Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
domingo, outubro 24, 2021
Nem Marighella e nem Fleury
Surgiu aí um filme sobre Marighella - que não vi e não gostei, como já escreveu aquele escritor. Por principios, não gosto de filmes que enaltecem (me parece que é o caso) figuras que querem, na marra, implantar sua filosofia política, sejam de direita ou de esquerda. Marighella faz parte da luta armada contra o regime militar, uma burrice tamanha que até o PCB e Prestes alertaram: só faria as coisas piorarem ainda mais. Tudo bem, no contexto da Bolha Assassina, até se afigura que cai bem - só que não. Democracia, em que pese todos os seus defeitos, como ressaltou Churchill, ainda é o melhor sistema político.Trocar uma ditadura de direita por outra de esquerda, Mussolini por Stálin, nunca é bom negócio. E tem mais: esses filmes, que se pretendem meio "biográficos" a respeito de algumas personalidades, são puro jogo caça-níquel, iguais aos que se fazem da Revolução Farroupilha para agradar os gaúchos, e ainda tem gaiato que compra a prosopopéia. E olhe que sou gaúcho, pero não tão burro assim - só um pouquinho menos que vocês. Dizem que o filme sbre Mariguella foi aplaudido de pé no Festival de Berlim. Imagino só a platéia de Berlim: intelectuais, intelectualoides, deslumbrados e deslumbrados de todas as estirpes e nacionalidades, a maioria burgueses tirando onda, essa fauna toda que bem conheço. Algumas grã-finas, com certeza. Poderiam fazer também um filme a respeito do delegado Fleury, que fuzilou Mariguella em SP. Teria mais ingredientes cinematográficos: Fleury, símbolo maior da repressão, acabou de deslumbrando com o próprio mito, se viciou em cocaína, passou a beber e falar demais e foi apagado pela mesma repressão do qual era o expoente maior. Bem feito - e o Marighella também levou o que pediu. No caso do Fleury, inventaram aquela queda de barco no litoral paulista, afogamento, para apagar um cara que conhecia todo o jogo dos porões, quando a abertura política já era inevitável, em 79. Isso, sim, daria um bom filme, bem mais esclarecedor - não o desse sujeito primário (tal qual sua ideologia), e que estava também longe de ser um santo, chamado Marighella. Do meu lado, nem Carlos Marighella nem Fleury. Ou será que este país não aprende nunca?
quinta-feira, outubro 21, 2021
Kojak diz que as mulheres só querem o amor de um homem, seja "careca, cabeludo, branco ou negro"
domingo, outubro 17, 2021
O ano em que a cearense Florinda Bolkan foi escolhida a melhor atriz da Itália
Florinda Bolkan foi uma celebridade nos anos setenta, para quem, por exemplo, lia revistas como Manchete, onde a atriz brasileira - que vivia e atuava na Itália - estampava páginas e mais páginas, sem contar dezenas de outras publicações. Cearense, bela e talentosa, ganhou por três vezes o prêmio Donatello, o Oscar italiano, e foi dirigida, entre outros, por Visconti. Sua amizade - ou caso de amor - com a Condessa Cicogna abriu-lhe muitas portas no jet-set internacional, o qual frequentou com desenvoltura por muito tempo. Hoje vive novamente no Brasil e já não atua mais como atriz. Injustamente esquecida, as novas gerações sequer sabem quem ela é, o que não surpreende em um país sem memória. Seja como for, Florinda foi um dos grandes nomes internacionais do mundo cinematográfico de origem brasileira, antes de Sônia Braga e de Gisele Bundchen. Nesta reprodução do Correio do Povo, de maio de 1971 noticia-se que Bolkan foi escolhida a melhor atriz da Itália naquele ano, por sua atuação em Anônimo Veneziano, de Salerno. Com ela foi premiada - como melhor atriz italiana - nada menos do que Monica Vitti.
