sábado, agosto 04, 2018

J.Bosco, em O Liberal, Belém do Pará. A Charge Online.

Poster do Conselheiro X: Grêmio tricampeão - 1958

Reprodução da Revista do Globo

A primeira partida de futebol a cores da tevê brasileira: Caxias e Grêmio


A tarde do dia 20 de fevereiro de 1972, um domingo, marca a primeira transmissão televisiva pública e regular de um jogo de futebol a cores no Brasil. E mais uma vez a primazia coube ao Rio Grande do Sul, em um amistoso entre os times da Associação Caxias de Futebol, o Caxias, e o Grêmio Futebol Portoalegrense. O local era a chamada Baixada Rubra e o público, em grande parte formado por turistas que visitavam a décima segunda Festa da Uva, iniciada no sábado, foi considerado excelente. A partida, porém, não foi lá essas coisas, com o Caxias mostrando até uma certa superioridade sobre o tricolor e tendo mais chances reais de abrir o placar. Associação Caxias que era o resultado da recente fusão do Juventude com o Flamengo local, desfeita três anos depois.
O Grêmio – que havia três anos não ganhava o campeonato gaúcho – teve então a sua bela camisa vista pela primeira vez a cores nas telinhas e nas telonas dos pesados televisores a válvulas da época. E não só no Rio Grande do Sul como em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, locais em que o jogo foi retransmitido pelas TVs Rio de Record – afinal, era um momento de modernidade para as telecomunicações tupiniquins e uma conquista do chamado Milagre Brasileiro.
A transmissão pioneira foi da Tevê Difusora, canal 10, hoje Bandeirantes de Porto Alegre, sendo acompanhada pelos poucos privilegiados que haviam comprado os então caríssimos aparelhos a cores. Transmissão pública colorida em caráter nacional que, aliás, iniciou lá mesmo em Caxias do Sul, pela mesma Difusora, no dia anterior, na abertura da décima segunda Festa da Uva, embora ela tenha existido, de forma experimental, no início dos anos sessenta e durante a Copa do Mundo no México. A propósito, Médici era gaúcho e gremista e seu ministro das Comunicações, Higyno Corsetti, era, além de gaúcho, caxiense de nascimento.
O histórico mas pouco emocionante embate sem gols entre o clube da capital e o do interior talvez tenha passado despercebido pelos seus protagonistas e remanescentes, os gremistas treinados pelo velho Oto Glória: Deca, Espinosa, Ancheta, Beto, Everaldo, Jadir, Dacunto, Torino, Flecha, o argentino Oberti, Caio, Mazinho e Loivo. Os caxienses Nadir, Luis Alberto, Roberto, Antonio Carlos, Paulinho, Zangão, Ênio Chaves, Sidnei, Osvaldo, Fernando e Técchio, todos comandados pelo técnico Pedro Figueiró. A arbitragem daquele 20 de fevereiro de 1972 foi de Agomar Martins, auxiliado por Zeno Barbosa e Airton Bernardoni.

sexta-feira, agosto 03, 2018

Aniversariantes de 4 de agosto



Hoje Louis Armstrong faria 117 anos, Barack Obama 57. E hoje, em 1970, faleceu Oscarito, aos 66 anos.

