Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
sábado, fevereiro 08, 2014
sexta-feira, fevereiro 07, 2014
Um incêndio que nunca foi devidamente explicado, o do colégio Julio de Castilhos, o Julinho, em 1951
Pesquisa e Texto: Vitor Minas
Talvez hoje, em meio a tantos fatos ruins e à indiferença geral, a destruição de um grande colégio público não causasse comoção a Porto Alegre. Porém no início dos anos cinquenta o ocorrido com o Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o “Julinho”, consternou verdadeiramente os habitantes da Capital, zelosa dos seus valores e orgulhosa do alto padrão educacional de um estabelecimento modelo que simbolizava o que então o Rio Grande do Sul tinha de melhor: o seu mais avançado padrão civilizatório frente aos demais Estados e o genuíno orgulho que isso trazia ao povo gaúcho. Público e gratuito, com um ensino considerado de excelência, o colégio dava acesso direto ao terceiro grau e nele estudaram, entre tantos, nomes que depois de tornaram famosos ou notórios em muitas áreas, incluindo Leonel Brizola, Paulo Brossard, Paixão Cortes e Barbosa Lessa – uma elite intelectual e pensante vinda democraticamente das muitas camadas da sociedade gaúcha. Foi também no Julinho, em 1948, que iniciou o Movimento Tradicionalista Gaúcho, embrião dos milhares de CTGs que se espalham pelo mundo.
O incêndio foi marcado pela forte suspeita – na verdade, uma certeza – de ter sido um ato intencional e premeditado, “praticado por mãos criminosas”, como disse o Correio do Povo, ou por um “piromaníaco insano”, um “perigoso tarado que vê seus instintos doentios despertar em determinadas épocas do ano”, conforme escreveu o Diário de Notícias. Era, desde 1947, o quinto grande prédio público (incluindo aí a Cooperativa dos Funcionários Públicos) a queimar de forma semelhante. Em nenhum deles o inquérito policial apontou a autoria e muito menos se estabeleceu uma ligação direta entre os fatos.
A destruição daquela que era considerada a unidade de ensino mais avançada e democrática em todo o Estado aconteceu na primeira hora da madrugada de 16 de novembro de 1951, sexta-feira, ao final do feriado da Proclamação da República, uma noite ventosa na cidade que ainda mal se recuperara do renhido combate eleitoral, no dia primeiro, entre Leonel Brizola (PTB) e Ildo Meneghetti (PSD) para o cargo de prefeito municipal – Meneghetti virou o placar e venceu ao final com diferença de apenas mil votos. Os dois, aliás, engenheiros formados pela Escola de Engenharia e ligados à história do Julinho (Brizola estudou nele). Curiosamente, naqueles dias uma greve geral mobilizava os estudantes universitários de todo o Brasil. Radicalmente politizado, o efervescente Julinho repercutia internamente isso tudo.
Também naquele início do ano de 1951 os alunos haviam deflagrado uma greve pedindo o cancelamento da decisão de separar os rapazes das moças – um prédio da Rua Doutor Flores já teria sido alugado para abrigar as alunas, relatou o radialista, ex-vereador e então aluno Lauro Hagemann em depoimento para o livro “Julinho: Cem Anos de História”, organizado pelos professores Paulo Ledur e Otávio Rojas Lima (Editora AGE) no ano de 2000.
Motivos ou pretextos à parte, o certo é que em poucas horas a imponente construção, inaugurada em 1908 na Avenida João Pessoa, defronte à Escola de Engenharia, ao qual era ligada, e à vizinha Faculdade de Direito, veio abaixo devido à espantosa rapidez das chamas. Os prejuízos, porém, eram ainda bem maiores para toda a cultura do Rio Grande do Sul, já que da biblioteca – com valiosíssimos e raros volumes de livros dos séculos XVIII e XIX – também nada havia restado. O mesmo aconteceu com o museu, um dos mais completos do Rio Grande.
