dia 15 de setembro de 1935, data da comemoração dos 32 anos do chamado “clube da Baixada”. Em jogo contra o Força e Luz pelo campeonato da Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos, AMGEA, uma espécie de liga dos clubes de Porto Alegre e arredores, Lara, atrás de Luiz Luz, não consegue defender o chute de Negrito.
Eurico Lara foi campeão citadino de 1920, 21, 22, 23, 25, 26, 1930, 31, 32, 33 e 35 e campeão gaúcho dos anos de 1921, 22, 26, 1931 e 32. Ídolo das famílias e das crianças, que sonhavam um dia “ser Lara”, foi sepultado com a bandeira do Grêmio e o seu funeral em carro público praticamente parou Porto Alegre. Infelizmente, não existe qualquer registro fonográfico ou cinematográfico deste homem incrível que dizem ter sido o maior goleiro que o Rio Grande do Sul e que entrou para a história como “o goleiro dos goleiros”, simplesmente “a Lenda”.
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