sexta-feira, outubro 15, 2021
Em maio de 1956 Inezita Barroso veio encontrar Paixão Cortes e sua turma
Há mais de sessenta anos, em maio de 1956, a grande Inezita Barroso, então uma jovem com menos de 30 anos, veio a Porto Alegre, onde pesquisou e encantou-se com a música regional que aqui se fazia. Mulher inteligente e vanguardista, essa paulista, já falecida - que apresentava o melhor programa de música caipira de raiz do Brasil, o Viola Minha Viola, na TV Cultura - foi recebida de braços abertos pela gauchada que dela se acercou quando foi hóspede de honra do folclorista Paixão Cortes, em sua casa em Porto Alegre.Reprodução da Revista do Globo, coleção do Arquivo Histórico Moysés Vellinho da Prefeitura de Porto Alegre.
quinta-feira, outubro 14, 2021
Itália proíbe "Os 120 dias de Sodoma"
Em 1976, e durante grande parte dos anos setenta, a Itália viveu um período de agitação e instabilidade política, com grupos de esquerda declarando guerra ao Estado. E pior que o Estado italiano, corrupto como sempre, também não era lá essas coisas em matéria de democracia, como se vê nesta nota publicada pelo Correio do Povo em janeiro de 76: Pasolini, um dos maiores diretores de cinema daquele país teve um de seus filmes proibidos para exibição - Os 120 Dias de Sodoma. Aliás, na Itália acontece de tudo, até Fellini - mas eles estão aí, como sempre, desde o império romano. Reprodução do Correio do Povo. Blog do Conselheiro X.
Hippies de Nova Friburgo só pedem que os deixem em paz
É, a vida não era mesmo fácil para os hippies naqueles inícios dos anos setenta. Considerados sujos, drogados, vadios e permissivos, eles - naqueles tempos de repressão política e também de costumes - passavam duras penas para fazer o que hoje se vê em qualquer esquina ou qualquer praia. Nesta matéria, reproduzida do Correio do Povo, um grupo de hippies de Nova Friburgo, na zona serrana do Estado do Rio, perseguidos e humilhados pela polícia, só pedem que os deixem trabalhar e viver em paz, como qualquer cidadão brasileira.
quarta-feira, outubro 13, 2021
Joe Louis, um dos maiores pugilistas de todos os tempos, é barrado em hotel de Copacabana
Joe Louis foi uma dos maiores pugilistas de todos os tempos, mantendo o título de campeão mundial dos pesos pesados por 12 anos. Em 1950, já com problemas financeiros, Louis excursionou pelo Brasil, onde realizou diversas lutas no Rio e em São Paulo (conta-se que teve um caso com a cantora e futura apresentadora de TV Hebe Camargo), mediante gordos cachês. Na metade do século XX os Estados Unidos viviam o seu regime de segregação racial, não muito diferente da África do Sul, e nem mesmo o campeão Joe Louis escapava disso, embora fosse famoso. O que ele talvez não esperasse é que, no Brasil, mais propriamente no Rio de Janeiro, o problema da discriminação racial também existia - e no seu nível mais alto. Depois de ser rejeitado em vários hotéis, o norte-americano acabou se hospedando em um modesto hotel carioca, já que, segundo ele, o Copacabana Palace não aceitava "pessoas de cor". Louis faleceu em 12 de abril de 1981, aos 66 anos, tendo sofrido com o vício da cocaína e as alucinações que se seguiam às crises. A reprodução acima é do Correio do Povo, coleção do Arquivo Histórico Moyses Vellinho, de Porto Alegre.
No tempo em que os "vampiros" atacavam as crianças gaúchas para tirar-lhes o sangue
Quem quer que tenha nascido no interior do Rio Grande do Sul ou de outros Estados vizinhos sempre ouviu falar nas histórias dos "tiradores de sangue", espécies de vampiros que atacavam as crianças indefesas, geralmente a caminho da escola, e retiravam-lhes com seringa o sangue à força, ou depois de dopadas. Tais relatos - que muitos interpretavam como lendas rurais, inverossímeis até - de fato aconteceram e foram narrados pelos jornais da época, como nesta reprodução do Correio do Povo, de Porto Alegre, em abril de 1980. Naquela época ainda se comercializava sangue no Brasil e não havia uma política de saúde eficaz nesse sentido, o que tornava o comércio e o tráfico - geralmente com o plasma enviado para os Estados Unidos e Europa - algo muito rentável. Curiosamente, não se tem notícia de que nenhum de tais "vampiros" tivesse sido preso, o que certamente contribuiu para dar aos fatos verídicos um tom de lenda ou de histórias que os pais contam para disciplinar e amedrontar as crianças.