Dias depois o jornalista Wilson Müller, 22 anos, ex-aluno da instituição, publicou no Diário de Notícias uma crônica em que lamenta “o que nunca imagináramos pudesse acontecer”: “(...) Quem não conheceu o Julinho? Naquele casarão velho da João Pessoa formou-se a consciência democrática de milhares de gaúchos. A alma farroupilha vibrou dentro do Colégio Júlio de Castilhos, desde 51 anos passados, quando, no ofuscar do século passado e no dealbar do presente, levantou-se o nosso colégio como a barreira invencível do espírito indomável do estudante gaúcho. Quem por ali passou jamais o esquecerá. Quem viveu algum tempo no “Julinho” sempre dirá, com um orgulho que só nós podemos ter: “Eu estudei no Julinho”. Basta isso para endossar a vida estudantil de um homem. Assembleias barulhentas e tumultuosas. Greves contra os professores. Abaixo-assinados de protesto contra esta ou aquela medida. Discussões intermináveis sobre a teoria do conhecimento e sobre a quarta dimensão. Passeatas de regozijo e de protesto. Exames orais e escritos feitos sem conhecimento da matéria. “Colas” e provas anuladas. Colóquios amorosos nos corredores, às escondidas dos professores e perto dos professores. Fim do curso e uma sincera homenagem aos que nos guiaram lá dentro. Um vestibular. A faculdade. Um agradecimento eterno. Lodeiro, Melo, Marieta, Tristão, Abílio, Ripol, Ataualpa, Zilá, Damasceno, Morais, Orlando, Paixão e o Machadinho são nomes que ligaram nossa mocidade à vida futura e são a garantia do patrimônio moral do Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Adeus, Julinho...”
SINISTRO ANUNCIADO – Na realidade sabia-se que, mais cedo ou mais tarde, o colégio pegaria fogo – só não se poderia precisar em que circunstâncias isso ocorreria. Uma simples questão de tempo e de oportunidade.
Com efeito, por diferentes vezes o Julinho esteve às voltas com malogradas tentativas de incêndio, a última das quais na quarta-feira, 14. À noite, nessa data, uma das serventes encontrou quebrados os vidros da porta da secretaria, situada ao lado do prédio principal. Dentro, jogado no chão, estava um pano embebido em gasolina que só não pegara fogo devido à forte umidade decorrente das chuvas caídas no dia anterior.
Ciente do perigo que rondava a instituição, o diretor José Lodeiro solicitou policiamento às autoridades estaduais, algo que deu muito a falar nos dias seguintes: a Polícia Civil, em nota emitida por seu chefe-geral, Germano Sperb, confirmou que recebera o pedido e havia designado um guarda-civil para o policiamento do local, mas que este, dias antes, havia sido dispensado da tarefa pela direção, embora estivesse presente na noite do incêndio – tanto que teria sido o primeiro a comunicar o fato a policia e aos bombeiros. Lodeiro, por sua vez, desmentiu categoricamente tal afirmação, garantindo que, por sua própria conta, o vigilante deixara de comparecer ao serviço, fazendo com que ele, Lodeiro, costumasse vistoriar o colégio antes de dormir – o diretor residia nas proximidades. O Grêmio Estudantil, por sua vez, saiu oficialmente em apoio à direção e acusou a polícia de “ter colaborado positivamente com o incêndio”, conforme nota assinada pelo presidente do Grêmio, Onofre Quadros. Também o resultado do trabalho da perícia foi diferente da versão de muitas testemunhas e até mesmo dos bombeiros. Para os primeiros, o sinistro poderia ser, quem sabe, ocasional, enquanto direção e estudantes batiam-se pela tese única da intencionalidade – certamente a mais plausível. O certo é que a chave-geral da energia elétrica havia sido desligada durante o feriado, dia em que o prédio estava deserto, e isso afastava a possibilidade de um curto-circuito interno.
Segundo testemunhas, o fogo foi avistado das ruas e residências vizinhas à meia-noite de quinta-feira ou aos quinze minutos da madrugada de sexta-feira, quando as chamas já tomavam conta do telhado, espalhando-se com incrível rapidez em virtude dos ventos que sopravam. As mesmas pessoas afirmaram ter visto três focos na cumeeira – nas extremidades e no meio da cobertura, onde se elevava a bela cúpula central. Mais tarde, em depoimentos aos jornais, alguns estudantes (dentre os primeiros a ver as chamas) negaram que isso fosse verdadeiro e asseguraram ter visto apenas um único foco. Em um “espetáculo contristador”, os repórteres anotaram que as folhas de zinco que cobriam as cúpulas “desprendiam-se em brasa sobre a cerca de grades de ferro pontiagudas.”
