Das profissões, ou atividades, que se extinguiram, uma das que mais me chamam a atenção pela ausência é a exercida pelo velho, bom e chato vendedor de enciclopédias, muito presente na minha infância e adolescência no interior. Com a Internet e com as facilidades da vida de hoje, ele simplesmente sumiu - se existe, nunca mais o vi em lugar algum.
O vendedor de enciclopédias batia na porta das casas das famílias, ia no serviço da gente, ou nos pegava pelo braço na rua, apregoando as vantagens de se possuir aquele produto. Se o cara era estudante, ótimo, nada mais necessário que aqueles livros grossos e respeitáveis, "tem de tudo aqui", "é uma maravilha" etc etc. Se o cara era pai de estudante, aí sim é que deveria comprar para os filhos no colégio, para "pesquisa". Dentre as enciclopédias mais vendidas, estava a Barsa, a Mirador e a Delta Larousse, todas elas boas até hoje.
Pois esse ilustre profissional - que não largava do pé do sujeito enquanto não comprasse o seu produto (e era algo caro, que poderia ser financiado a prestações e que representava um investimento oneroso para a maioria das famílias) - desapareceu, como disse, assim como desapareceu o vendedor de bilhetes de loteria.
O vendedor de bilhetes de loteria geralmente fazia ponto nas rodoviárias do interior, e era um tipo inconfundível. Óbvio, não entendia de nada do que vendia, mas que chutava, chutava. Também percorria o comércio, os bares e especialmente as barbearias - tradicional ponto de se fazer uma fezinha. Hoje, com tudo modernoso e automatizado, o vendedor de bilhetes lotéricas (federal, estadual) - quase sempre um sujeito de certa idade, aposentado ou encostado - faz parte da história medieval. Muitos pais de família, se não sustentaram os lares, pelo menos deram uma boa melhorada na sua renda familiar exercendo essa tarefa.
Outro que foi para as cucuias é o engraxate - na maioria dos casos garotos pobres, das vilas, que faziam ou ganhavam uma caixa de madeira e saíam pelas ruas e pelo comércio para dar um belo lustro em um outro produto que, hoje, perdeu grande parte do seu espaço - o sapato. Restaram alguns, ainda, a maioria com ponto determinado, em praças, no centro das cidades. Porém, como profissão - ou ofício - a categoria pode ser considerada extinta.
Extinto mesmo, no entanto, é o velho linotipista de jornal e de gráficas. Esse sim está morto.
Lembro do primeiro jornalzinho em que eu trabalhei, no interior, em uma cidadezinha que não teria nem cinco mil habitantes na metade dos anos setenta. Chamava-se Atualidade, e ainda existe. Era um semanário municipal, o típico jornalzinho da cidade, feio, desengonçado, mas que muitos assinavam, por ser "o nosso jornalzinho" (era bem essa a expressão que eles usavam: "Colaborar com o nosso jornalzinho"). Composto a linotipo, tinha um sujeito que não recordo o nome, um alemão forte e que trabalhava quase sempre sem camisa, compondo as matérias naquela máquina imensa, preta, pesadíssima e resfolegante, a qual me fascinava observar.
A linotipo era pré-histórica - assim como, para muitas pessoas com vinte e poucos anos (adultos formados, portanto, e não crianças), é, hoje, a máquina de escrever.
Tive muitas, e mantive uma relação quase carnal, quase sexual, com todas elas. O legal da máquina de escrever era o carinho com que nos relacionávamos. Um bicho que nos sujava a mão com a tinta da fita, que as teclas acavalavam, que estragava frequentemente, e que por isso mesmo, por ser meio humano, era tão próximo de nós, os escribas e os escrivinhadores.
Com o computador de hoje é diferente: é uma coisa amorfa, sem vida, sem alma, sem personalidade, um conjunto de peças e chips eletrônicas que não nos inspiram nada. É como se fossem garotas de programa com quem fazemos sexo pago, e depois pagamos e saímos fora, sem sequer perguntar o nome. Simplesmente jogamos fora ou trocamos por outro, sem problemas, sem dilemas de consciência. Já a máquina de escrever - para quem era do ramo - era a namorada, a verdadeira namorada.
Ainda hoje, quando por acaso vejo uma delas (o que é raro), fico meio nostálgico e tocado por babaquices do passado. Lembro das minhas Olivetti (as preferidas) portáteis e da Lettera 32. Onde andarão elas? Terão morrido no ferro velho? Terão sido exportadas para a África? E recordo também dos velhos textos em papel, das folhas brancas, das laudas, das anotações que fazia, das folhas que amassava e jogava na cesta de lixo, das noites de trabalho, de café, de olhos vermelhos.
Ouvi dizer que os decoradores de hoje indicam máquinas de escrever como acessórios chiques e de bom gosto para as residências, um item que "valoriza" o ambiente. Bom, quanto a isso não restam dúvidas: máquinas de escrever, câmeras fotográficas e armas antigas estão entre os objetos de mais belo desenho que o homem produziu, na minha nada modesta opinião.(Vitor Minas)