terça-feira, outubro 12, 2021
O casamento do engenheiro e deputado Leonel Brizola em março de 1950 teve Getúlio como padrinho
Com apenas 28 anos, mas já deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro - do qual era uma das mais promissoras lideranças regionais - Leonel de Moura Brizola saiu na página social do Correio do Povo naquele dia 3 de março de 1950: dois dias antes o jovem político e engenheiro casara-se, em Porto Alegre, com Neusa Goulart Brizola, que vinha a ser irmã de João Goulart - futuro presidente do Brasil, deposto em 1964. Uma importante personalidade (na verdade, padrinho do enlace) se fez presente: Getúlio Vargas, também natural da terra da noiva, São Borja, onde vivia retirado na sua fazenda do Itu (localizada no município de Itaqui e não São Borja). O casal seguiu em viagem de lua-de-mel "para o Prata", como informou o CP. A reprodução é do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho.
O Circuito Ciclístico Porto Alegre Taquara, em 1950, era uma grande prova de resistência
Andar de bicicleta, hoje, é uma atividade corriqueira, especialmente em grandes cidades. Vista como uma alternativa sustentável e saudável frente ao poluente e agressivo automóvel, ela reúne grupos de ciclistas e aficcionados desse meio de transporte que, na primeira metade do século 20, era visto bem
mais como um esporte. E nisso o Rio Grande do Sul também se destacava, com a realização de inúmeras provas de pequeno, médio e longo curso que atraíam muitas pessoas - os "circuitos ciclísticos". Um dos mais famosos de então era a prova "de resistência" Porto Alegre-Taquara, ligando as duas cidades que distam cerca de 70 quilômetros. Eventos como esse eram amplamente noticiados nos jornais, como se vê nesta matéria do Correio do Povo de julho de 1950.
sexta-feira, outubro 01, 2021
Onde anda o japonês da Federal?
Sempre considerei o caso do "japonês da Polícia Federal" emblemático e representativo dos absurdos do Brasil - país "de cabeça para baixo", frase, se não me engano do Tom Jobim (que, aliás, adorava o Brasil, mas não se deslumbrava com nada, só com os passarinhos). Nem precisava ser do Jobim, milhares antes já devem ter dito. Pois, anos depois de tantas aparições televisivas nas prisões cinematográficas da Operação Lava-Jato, fui procurar notícias a respeito de tal figura, sempre de óculos escuros, que se chama Newton Ishii e encontrei uma, de 2020, que informa ter sido ele condenado a pagar uma indenização de 200 mil reais por "facilitação de contrabando" no tempo em que era agente em Foz do Iguaçu, PR. Depois disso não se sabe mais da vida do sujeito - aposto, inclusive, que continua ganhando seus proventos como agente, vai saber.
O absurdo maior é que, já na época das aparições do japonês, ele já respondia a tal acusação, tanto que usava, vejam só, tornozeleira eletrônica. Ou seja, o cara que algemava os medalhões da roubalheira petista e seus cúmplices (não dar tempo do desgoverno atual chegar lá) portava outro objeto preso a parte inferior das pernas. Como ele foi escolhido para ser um dos expoentes fixos de tais operações é algo a se perguntar, assim como saber quem era o superior que o escolheu para tanto. Sempre coloco a divertida interrogação desse fato absurdo - um suspeito de ser bandido prendendo corruptos, um facilitador de contrabando algemando outros desonestos de alto nível, em operações espetaculares que todo o Brasil acompanhou pela telinha. Vá contar isso a um alemão, um inglês, um norte-americano, ou um japonês do Japão. Pensando bem, é melhor não contar.