Durante quatro horas cerca de 50 bombeiros vindos principalmente da estação da Avenida Júlio de Castilhos enfrentaram algumas dificuldades operacionais, já que o hidrante mais próximo mostrou-se dotado de pouca vazão de água e foi suprido pelos demais instalados na avenida, defronte ao necrotério e também na esquina da Rua Avaí. Quatro veículos da corporação foram posicionados nas imediações enquanto uma grande multidão, vinda de várias partes do centro, se comprimia em volta a fim de presenciar aquele momento histórico. Grossos rolos de fumaça chamavam a atenção dos transeuntes que passavam pela Avenida João Pessoa, nas proximidades da antiga Praça do Portão. Chefiando a operação de combate às chamas estava o oficial-aspirante Jesus Linares Guimarães – anos mais tarde comandante geral da Brigada Militar e participante das ações do edifício Renner em 1976.
Depois de muitos esforços os bombeiros conseguiram isolar o local e evitar a propagação do fogo para a Escola de Engenharia – que teve apenas duas janelas atingidas. Linares disse ter estranhado a celeridade com que as chamas se espalharam por todo o segundo pavimento, mas deu graças pelo fato de um dos seus soldados ter escapado por pouco do desabamento de um dos tetos – se atingido, seria morte certa.
Ao término de tudo dezessete salas de aula, mais a biblioteca e o museu, haviam se transformado em cinzas fumegantes. Por sorte quinze valiosos aparelhos de microscópio e outros de física, emprestados dias antes à Faculdade de Filosofia, escaparam ao cômputo dos prejuízos gerais, calculados em cerca de 10 milhões de cruzeiros. No dia seguinte, entre tantos curiosos ilustres, visitaram o local o governador Ernesto Dorneles, o secretário da Educação, Júlio Marino de Carvalho, o professor Mabilde Ripoll, superintendente do ensino secundário, e o reitor da Universidade do Rio Grande do Sul, professor Alexandre Martins da Rosa. O governador prometeu a imediata construção de um novo prédio para o Julinho (que já fazia parte dos planos), desta vez localizado na Praça Piratini, também na João pessoa. Enquanto isso as aulas passariam para o prédio do Arquivo Histórico do Estado, na Rua Riachuelo.
Felizmente ninguém morreu ou saiu seriamente ferido em consequência do incêndio do Julinho naquela noite-madrugada de quinta para sexta-feira. Porém uma semana depois, no início da tarde de 26 de novembro, segunda-feira, o operário Antonio José Nascimento, 27 anos, branco, casado e residente no Passo da Cavalhada, na Capital, pisou em falso quando trabalhava na demolição do primeiro andar. Ele caiu de uma altura de cinco metros e morreu no Hospital de Pronto Socorro, minutos depois.
quinta-feira, fevereiro 06, 2014
Denúncia: rapaz é acorrentado só porque estava roubando!
Hoje de manhã liguei a tevê no noticiário da Globo, aquele das sete e meia, e me deparei com uma notícia curta que disse muito - e que comprova mais uma vez que o politicamente correto, se é que assim se pode chamar, ou a ingenuidade, ou a estupidez, ou sei lá o que for - está invertendo tudo e beirando até mesmo o absurdo e o patético.
Acredito que tal notícia, de não mais do que trinta segundos, nos meus cálculos, tenha chamado não somente a minha atenção como a de qualquer outro que se toque sobre o que é o jornalismo, digo não-jornalismo atual.
Vamos ao registro: a apresentadora informou, em tom de "denúncia", o acontecido com um rapaz que foi acorrentado a um hidrante ou coisa assim, na calçada de uma rua do Rio de Janeiro (creio que é o Rio, mas isso não importa), e deixado lá por algum tempo - o suficiente para chegar uma equipe de tevê. Pois o rapaz - o único entrevistado nessa história - disse, em tom de revolta e compungida lamúria, olhando fixamente para a câmera, que o grupo o abordou e o acusou de estar roubando os pedestres e os moradores, em companhia de mais dois ou três. Em seguida, eles, os bestiais agressores, saíram à cata dos ladrões, deixando o rapaz ali, preso e humilhado. Não o espancaram, não o maltrataram - apenas o prenderam, na rua e publicamente. Também não conseguiram achar e prender os demais.
Absurdo, dirão vocês. Atentado aos direitos humanos. Sociedade atingindo as raias da insanidade em seus níveis de violência e insensibilidade. Imprensa cumprindo o seu dever, noticiando as arbitrariedades e a violação dos direitos humanos nas grandes cidades brasileiras.