O Último jogo de Everaldo



Everaldo Marques da Silva é hoje uma estrela dourada na bandeira do Grêmio, forma encontrada pelo então tricolor da Azenha para homenagear esse lateral esquerdo aplicado, eficiente e discreto que se consagrou tricampeão mundial de futebol pela seleção brasileira no México em 1970. A sua morte trágica, na noite de domingo, 27 de outubro de 1974, comoveu o povo gaúcho, o mesmo que o havia recebido em apoteose quando a seleção canarinho voltou do México trazendo consigo, em definitivo, a cobiçada Taça Jules Rimet. Único dos nossos no selecionado nacional, titular na lateral-direita quase de última hora em lugar de Marco Antonio, virou um ídolo popular acima das paixões clubísticas, motivo de orgulho em uma época em que os jogadores de futebol andavam nas ruas, não ganhavam milhões e nem andavam em Ferraris e Lamborguinis.
Foi, aliás, dirigindo um Dodge-Dart nacional que havia ganho de presente de uma concessionária de veículos, ao retornar da Copa, que Everaldo encerrou precocemente a sua vida, pouco mais de um mês depois de completar 30 anos de idade.  E nem foi na Porto Alegre onde havia nascido e onde crescera e sim na terra do arroz, Cachoeira do Sul, a quase 200 quilômetros da capital.  Com ele faleceram sua esposa Gleci, a filhinha Deise, de apenas 3 anos e, mais tarde, a irmã de Everaldo, Romilda, tripulantes de um automóvel lotado com sete pessoas. O culpado pelo acidente foi um motorista de Santa Maria chamado Vergílio, com 48 anos de idade e mais de 20 de profissão, casado, pai de três filhos, por ironia, um “gremista doente”, como diria mais tarde aos jornalistas. O caminhoneiro havia abastecido seu Mercedes-Benz, carregado com 24 toneladas de arroz, em um posto de gasolina à margem da BR-290 e retornou abruptamente para a rodovia, sem ver o Dodge que seguia no sentido de Porto Alegre. Eram 22 horas e 30 minutos de 27 de outubro daquele ano em que o Brasil apenas havia se classificado em quarto lugar na Copa vencida pela Alemanha, iniciando um jejum de títulos que duraria duas décadas.
Everaldo: estrela no pavilhão tricolor.


O lateral-esquerdo impecável, o marcador cerrado da Copa de 70 nem sequer teve chance de desfrutar a sua aposentadoria – que na verdade já acontecera, precocemente. Everaldo, agora, pretendia trocar os gramados por uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado, pela Arena, Aliança Renovadora Nacional, o partido situacionista que disputava as eleições no próximo dia 15 de novembro. Para isso tinha ido a Cachoeira com a família, participar do jogo dos veteranos do Grêmio contra um time do colégio marista local, evento que lhe seria útil na busca de mais votos. Transmitida pela rádio local, a Princesa, a partida atraiu um grande público e terminou com 6 a 3 para o Grêmio, às 18 horas e 15 minutos. Everaldo teve uma atuação discreta, jogou além dos 15 minutos prometidos e meteu uma bola na trave. Depois participou de um coquetel, deu autógrafos, distribuiu a revista do Grêmio e santinhos da sua candidatura, visitou alguns amigos e partiu no seu “Dojão” amarelo de volta a Porto Alegre. Mal sabia que havia jogado o seu último jogo e fazia agora a sua última viagem.
Loivo, ponteiro esquerdo gremista, que o acompanhava como amigo e cabo eleitoral, hoje com 73 anos de idade, foi o último colega de clube e profissão a falar com o ídolo tricolor. Abastecendo o seu Chevete no Posto Constante, no entroncamento da BR-153 com 290, Loivo gritou para o amigo: “Nos encontramos em Butiá para tomar uma champanha com os amigos”. Não deu tempo.    

Nani Humor. A Charge Online.

Poster da Revista do Globo: Seleção Brasileira na Copa de 1954, na Suíça

Com 16 participantes, a Copa do Mundo de 1954 foi realizada na Suíça, em homenagem aos 50 anos da Fifa, que tem lá a sua sede. Foi a Copa do célebre time da Hungria, de Puskas e companhia, que acabou em segundo lugar, tendo se sagrado campeã a Alemanha. A Áustria ficou em terceiro lugar, seguida pelo Uruguai.A final aconteceu em 4 de julho, com um público de cerca de 60 mil pessoas, no estádio Wankdorf, em Berna. A Hungria fez 2 a 0 sobre a Alemanha, mas acabou levando uma virada de 3 a 2. Uma das curiosidades desta Copa foi o fato de ser, pela primeira vez, transmitida pela televisão e ter a maior média de gols de todas as copas. O Brasil, que ficou em sexto lugar, pela primeira vez usou a atual camisa canarinho - já que, nas anteriores, usava a azul. Julinho Botelho (ponteiro direito), Djalma Santos e Didi foram destaques pelo Brasil, mas o craque escolhido da competição foi mesmo Ferenc Puskas.
Julinho Botelho fez história também na Itália, sendo campeão pela Fioretina.