Outra coisa surreal da nossa nação tupiniquim (a Justiça, no caso) envolve a Susane Richtofen, mentora da morte dos pais em SP (virou recente filme do glorioso cinema nacional), a qual gozava do benefício de sair do presídio no Dia das Mães e dos Pais - e saiu várias vezes, realmente. Agora, segundo sei, está em liberdade, cursando uma faculdade aí, depois de alguns anos de cana. Tais absurdos - o japonês da Federal e a Susane - deveriam se reunidos e fotografados para publicação na capa de alguma revista de humor, já que só o humor e o surrealismo explicam determinadas situações. Quanto ao Tom Jobim (e faz falta, em todos os sentidos), morreu bem antes de ver tais situações, mas deve estar rindo lá no túmulo e repetindo a frase "de cabeça para baixo", "de cabeça pra baixo". (V.M.)
sexta-feira, junho 18, 2021
Os astronautas da Apolo 11 levavam cianureto para se matar
Pouca gente sabe, mas a missão Apolo 11 - aquela que chegou à superfície lunar pela primeira vez, em julho de 1969 - tinha grandes possibilidades de acabar em tragédia. Conforme um memorando encontrado nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos, por ocasião dos 30 anos da conquista da Lua, havia o temor de que os dois astronautas que colocaram os pés no solo do satélite terrestre, Armstrong e Aldrin, não conseguissem mais retornar para a Nave Mãe, que ficou orbitando no espaço, com Collins no comando. Se houvesse algum problema
com o módulo lunar Eagle (Águia), aquele que pousou na Lua com os dois astronautas e, duas horas e meia depois, voltou à nave principal, a ordem da Nasa é para que eles fossem abandonados na superfície lunar. Collins, então, deveria regressar à Terra, sozinho, já que não teria condições de efetuar uma missão de salvamento. Segundo os documentos, os três astronautas sabiam desse risco e estavam preparados para serem "heróis ou mártires".terça-feira, junho 01, 2021
Nem faz tanto tempo assim - foi em 1994 que o sonho da Internet se tornou uma realidade plenamente possível para um jovem que era, então, considerado de certa maneira um "visionário": Bill Gates, um dos donos da Microsoft. O "biliovisionário" - conforme matéria da revista Veja - sonhava com uma rede de computadores "planetária", algo que até então parecia mais próprio dos filmes de ficção científica. A Internet chegaria ao Brasil no ano seguinte, de forma incipiente, e hoje é isso que aí está. Porém, na época, muitos especialistas achavam que Gates "pode estar dando um passo maior do que a perna."
sábado, maio 29, 2021
Abatido, executado, falecido, correndo risco de morte
Tempos atrás, quando alguém era morto a tiros, a imprensa, via de regra, noticiava que o sujeito tinha sido "abatido" - como se fosse boi em matadouro. Hoje é "executado", não muito melhor, mas pelo menos não é abate de animais, embora, como disse o Rogério Magri, ministro do imortal Sarney, cachorro, por exemplo, também seja ser humano. Ainda nesse capítulo, lá pelos anos oitenta, quando surgiram os tais "manuais de redação", ficou banida a palavra "falecido" das páginas dos diários. Os doutos da Folha de S.Paulo - o jornal da moda naquele tempo - decretaram que ninguém mais é falecido e sim "morto". Essa genialidade do léxico continua até hoje na imprensa brasileira, até mesmo nos obituários: ninguém mais falece. "Fulano de tal, morto ontem, aos 118 anos". Caramba. E agora quem não é "morto", geralmente corre "risco de morte", e não "risco de vida", o normal das normalistas. Perguntem ao professor Pasquale o que ele pensa disso.
quarta-feira, maio 19, 2021
domingo, janeiro 24, 2021
terça-feira, novembro 17, 2020
Neste momento em que eclodem rebeliões em penitenciárias de quase todos os Estados brasileiros - com destaque para o que aconteceu no Amazonas, com cerca de 60 mortos - vale a pena lembrar que o sistema prisional brasileiro sempre foi um horror, uma fábrica de criminosos, engrenagem que transforma, de dentro para fora, delinquentes comuns em terríveis assassinos - homens que perdem a humanidade e se bestializam por força do que vivenciam nessas "casos dos horrores". O Rio Grande do Sul nunca foi diferente. A antiga Casa de Correção, na Ponta do Gasômetro, era, na primeira metade do século 20, um dos presídios mais sórdidos do Brasil. Leia abaixo a republicação da matéria saída neste blog em anos anteriores.