De fato, poderia muito bem ser tudo isso e mais um pouco, o que justificaria soberbamente a matéria e mostraria que a caluniada e incompreendida imprensa está cumprindo o seu nobre papel de defender o indefeso e humilhado cidadão brasileiro no seu duro cotidiano e denunciando os desmandos daqueles que se metem a "justiceiros".
Poderia, mas infelizmente não era. Não era por um simples e ululante motivo - motivo que estava na última linha da matéria, lida pela bela apresentadora e que dizia apenas e tão-somente o seguinte: o rapaz acorrentado no hidrante ou no muro tinha - vejam só - três passagens pela polícia, as três por roubo!...
Caramba, não entendi nada mesmo, e nem nunca vou entender, nem que se passem mil longos anos: a poderosa e justiçosa imprensa televisiva tupiniquim denuncia que esse pobre coitadinho, esse rapaz de bem, gente boa, subitamente acorrentado apenas porque estava roubando pessoas nas ruas da cidade, foi desrespeitado em seus direitos humanos por um grupo de brucutus! Onde estão os direitos humanos? Onde está a justiça?
Cáspite.Uma matéria dessas deveria ser inscrita em algum concurso de reportagens, deveria até mesmo servir de modelo de idealismo e competência profissional aos jovens estudantes de jornalismo das PUC da vida. Vejam só: um inocente rapaz, com três passagens pela polícia por roubo à mão armada, perde a liberdade e é vítima de arbitrariedades nas ruas do Rio!
Talvez a matéria não ganhasse o Prêmio Esso mas que receberia uma menção honrosa eu não tenho nenhuma dúvida. (Vitor Minas)_
Acredito que tal notícia, de não mais do que trinta segundos, nos meus cálculos, tenha chamado não somente a minha atenção como a de qualquer outro que se toque sobre o que é o jornalismo, digo não-jornalismo atual.
Vamos ao registro: a apresentadora informou, em tom de "denúncia", o acontecido com um rapaz que foi acorrentado a um hidrante ou coisa assim, na calçada de uma rua do Rio de Janeiro (creio que é o Rio, mas isso não importa), e deixado lá por algum tempo - o suficiente para chegar uma equipe de tevê. Pois o rapaz - o único entrevistado nessa história - disse, em tom de revolta e compungida lamúria, olhando fixamente para a câmera, que o grupo o abordou e o acusou de estar roubando os pedestres e os moradores, em companhia de mais dois ou três. Em seguida, eles, os bestiais agressores, saíram à cata dos ladrões, deixando o rapaz ali, preso e humilhado. Não o espancaram, não o maltrataram - apenas o prenderam, na rua e publicamente. Também não conseguiram achar e prender os demais.
Absurdo, dirão vocês. Atentado aos direitos humanos. Sociedade atingindo as raias da insanidade em seus níveis de violência e insensibilidade. Imprensa cumprindo o seu dever, noticiando as arbitrariedades e a violação dos direitos humanos nas grandes cidades brasileiras.
De fato, poderia muito bem ser tudo isso e mais um pouco, o que justificaria soberbamente a matéria e mostraria que a caluniada e incompreendida imprensa está cumprindo o seu nobre papel de defender o indefeso e humilhado cidadão brasileiro no seu duro cotidiano e denunciando os desmandos daqueles que se metem a "justiceiros".
Poderia, mas infelizmente não era. Não era por um simples e ululante motivo - motivo que estava na última linha da matéria, lida pela bela apresentadora e que dizia apenas e tão-somente o seguinte: o rapaz acorrentado no hidrante ou no muro tinha - vejam só - três passagens pela polícia, as três por roubo!...
Caramba, não entendi nada mesmo, e nem nunca vou entender, nem que se passem mil longos anos: a poderosa e justiçosa imprensa televisiva tupiniquim denuncia que esse pobre coitadinho, esse rapaz de bem, gente boa, subitamente acorrentado apenas porque estava roubando pessoas nas ruas da cidade, foi desrespeitado em seus direitos humanos por um grupo de brucutus! Onde estão os direitos humanos? Onde está a justiça?
Cáspite.Uma matéria dessas deveria ser inscrita em algum concurso de reportagens, deveria até mesmo servir de modelo de idealismo e competência profissional aos jovens estudantes de jornalismo das PUC da vida. Vejam só: um inocente rapaz, com três passagens pela polícia por roubo à mão armada, perde a liberdade e é vítima de arbitrariedades nas ruas do Rio!