1971, um ano de ouro para o futebol gaúcho e brasileiro 


No início de 1972, o jornalista João Carlos Belmonte, da Caldas Júnior, traçou, no Correio do Povo, um interessante levantamento estatístico do que tinha sido o futebol gaúcho em 1971, justamente quando iniciou o moderno campeonato brasileiro, vencido pelo Atlético Mineiro, e também o ano seguinte à euforia nacional pela conquista do tri na Copa do Mundo do México. E concluiu o jornalista: “Em matéria de futebol, no ano que passou, o gaúcho não pode ter queixa: foram disputadas no Rio Grande do Sul, em 1971, 439 partidas de futebol. Pelo campeonato nacional de clubes a dupla Grenal jogou 44 vezes, enquanto o certame regional ficou com um total de 353 partidas.”
Belmonte também lembrava que “o futebol rendeu muito dinheiro em 1971, porque muitos foram os jogos”. Segundo ele, tinham sido arrecadados, nos jogos envolvendo clubes gaúchos, mais de 5 milhões de cruzeiros – obviamente, algo difícil de mensurar nos dias de hoje. Nesse total não estavam computados os valores da Copa Governador do Estado, que ia de setembro a dezembro, certame este envolvendo clubes menores e vencido naquele ano pela Associação Almirante Barroso-São José Futebol e Regatas.
Outra novidade de 1971 dizia respeito à contratação pela dupla Grenal de treinadores famosos vindos de fora, algo que há muito tempo não acontecia no futebol do Rio Grande do Sul. O Grêmio saiu na frente, trazendo Otto Glória, seguido, alguns meses depois, por Dino Sani, no Inter, que substituía Daltro Menezes no comando da equipe colorada. Segundo o jornalista, “o trabalho de Otto e Dino modificou muita coisa em nosso futebol e tanto isso é verdade que eles ficarão durante 1972 dirigindo a dupla Grenal”.
Quanto aos jogadores e à parte técnica das equipes, o destaque daquele ano de 1971 era a contratação de jogadores famosos, craques de seleções estrangeiras, como era o caso de Ancheta, pelo Grêmio, integrante do selecionado uruguaio, e de Figueroa, pelo Inter, zagueiro da seleção chilena, vindo do Penharol de Montevidéu. Belmonte lembrava ainda que o colorado tinha conseguido o tricampeonato gaúcho e havia chegado à frente do Grêmio no campeonato brasileiro, embora a equipe tricolor tivesse sido a mais regular. O craque do ano, conforme escolha da crônica esportiva, tinha sido Carbone, do Internacional. Quanto aos clubes do interior, o destaque era o Esportivo de Bento Gonçalves, que se firmava, em 1971, como a terceira força do Estado.
João Carlos Belmonte informava que, dali a alguns dias, iniciaria o campeonato brasileiro de 1972, ou seja, mais espetáculos para o público, mais dinheiro para os clubes gaúchos: “A proporção de jogos parece alarmante, e a tendência é aumentar. Ano passada foram disputadas 439 partidas, totalizando 39.510 minutos de futebol, ou melhor explicando: se terminasse um jogo e imediatamente iniciasse outro, em 1971 tivemos quase 27 dias ininterruptos de jogos.  Que tal a ideia de ficar 27 dias sentado na arquibancada de cimento para assistir a 439 jogos de futebol?”

Aniversariantes de 3 de agosto






Hoje Tony Bennett completa 92 anos, Martins Sheen faz 78, Isabel Fillardis 45, Suzana Alves 40 e Mayra Aguiar 27. E no dia de hoje, em 1993, faleceu o grande Lúcio Alves.

quinta-feira, agosto 02, 2018

Caçapava exibe seus luxos: um fusca "incrementado" com rádio FM e toca-fitas...



Que diferença! Se hoje qualquer jogador, mesmo de nível médio, desfruta de um altíssimo padrão de vida e ganha salários astronômicos - sem falar os carrões - em 1976, quando o Inter conquistou o seu segundo título nacional, Caçapava, volante, "exibia-se" com seu fusca "incrementadíssimo", com direito a rádio FM e até, vejam só, toca-fitas... A nota foi dada na coluna de João Carlos Belmonte, no Correio do Povo de 12 de setembro de 1976. Caçapava se chamava Luiz Carlos Melo Lopes, nasceu em Caçapava do Sul e lá morreu, em 2016, aos 61 anos, vítima de um infarto fulminante. Ele ainda jogou por outros grandes clubes, como o Corinthians e o Palmeiras, até retornar à sua terra natal.