*Nas fotos, a imagem da Casa de Correção, à margem do Guaíba, e reproduções do jornal Folha da Tarde, com evidentes exageros. Mais abaixo, reprodução da Revista do Globo e a foto do bandido Vavá, considerado um dos líderes da rebelião e famoso pela sua audácia. O presídio gaúcho já era, então, um dos piores, senão o pior, do Brasil. Em 1951 a Revista do Globo, em extensa reportagem sobre os presos famosos que estavam na Correção, citou o escroque internacional Mike Freemann, que conhecia as cadeias de muitas grandes cidades do mundo: "Antes de vir para cá eu estava convencido que a pior cadeia existente sobre o globo terrestre era a de Addis-Abeba, a capital etíope. Agora no entanto vejo que ela é uma deliciosa colônia de férias comparada à Casa de Correção de Porto Alegre."
Mike Freeman: "A pior cadeia do mundo". |
Pesquisa e Texto: Vitor Minas - Republicação
feitamente o interior do presídio, o que levantava a suspeita de que a pessoa que ateou fogo no terreno pudesse ser comandada à distância pelos detentos, quem sabe através de um jogo de espelhos. Do mesmo modo estes poderiam, das janelas da Casa, avistar a chegada dos caminhões. Outro fato sintomático foi a depredação antecipada da bomba de água do Cadeião.
Major Aragón, o "incendiário" e vigarista, foi assassinado na Casa de Correção (foto da Revista do Globo) |
Bem antes da publicação deste artigo, em janeiro de 1955 - dois meses depois do incêndio - a Revista do Globo dedicou várias páginas à Casa de Correção e à sua longa e sinistra história. Assinada pelo jornalista Tabajara Tajes, relata alguns dos muitos acontecimento ocorridos nas celas e nos porões de "uma das cadeias mais antigas do mundo":
"Tem o casarão, na sua existência de um século, histórias de dor, de sangue e de tristezas, capazes de impressionar quantos ainda se comovam com a sorte dos condenados pela Justiça. Rios de sangue correram nos seus subterrâneos. Suas salas de tortura, em tempo não muito afastado, esconderam cenas tétricas, de homens judiados com requinte selvagem. Presos políticos tiveram unhas arrancadas, membros picados a pontas de cigarros. Caras humanas foram deformadas a socos e pontapés".
O repórter prossegue, descrevendo alguns desses episódios, como o da Cela 16, e os locais chamados de "democrata" e "republicano". "A cela 16, há poucos anos, abrigava a escória do presídio. A ser deposto um governador, o chefe de policia mandou trancafiar ali um parente do mesmo, delegado de uma cidade do interior. Um malfeitor, que fora mandado prender por essa autoridade, cumpria naquela cela a sua pena. E na sua primeira noite de presídio, quando o silêncio invadira o casarão, vultos fugitivos arrastaram-se até ao beliche onde dormia o novo hóspede do cubículo. Mãos fortes taparam-lhe a boca com um pano. Durante longas horas serviu de pasto aos instintos bestiais do condenado que jurara vingança. No dia seguinte, em prantos, jogou-se aos pés do guarda carcerário, pedindo-lhe pelo amor dos filhos que não o deixasse mais ali. Que o matasse. Não lhe haviam valido os cabelos brancos e nem a personalidade forte. (...)