Talvez a matéria não ganhasse o Prêmio Esso mas que receberia uma menção honrosa eu não tenho nenhuma dúvida. (Vitor Minas)_
quarta-feira, fevereiro 05, 2014
Grêmio, tetracampeão gaúcho em 1965
Em 1965 - bem no finalzinho do ano - o Grêmio Porto-alegrense, no Olímpico "monumental", conquistava o seu quarto título gaúcho seguido, seguindo assim até 1968, quando foi hepta, este um título então inédito no Rio Grande do Sul. No início de 1966, em plena era do iê-iê-iê, o tricolor gaúcho tinha a formação que aparece neste poster da Revista do Globo, de Porto Alegre, e que incluía Alcides, Ortunho, Airton, Paulo Lumumba, Esquerdinha, entre outros, além do técnico Carlos Froner, que depois seria também campeão comandando o Flamengo do Rio.
terça-feira, fevereiro 04, 2014
Dominique-nique-nique, em 1966, seria "espécie de freira leiga" dos católicos da Bélgica
Jeanine não lucrou um tostão com o grande sucesso |
No Brasil a música Dominique foi gravada pela cantora Giani, em 1964. Giani ainda vive e trabalha no ramo de cosméticos.
Alvorada, na Grande Porto Alegre, não tem um único telefone para se comunicar com o mundo
Em 1966 - e nem faz tanto tempo assim... - o município de Alvorada, vejam só, não tinha um único telefone em todo o seu território. Recém emancipado de Viamão, pequena cidade-dormitório na época, a hoje populosa e importante cidade da Grande Porto Alegre vivia, por assim dizer, quase na Idade da Pedra em muitos aspectos, conforme se lê nesta nota publicada no jornal Correio do Povo de outubro de 66, ano agitado em todo o Brasil. Nem um único telefone!
Bom, estamos ficando velhos mesmo. Apesar do iê-i~e-iê, dos Beatles, do Roberto Carlos e de tantas coisas que ainda hoje existem, já se passou quase meio século, caramba! Porto Alegre tinha uns 800 mil habitantes e ainda andava de DKW e fusquinha... (V.M.)
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
Sessenta anos atrás, em 1954, o centro de Porto Alegre pegou fogo para acabar com a "Casa dos Horrores"
Pesquisa e Texto: Vitor Minas
Um “plano diabólico” para a fuga em massa de
mais de mil detentos, “celerados da pior espécie” – assim os jornais resumiram
um dos fatos mais marcantes na história de Porto Alegre, o incêndio na Casa de
Correção, o “horrendo cadeião da Ponta do Gasômetro”, a “casa do inferno”, a
“casa dos horrores”, o “tétrico casarão”, ocorrido três meses depois do
quebra-quebra pela morte de Getúlio Vargas e mais um episódio no capítulo dos
grandes sinistros em prédios públicos registrados na década de cinquenta na
capital gaúcha.
Era o dia 28, último domingo do mês de
novembro de 1954, nem haviam transcorridas duas semanas da eleição de Ildo
Meneghetti como novo governador rio-grandense e dois meses da inauguração
oficial do Estádio Olímpico quando o complexo prisional às margens do Guaíba ardeu
em chamas durante quase 20 horas, expelindo rolos de fumaça que podiam ser
avistados dos quatro cantos da cidade. Cidade que temeu seriamente pela própria
sorte: caso tal tentativa de fuga tivesse dado certo as consequências seriam
imprevisíveis para os seus 500 mil habitantes.
Tudo começou às 18h30min, logo após o
encerramento do horário das visitas na rebatizada “Penitenciária Industrial”,
já então considerada uma das piores do Brasil, uma “masmorra medieval” com capacidade
para 300 presos, porém superlotada por mais de mil.
O fogo irrompeu na cela 72, no segundo
andar, na parte dos fundos da construção, e se propagou com uma rapidez
incrível, atingindo também a padaria e a tipografia – até porque tudo havia
sido planejado por um grupo de presidiários, os quais praticamente controlavam
o funcionamento interno da instituição, tal como hoje dividida em facções
criminosas. Desde o mês de agosto daquele ano nada menos do que três princípios
de incêndios e de motins já haviam ocorrido ali e a deflagração e outro parecia
simples questão de tempo. No dia anterior os agentes penitenciários haviam
encontrado no forro de uma das celas um colchão, um monte de palhas e oito
litros de gasolina. O clima entre os detentos era, mais do que nunca, de extraordinária
tensão – os nervos estavam à flor da pele.