Poster do Conselheiro

Atlético Mineiro, campeão brasileiro de 1971. Foi o primeiro campeonato nacional, moldado nas premissas atuais. O poster é uma reprodução da revista Placar.
Revista do Globo
Nani, em A Charge Online.

Endividamento do Rio Grande do Sul começou, vejam só, com a Revolução de 30

Não é futebol mas é bom saber...


Na sua edição de 28 de outubro de 1950 a Revista do Globo, da editora Globo, de Porto Alegre, um quinzenário com alguma penetração nacional - publicou uma interessante reportagem do ótimo jornalista Rubens Vidal a respeito do então já crônico endividamento do Estado gaúcho. Aquele ano foi emblemático: aconteceram as eleições que levaram Getúlio Vargas de volta ao poder, agora pelas urnas, e, no Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles elegeu-se governador - Salgado Filho, escolhido para concorrer pela coligação liderada pelo PTB no pleito de outubro faleceu, no final de julho, em um célebre acidente aéreo. O Rio Grande, então, vivia um ciclo de otimismo, e Porto Alegre modernizara-se e crescera muito, atingindo mais de 400 mil habitantes. Mesmo assim o Estado devia muito dinheiro para o governo federal, e não tinha como pagar tal conta de "um bilhão" de cruzeiros. Buscando saber os motivos e a origem dessa colossal dívida, Rubens Vidal - autor de um belo livro sobre Getúlio e seu clã, "Os Vargas", editado pela Globo (e, tudo indica, não mais reeditado, o que é lamentável) - fez uma extensa investigação e localizou, exatamente, a data e o fato que originaram tal estado de coisas, o qual pode ser assim resumido: os gaúchos pagaram com dinheiro do seu próprio bolso toda a conta das despesas militares da  Revolução de 1930 que deu fim à Velha República e implantou uma nova era no Brasil. 
Encontrei tal matéria na coleção do Arquivo Histórico Moysés Vellinho, da Prefeitura de Porto Alegre, e achei muito oportuno transcrevê-lo na íntegra, sobretudo neste momento em que assumiu um novo governador e que o Estado, sem dinheiro para nada, se vê, como sempre, às voltas com a falta de recursos e com a terrível inadimplência.   (Vitor Minas). REPUBLICAÇÃO

"Um Bilhão!"

   Honesto, mas sem dinheiro, o Estado gaúcho remata o maior drama financeiro da sua história encaminhando-se (horrorizado) para a casa de um bilhão (em déficit).