"No Republicano, buraco feito de cela, escavado abaixo do nível do Guaíba, foi trancafiado um preso que matara um companheiro de cela. Sua reclusão foi adotada mais em razão da própria segurança do que mesmo de castigo. O preso morto era donzela de vários presidiários. No trajeto, por um desentendimento qualquer, o condenado esbofeteou um guarda. E no dia seguinte, sem que nem presos nem vigilantes vissem nada, o infeliz amanheceu virado num autêntico paliteiro. Oitenta e seis punhaladas marcavam a vingança daquelas feras humanas. Nunca se explicou como detentos puderam abrir celas, portas de corredor e várias grades intermediárias para terminarem estourando o forte cadeado do Republicano."
(...) "Noutra cela, Guaiaca, presidiário de bom comportamento, e até com indícios de debilidade mental, foi morto aos pouquinhos num torniquete feito de lençóis. Numa ponta um pau extraído de um dos dos beliches e na outra um tamanco. presos amotinados, que o haviam apanhado como refém, foram torcendo, torcendo, até estrangulá-lo. No cubículo ao lado o imundo comércio de presos menores determinou o assassinato de "Sete...", que levava a alcunha pelo número de presos que violentou numa só noite."
(...) "Na Enfermaria, onde quase uma centena de tuberculosos escarram os pulmões, um pretinho apareceu enforcado nas grades da porta. Aparentemente cometera suicidio. Necrópsia posterior apurou o estupro bestial que sofrera, provavelmente na hora da agonia. Na famigerada Sétima Enfermaria , ao lado do "Reizinho", sem dúvida o maior arrombador de cofres do Brasil, minado pela tísica, vivia o "Sarará do Galo", vingando-se da reclusão com escarros na cara dos guardas e de quantos dele se aproximassem.
"Escola de crimes, do interior da cadeia saíam gatunos aperfeiçoados na arte de roubar e de matar. Cidadão decente que uma briga inevitável levasse ás suas celas, de lá saía acabrunhado, sem honra e sem dignidade, descrente dos homens, descrente da Justiça."
(...) "Depois que administrar presídio se tornou cargo de afilhados políticos, a situação piorou ainda mais na Casa de Correção. (...) Com os dirigentes sucediam-se as portarias. Golpes de pena destruíam o que os outros haviam construído. A política carcerária caiu para níveis baixíssimos. Havia presos gozando de regalias inexplicáveis.
CONSTRUÍDO PELOS ESCRAVOS
sábado, outubro 17, 2020
Escuto rádio e gosto, mas não sou nada fã dos profissionais do microfone, os "radialistas", e nem é preconceito. É conceito mesmo. É um pessoal vaidoso, presunçoso, sem motivos (ganham mal) e que alguém já resumiu assim: cultura de superfície em boca de aluguel. Excluo todo o setor técnico e os repórteres, mas os que dão "opiniões" (com algumas exceções, como a do falecido Boechat e do Cláudio Zaidan) são de doer. Com a cultura de massa, se tornaram celebridades. Infelizmente, têm tempo demais para encher linguiça e dá no que dá. Se metem em tudo, as almas pigmeias. Aí lembro de um dos meus poetas prediletos, Augusto dos Anjos, quando fala em "almas pigmeias", em "toscas caixas cranianas", na "ambiência microbiana da baixeza" e, sobretudo, nas "línguas hidrófobas". Poderia acrescentar, da sua lavra, "o homem, engrenagem de vísceras vulgares" ou, mais radicalmente, como solução, "a utilidade fúnebre da corda". Hoje é um dia de sol em POA, estou bem humorado e não vou me reduzir "à herança miserável dos micróbios". Talvez eu seja uma flor "queimada pelo mormaço do sol da vida", ou: "profundissimamente hipocrondríaco, este ambiente me causa repugnância, sobe-me à boca uma ânsia análoga à ansia que escapa da boca de um cardíaco". Gênio, o Augusto dos Anjos, e morreu com apenas 30 anos.