No entardecer daquele domingo, encerrado o
horário de visitas, depois da conferência, um grupo recusou-se a voltar às
celas – prenunciando o que viria a seguir, eles só concordaram com isto sob a promessa
dos agentes de que estas permaneceriam abertas. Com o início repentino das
chamas outro agrupamento passou a percorrer as demais celas: armados de facas,
facões, adagas e porretes, obrigaram os outros detentos a também incendiar tudo.
Em seguida, em “estrondo”, todos começaram a
correr pelos corredores em direção à parte térrea e ao portão, forçando a saída.
Segundo a direção, havia 1.093 apenados no local, contra não mais do que 40
brigadianos e agentes penitenciários para contê-los. Os bombeiros chegaram em poucos
minutos, vindos da estação central, na Praça Rui Barbosa, enquanto homens da
brigada e um grupo de socorro da Guarda Municipal (ex-polícia de choque),
comandados pelo delegado José Henrique Mariante, detinham os revoltosos a
golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo, a muito custo impedindo que
chegassem à rouparia: se isso acontecesse eles teriam acesso a roupas civis e
poderiam se misturar até mesmo às autoridades e fugir às ruas.
Estabeleceu-se no pátio um “cinturão” de
segurança, com duas linhas de praças da Brigada armados com fuzis-metralhadoras
e soldados com baionetas caladas, que “calçavam” e imobilizavam os presos
contra as paredes. Nesse trabalho destacou-se o tenente Cantalício Camargo,
comandante do destacamento local. Com poucos recursos, e dando apenas três
rajadas de metralhadora para o alto, ele e seus homens enfrentaram a maré humana
de mais de 500 presos, conseguindo fazer – oficialmente sem vítimas fatais –
que recuassem.
A raivosa determinação de destruir de vez o
velho cadeião, queimando-o inteiramente, e a certeza de que o plano havia sido
elaborado com a participação de gente de fora das grades, fora, evidenciadas
pelo fato de que, no mesmo instante em que as chamas se propagavam às margens
do Guaíba, os bombeiros haviam se deslocado para combater outra ocorrência em
um matagal do morro de Teresópolis, adiante do final da linha dos bondes. Segundo
os repórteres, de lá divisava-se perfeitamente o interior do presídio, o que
levantava a suspeita de que a pessoa que ateou fogo no terreno pudesse ser
comandada à distância pelos detentos, quem sabe através de um jogo de espelhos.
Do mesmo modo estes poderiam, das janelas da Casa, avistar a chegada dos
caminhões. Outro fato sintomático foi a depredação antecipada da bomba de água
do Cadeião.
PÂNICO NA CIDADE – A possibilidade de que cerca de mil homens conseguissem
fugir e se espalhassem pelas ruas da cidade, tomando a população de refém, a
visão dos rolos de fumaça, o cair da noite, bem como a péssima fama da
instituição prisional, a promiscuidade, o histórico de fugas e os fatos bárbaros
que lá ocorriam geraram um evidente clima de medo entre os moradores da capital,
os quais, naquele entardecer de domingo, encerravam o seu pacato e modorrento final
de semana.
Falava-se inicialmente em muitos mortos e
em sangrentas cenas de ajuste de contas entre os próprios presos, com inúmeros
esfaqueamentos e até degolas. Um preso disse aos repórteres tem visto uma
cabeça jogada dentro de um vaso sanitário. Todavia, pelas versões oficiais, não
só nenhum sentenciado teria conseguido se evadir como ninguém, fosse apenado,
policial ou funcionário, morreu durante ou depois do episódio. Aos poucos, em
contrapartida, surgiam relatos de alguns funcionários que enfrentaram o perigo
das chamas e da violência para retirar detentos que ficaram presos em suas
celas e outros, doentes (a maioria com tuberculose) hospedados na enfermaria e
mesmo os inválidos ou com dificuldades de locomoção.
Na edição de terça-feira, 30, jornal Folha
da Tarde, na matéria “A Trama Sinistra dos Presidiários”, relatou o clima
depois do incêndio, quando a situação já havia sido dominada, algo que revela o
inferno humano que caracterizava o local: “Em
todas as fisionomias dos presos notava-se intensa satisfação. Riam e
pilheriavam já que, para eles, qualquer situação será melhor do que a da Casa
de Correção. Um presidiário adiantou-nos que há muito vinha entrando gasolina
no presídio, em pequenas quantidades, e que em todas as celas havia um foco
preparado ao qual foi ateado fogo quando deram alarme na primeira, a 72”. Já
o Correio do Povo lembrou que “foi um sinistro dos mais terríveis de que se tem
notícia” e que se o plano desse certo “Porto Alegre estaria até agora em
pânico, com suas ruas invadidas por homens para quem os conceitos de vida e de
respeito ao próximo pouco ou nada significam.”