   "Há vinte anos que o Estado do Rio Grande do Sul não paga as suas dívidas. E não as paga por uma razão muito simples: não tem dinheiro. A posição da Província gaúcha é análoga à de um honesto devedor sem recursos cujos esperançosos amigos e credores repetem.
   - Fulano é muito direito. Quando tiver dinheiro, paga. 
   Tranquilizados por esse argumento, os credores do Estado (principalmente o Banco do Brasil) esperam pacientemente um milagre que encha de um momento para outro as vazias arcas do Tesouro Estadual. Enquanto isso, e apesar dos vigorosos esforços de seus governadores, desde 1930 o Rio Grande do Sul vem arrastando, para desespero da administração, a fama de devedor crônico, tanto no comércio interno como externo.
   Todos os fins de ano, ao encerrar-se o balanço das angustiosas finanças gaúchas, quando o Tribunal de Contas remete á Assembleia Legislativa a relação geral dos gastos, comentada em relatório minucioso, surgem acusações e esclarecimentos. Mas aos olhos do povo o problema continua confuso. E nem por isso é mais claro nas altas esferas administrativas, onde há queixas veladas, acusações abertas e inculpações agressivas.
   - Afinal, quem está com a razão? - exclamou atônito um estudante de economia e finanças da Universidade de Porto Alegre, após uma erudita dissertação do professor  sobre orçamentos, balanços, relatórios e exposições de motivos.
    É possível responder a essa pergunta direta do estudante gaúcho (e dos seus conterrâneos) se historiarmos rapidamente a vida tormentosa de um déficit que tem agora vinte anos de idade. (Déficit é uma palavra latina que, na linguagem dos economistas, significa "o que falta numa conta". Assim, se ganho mil cruzeiros e gasto ou devo mil e quinhentos, o meu déficit, isto é, o que falta na minha conta, são quinhentos cruzeiros).
   A FILHA DA REVOLUÇÃO
   Em 1950, falta nas contas do Rio Grande do Sul 300 milhões de cruzeiros. E em 1952 tudo indica que faltará 1 bilhão.
   Essa diferença, hoje tão grande, nasceu com a Revolução de 1930. Ao assumir o governo do Estado, logo após a vitória das armas outubrinas, o general Flores da Cunha enfrentou o primeiro desequilíbrio financeiro. É que o Tesouro do Estado tinha emitodo "bônus", isto é, tinha impresso dinheiro para atender às despesas com as forças revolucionárias. Os compromissos resultantes dessas emissões começaram a pesar no orçamento. O Interventor federal, para retirar de circulação esse "dinheiro frio", viu-se obrigado a fazer um empréstimo no Banco do Brasil. Desse modo, conseguiu aliviar o Tesouro de tão pesada carga. Melhor: repartiu-a entre o Estado e o Banco do Brasil, pois até hoje o empréstimo não foi pago, e todos os anos mais de 5 milhões de cruzeiros são gastos de amortização.
   Contudo, a situação financeira agravou-se de tal sorte que a administração gaúcha teve de interromper subitamente o pagamento dos juros sobre as dívidas do Estado, ou seja, sobre as apólices da dívida pública. E mais ainda: teve de seguir o triste exemplo de outros Estados brasileiros e suspender o pagamento do que devia no estrangeiro.
   HONESTO MAS INGÊNUO
   A administração seguinte, que foi a do general Daltro Filho, herdou esses desequilíbrios vindos da Revolução de Outubro: orçamento deficitário em alguns milhões de cruzeiros, atrasos no pagamento da dívida interna e externa. Na sua honesta simplicidade, o novo Interventor, esmagado por estes problemas financeiros, pensou ter encontrado a grande solução com um "programa de austeridade" que eliminou auxílios de qualquer natureza e descarregou o fardo nos débeis ombros do funcionalismo público, cujos vencimentos foram indiretamente reduzidos.
   Mas o déficit continuou aumentando.
   E aumentou de tal maneira que outro general, o sr. Cordeiro de Farias, ao substituir o colega Daltro Filho na governança do Estado, viu-se na contingência de vender ao governo federal uma parte dos bens do Estado: a frota mercante gaúcha, que tinha um alto valor econômico.
   PAPEL, PAPEL, PAPEL
   A Segunda Guerra Mundial, provocando um enorme aumento do comércio interno e o subsequente desenvolvimento dos negócios, trouxe uma espécie de agradável embriaguez financeira. O Estado começou a arrecadar mais dinheiro e a crise interrompeu-se momentaneamente.