segunda-feira, setembro 21, 2020
Pedro Simon e o meu primeiro voto
Há questão de uns dois anos, naquele período entre o Natal e o Reveion, caminhando pela avenida Protásio Alves, aqui em Porto Alegre, cruzei com Pedro Simon, que vinha em sentido contrário - do lado ao antigo cinema Ritz (foi lá que vi a Laranja Mecânica, quando do seu lançamento, com bolinhas e tudo) para a loja Salém, onde, em cima, tem residência, ao lado da igreja de São Sebastião. Vinha de cabeça baixa, com as mãos nos bolsos, elegantemente vestido e com a seriedade meditativa da sua idade. Afinal, completou 90 anos em janeiro. Eu nem sequer imagino o que seja isso. Fisicamente me pareceu em excelente forma e lhe daria tranquilamente uns 15 ou 20 anos a menos. Lembrei então dele, quando o vi pela primeira vez em pessoa, em comício no salão paroquial da pequenina cidade de Santo Augusto, a 450 quilômetros de Porto Alegre, naquela campanha eleitoral de 1974. Na ocasião o MDB aplicou uma surra na Arena, vencendo as eleições em 16 Estados brasileiros - não havia voto direto para governador neste período autoritário.- Eu tinha 13 anos e fui lá especialmente para vê-lo. Decepcionei-me, à primeira vista, com a sua estatura física - tão baixinho, ainda mais do que eu, quase insignificante. Mas, meus amigos, quando o homem começou a falar foi como se uma onda magnética atravessasse a multidão. À oratória candente se combinavam os gestos e uma fúria de pastor evangélico, de Antonio Conselheiro no sertão de Canudos. Em 1982 viajei oito horas de ônibus especialmente para votar em Simon, nas primeiras diretas para governador. Foi o meu primeiro voto, aos 21 anos. Ele era o franco-favorito, o cavalo mais cotado do páreo, e se dava quase certa, até pelo governo militar, a sua eleição. Mas perdeu na contagem final, dizem, por fraude, já que havia reconhecido a derrota antes da hora e propiciou uma roubalheira enorme nas urnas - os fiscais do MDB, todos, abandonaram seus postos. Não foi isso a causa, porém, e sim os votos que Collares lhe tirou, dividindo a oposição. Depois candidatou-se de novo, foi eleito e fez um governo bem meia-boca. Na verdade, era um grande tribuno e não um homem para o executivo.
- Pedro Simon tem agora 90 outonos nas costas e está fora do mundo político. Na rua, passou por mim calado e elegante, uma longa história política em um corpo franzino. Um democrata, a experiência e a eloquência em pessoa, um símbolo de um Brasil que, quando a gente pensa, nem sabe mais o que pensar. Quanto ao menino de 13 anos, esse agora só existe na casca do ovo.
sábado, setembro 19, 2020
O misterioso e inesquecível incêndio do Colégio Júlio de Castilhos, o Julinho
Os estrangeiros e a falta de salada
Os estrangeiros - europeus, principalmente - que chegam ao Brasil reclamam de um item alimentar que, segundo eles, falta a nossa mesa, as saladas. De fato, isso pode ser constatado por qualquer um, inclusive pelos próprios nativos, desde que sejam do Sul, principalmente do Rio Grande, onde a variedade e a quantidade de saladas é abundante em qualquer restaurante de comida a quilo ou se self service. Sempre que viajava - hoje dou voltas em redor de minha cama e faço incursões até o supermercado - sentia falta das saladas e lamentava, até me irritava, com a pobreza da oferta. Vinham algumas rodelas de tomate, às vezes verde, e o restante, no mais, era pura comida de panela. Quando se pedia a saladas, os atendentes se espantavam, uma vez que lhes parecia natural comer aquelas coisinhas como se fossem, digamos, guarnições. Uma pesquisa revelou que o brasileiro, de um modo geral, come poucas saladas, porém os estrangeiros que reclamam disso são aqueles que não vêm ao Sul e ficam lá pelo Rio ou pelo Nordeste. Ou seja, a esmagadora maioria. Querem saladas, gringos, e venham ao Sul ou à região colonial italiana e verão o que é bom e como o Brasil é diferente. No mais, gringada, não se queixem e ao menos procurem adotar outro hábito tupiniquim, vigente de norte a sul e tão raro no hemisfério norte: tomar banho todo dia e escovar os dentes depois das refeições.