TRANSFERENCIA PARA MARIANTE – Em grandes operações de segurança os detentos foram
sendo realocados em diferentes locais – quartéis da brigada, delegacias de
polícia, no Instituto Psiquiátrico Forense (manicômio judiciário) e,
principalmente, na Colônia Penal Daltro Filho, na localidade de Mariante, município
de Venâncio Aires, para onde cerca de 300 deles foram conduzidos em barcaças do
DAER – a viagem pelo Jacuí demorava cerca de quatro horas, com os revoltosos vigiados
por soldados armados de metralhadoras. O policiamento na colônia agrícola já havia
sido fortemente reforçado por uma companhia do Primeiro Batalhão de Caçadores.
Na Casa de Detenção permaneceram 550 homens,
abrigados em barracas, em pavilhões não totalmente queimados ou recolhidos aos
fétidos e úmidos porões, o “buraco”, enquanto os mais colaborativos voltavam às
suas funções habituais. Para a Oitava Delegacia de Polícia, em Petrópolis, seguiram
os elementos mais perigosos, entre os quais aqueles apontados como os líderes
da rebelião. O chefe do Departamento de Institutos Penais do Estado, Neu
Reinert, ordenou o isolamento total do presídio, proibindo qualquer tipo de
visitas. O desespero maior, no entanto, provinha dos familiares dos presos,
concentrados em frente e que imploravam por notícias.
Em depoimento oficial um preso chamado Vavá
– ou Gaspar Ávila da Silva, líder de quadrilha - afirmou ter sido ele o
principal líder do movimento, junto com Washington Aires, o Paulistinha, e
Nelson Bassani, os três agora recolhidos aos xadrezes da Oitava DP. As
declarações de Vavá surpreenderam as autoridades – até mesmo ao secretário do
Interior e Justiça, Theobaldo Neumann, e o diretor do presídio, Aires Rodrigues
da Cunha - já que era um preso considerado de bom comportamento. Outro detento chamado
Veríssimo Caduri Leal também assumiu a liderança.
ESCOLA DOS VÍCIOS – Em maio de 1971, quando o antigo Cadeião já tinha vindo
abaixo, o repórter Isaías Valiatti, durante anos setorista policial da Caldas
Júnior e nome reconhecido da imprensa gaúcha, escreveu um interessante artigo
intitulado “Casa de Perversão”:
“Felizmente nem sequer o portão da medonha masmorra que tinha o nome de
Casa de Correção ficou de pé para lembrar um passado indescritível. Vamos e
venhamos, para que conservar a memória de coisas horríveis? O mundo talvez não
se torne ideal com a supressão de imagens nefandas, mas pelo menos a nova
geração não terá de perguntar: “O que é aquilo ali?” E a resposta, para ser
correta, seria longa, chocante e incompreensível. Não tenho engenho e arte para
descrever o que vi e ouvi na medieval cadeia ao longo de tristes anos de
reportagem policial para o Correio do Povo e, em certa época, para a Folha da
Tarde. Espetáculos que superavam a imaginação de Hitchcock e cenas que nem
Dante conseguiu traçar em seu Inferno repetiam-se de tempos em tempos, entre um
motim e um incêndio provocados pelos próprios detentos. Paradoxalmente, a Casa
de Correção era, em verdade, a escola dos vícios e das anomalias que só uma
Casa de Perversão seria capaz de “ensinar” e praticar.
“Por
mais de uma vez, através das colunas deste jornal, chamei, juntamente com
outras vozes que terminaram ecoando, contra o claustro imundo e revoltante que
era a Casa de Correção. Inadequada sob todos os aspectos, contrariando os mais
elementares princípios consagrados pela moderna penalogia, e sempre superlotada
– chegou a ter quase 1.500 presos, quando sua capacidade real era para 300 –
foi preciso um grande incêndio com um motim sem precedentes, que me coube
documentar à época, para chegar-se à conclusão acaciana de que a velha cadeia
deveria ser demolida para começar da estaca zero.