   Enquanto isso, como o conflito internacional impedia a vinda de produtos estrangeiros, a indústria e a agricultura gaúcha começaram a produzir mais para o consumo regional e nacional. Todas estas circunstâncias e mais uma rotunda emissão de papel-moeda, contribuíram para dar aos rio-grandenses uma impressão de progresso. Era no entanto um progresso artificial e marcava o início do período inflacionista em que ainda nos encontramos. (Inflação é o excesso dos meios de pagamento em relação às necessidades das trocas, ou seja, a existência de mais crédito ou dinheiro impresso do que coisas a trocar por ele. E se nesta relação há mais dinheiro e menos mercadorias, é lógico que sobe o preço destas).
   BANCARROTA E GENEROSIDADE
   Para evitar, ou ao menos adiar, o ressurgimento da crise, a mesma administração aumentou sucessivamente (de 1,25% para 2,0) o imposto direto sobre os negócios, que é o de vendas e consignações. Era uma medida de precaução, já que as finanças estaduais pareciam desafogadas.
    Pareciam mas não estavam. Porque, ao terminar a Guerra, em 1945, normalizando-se o comércio internacional, os produtos estrangeiros voltaram a concorrer com os nacionais e retraíram-se os mercados consumidores. A consequência imediata foi um brusco desequilíbrio na economia e nas finanças rio-grandenses. O Estado do Rio Grande do Sul ficou ameaçado de pura e simples falência.
   A crise estourou na administração Cilon Rosa. Mas as consequências não foram imediatas, graças a um clássico empréstimo, que no caso foi de 150 milhões de cruzeiros (inicialmente destinados à execução do Plano de Saneamento do Estado). Generosas subvenções a obras de benemerência (cerca de 90 milhões) marcaram esta administração.
   EMPRÉSTIMO ARMA 
   No governo constitucional do sr. Walter Jobim a crise, contida temporariamente nos diques de papel da inflação, irrompeu com dobrada violência. Nos termos de nossa história administrativa, crise significa empréstimo - e um novo empréstimo de 150 milhões de cruzeiros foi prometido pelo governo federal (destinados ao Plano de Eletrificação do Estado). No entanto, a abertura dos créditos sofreu sucessivas prorrogações por motivos políticos, uma vez que o empréstimo ficou sando a arma do governo central contra a "fórmula Jobim" à sucessão presidencial. (Essa fórmula sugeria um entendimento entre todos os partidos, mas não o desejava o presidente Dutra sem a exclusão dos trabalhistas de Getúlio Vargas e dos populistas de Ademar de Barros).
   SACRIFÍCIO MUNICIPAL
   Enquanto isso, o governo gaúcho via-se na contingência de "gastar por conta", e utilizava-se de verbas que pertenciam aos municípios ou eram destinadas ao pagamento do funcionalismo. Segundo a lei, o Tesouro do Estado tem que devolver aos cofres municipais 15% de sua arrecadação quando esta exceder em dobro à do município. Tal determinação ainda não pode ser atendida pelo Estado.
   A demora dos dinheiros federais causou uma situação angustiosa e difícil  à administração rio-grandense, e houve até vários meses de atraso no pagamento de funcionários de alguns departamentos estaduais (DAER e Brigada Militar).
   O Governo do Estado, pelo seu secretário da Fazenda, que na época era o sr. Gastão Englert, enfrentou a crise com uma medida simples, antiga e perigosa: aumento os impostos. Os aumentos foram os mais elevados até agora propostos por qualquer gestor das finanças gaúchas.
O FALSO ALÍVIO
   Tais aumentos deram um ano de aparente desafogo ao Tesouro, e o balanço de 1948 mostrou um déficit relativamente pequeno de 40 milhões de cruzeiros (o menor nos últimos cinco anos). Mas, correndo o tempo, como o Estado não fiscalizasse rigorosamente a sua arrecadação, esta diminuiu a ponto de anular aqueles aumentos. Um ano depois, recrudescia a crise.
    Finalmente, coincidindo com uma espécie de trégua na "fórmula Jobim", veio a primeira quota do empréstimo federal (60 milhões). Esperava-se de tal soma um alívio à pressão financeira sofrida pelo Rio Grande do Sul. mas o governo central teve a sorrateira prudência de descontar dela a dívida estadual. Resultado: apenas uma quarta parte (15 milhões) chegou ao erário gaúcho.
   E assim chegamos à situação atual. Como se vê, todas estas medidas foram modestos analgésicos aplicados periodicamente à crônica dor-de-cabeça estadual.
DE DÉFICIT EM DÉFICIT
   Ora, o desequilíbrio financeiro da província gaúcha há muito já ultrapassou a fase da dor-de-cabeça. Do ponto de vista financeiro, o Estado é um organismo doente, quase às portas do desenlace.