“A
penitenciária estadual, localizada no Partenon, pode ter falhas gritantes ou
deficiências que devem ser eliminadas, mas jamais chegará a ser o que foi a
Casa de Correção. Há problemas de estrutura de funcionamento, de vigilância e
de métodos de recuperação que estão sendo encarados em seu devido tempo, mas,
creio eu, jamais se encontrará naquele presídio as cenas e as ocorrências tão
comuns e freqüentes na famigerada Casa de Correção.
“Vibrei quando, em 1955, o então governador do Estado presidiu a
cerimônia que assinalou a demolição simbólica do vergonhoso presídio. Era o
primeiro passo decisivo para riscá-lo definitivamente do mapa da cidade. Era o
princípio do fim das celas permanentemente inundadas, pois se localizavam
abaixo do nível do Guaíba. Os chamados “republicano” e “democrata”, que num
período não muito recuado da nossa história política serviram para castigar os
“rebeldes”, iriam desaparecer, juntamente com as amoralidades, os assassinatos
com requintes de barbarismo, as negociatas entre presos e funcionários, o
tráfico de tóxicos e de álcool, enfim, as bestialidades entre seres que cada
vez mais se degradavam num processo crescente de sordidez humana, típico do
submundo que era a Casa de Correção.
“A
despeito de tudo isso, surgiram opiniões em favor da manutenção de algo que
lembrasse o cárcere e as muralhas que o cercavam. Serviria – argumentavam –
como motivação histórica ou turística.
“Mas
eu não estava só. O venerando e bondoso padre Pio, por longos e tenebrosos anos
o capelão do extinto presídio, também admitia uma única saída: a destruição
total, o arrasamento da Casa de Correção. As razões, como vemos, dispensam
maiores comentários.
“Conservar a imagem da Casa de Correção – respeitadas as opiniões em
contrário – seria o mesmo que guardar as imagens de atrocidades que fazem a
humanidade recuar no tempo e no espaço. Seria a negação, a antítese do próprio
homem.”
Na realidade o problema prisional gaúcho era
crônico e vinha desde o século XIX, e a Casa de Correção tão somente simbolizava
os horrores e as iniquidades de tal sistema.
Quando a primeira parte da sua construção
foi concluída, em 1855, era chamada de Cadeia Civil e abrigou inicialmente
cerca de 200 presos. Construída pelos braços de escravos, suas paredes, formadas
pela junção de grandes pedras, chegavam a ter mais de um metro de espessura. A localização à beira do Guaíba se explicava
pelo fácil acesso à água, pela questão da higiene – os dejetos seriam jogados
no rio – pelo solo rochoso para assentar firmemente as suas fundações e também
pelas características geográficas do local, uma “quina” da cidade e que então
passou a ser chamada de Ponta da Cadeia. Em 1897, nos primórdios da República,
segundo os historiadores, ganhou o nome oficial de Casa de Correção. A partir
daí, de ano a ano, a sua população carcerária só foi aumentando, incluindo
presos políticos dos vários movimentos de revolta que caracterizaram o Rio
Grande.
A Casa de Correção teve sua demolição
concluída oficialmente no dia 11 de maio de 1967, uma quinta-feira. Uma equipe
de funcionários da Prefeitura (Célio Marques Fernandes era o prefeito de Porto
Alegre), sob a coordenação do engenheiro João Antonio Dib, dava fim a uma era
de horrores que no entanto se repetiria com o não menos infame Presídio
Estadual da Chácara das Bananeiras (bairro Partenon), inaugurado em 1963 e bem mais
distante dos olhos da imprensa.
O primeiro helicóptero que apareceu e pousou em Porto Alegre: novembro de 1947
Há 20 anos, exatamente, o "bilionário louco" Bill Gates sonhava em criar uma "rede planetária" de computadores
No início de 1994 - portanto, há 20 anos - o jovem e já milionário Bill Gates sonhava em criar uma rede mundial de computadores, um sonho meio louco, considerando que a Internet ainda nem sequer iniciara no Brasil do jeito que é hoje (o que só aconteceria, em pequeníssima escala, no ano seguinte de 1995). A matéria da revista Veja lembrava que muita gente considerava que a idéia do dono da Microsoft parecia "um passo maior do que a perna" e que aquilo parecia ser "o último sonho maluco do bilionário". Vejam só, vinte anos depois, o que aconteceu... É, 1994, para quem lembra, parece logo ali, mas diante dos avanços tecnológicos pode ser lembrada como uma prisca Era da quase pedra lascada.
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