    O déficit crônico de que vem sofrendo as finanças gaúchas culminou no desastroso resultado do exercício de 1949, e desbordou-se neste ano em 300 milhões de cruzeiros. Quando verificamos que essa soma corresponde a mais de 25% da arrecadação total do Estado, temos toda a sua dramática significação.
   Nos últimos cinco anos, a receita foi inferior à despesa de 680 milhões de cruzeiros. Para cobrir essa diferença o Estado teria de empregar mais da metade do que arrecada de impostos e taxas durante um ano.
    Em face de tal situação, a dívida pública do Rio Grande do Sul, que em 1945 era de 660 milhões de cruzeiros, saltou espetacularmente para 1 bilhão e 200 milhões de cruzeiros em 1949. Assim, se a administração gaúcha quisesse pagar tal dívida teria de empregar toda a sua arrecadação de um ano e fazer um empréstimo para atender aos milhões que ainda ficaria a dever. E o mais grave é que a metade da dívida estadual é "flutuante", isto é, dívida cujo pagamento os credores podem exigir a qualquer momento.
TEM 280 E DEVE 460
   Segundo o balanço de 1949, os recursos do Estado montavam a 280 milhões de cruzeiros, ao passo que os seus compromissos vencidos ou em fase de vencimento correspondiam a 460 milhões. Isso significa que o governo gaúcho, para pagar uma dívida de CR$ 1,64 dispõe somente de 1 cruzeiro.
   E ainda de acordo com as cifras do ano passado, se o Rio Grande do Sul, em delírio de honradez, resolvesse vender todo o seu patrimônio, ou seja, tudo o que possui, inclusive os edifícios, as terras, os móveis, utensílios, maquinarias, veículos, portos, acessórios técnicos, etc, e recebesse também o que lhe devem, a fim de pagar as suas dívidas, apenas lhe sobraria a quantia aproximada de 350 milhões de cruzeiros. Para compreendermos a irrisão deste saldo, basta dizer que com tal soma o Estado não poderia comprar duas usinas iguais à da Companhia Energia Elétrica de Porto Alegre.
ALGUÉM DEVE PARA ALGUÉM
   Está claro que o Estado não é e nem pode ser administrado como uma firma comercial: a gestão de suas finanças não visa o lucro mas o equilíbrio. E os encargos sociais, quando atendidos, oneram forçosamente a sua estrutura financeira. Mas, quando sofre um desequilíbrio, um Estado sofre-o mais gravemente do que qualquer empresa comercial, e com repercussão infinitamente maior.
   Assim, se o Rio Grande do Sul arrecada 1 bilhão e 700 milhões de cruzeiros, e gasta 2 bilhões, a diferença de 300 milhões equivale a uma rotunda dívida sem cobertura, cujo pagamento não se pode dizer se, e quando, será feito.
   Naturalmente, se alguém deve, há alguém que não recebe o que lhe é devido. Neste caso, são as prefeituras gaúchas sacrificadas pelo Estado, que não lhes paga o que deve pagar, conforme já o expusemos acima. E o Estado não lhes paga simplesmente porque não tem dinheiro. Resultado: as prefeituras fazem verdadeiros malabarismos para enquadrar os seus gastos obrigatórios e necessários (pagamento de funcionários, conservação das ruas, redes de esgotos etc) dentro da minguada arrecadação municipal. Quanto ao funcionalismo, é um problema que o Estado do Rio Grande do Sul compreende perfeitamente, pois anualmente paga aos seus funcionários a quantia de 765 milhões de cruzeiros, ou seja, 45% da receita pública. Mas não basta compreender quando não se tem os recursos para pagar.
A GRANDE PERGUNTA
   Procurando minorar a situação do tesouro estadual, a atual administração deseja entregar à União a Universidade do Rio Grande do Sul e economizar desse modo alguns milhares de cruzeiros. Tal medida ainda não foi concretizada, e se não o for em breve, crescerá o déficit no orçamento de 1951, que já exclui a despesa com a educação superior dos gaúchos.
    Qual é (perguntará o rio-grandense médio para o qual escrevemos) a causa fundamental de tudo isso?
A SIMPLES RESPOSTA
   Na verdade a causa é de ordem econômica. Se houve um aumento em cruzeiros na produção gaúcha (ocasionado pela inflação), não houve um aumento na quantidade das coisas produzidas. Assim, durante os vinte anos de crise que estamos analisando, a produção rio-grandense não aumentou mais do que o correspondente ao acréscimo de sua população. Desde 1930, não houve até agora um aumento substancial na produção por habitante.
   Ora, não havendo maior produção a receita pública não pode aumentar, uma vez que o Estado tira os seus dinheiros do que lhe é dado arrecadar de cada contribuinte, produtor ou consumidor.
    O progresso industrial e agrícola, tão agudamente necessário para o Rio Grande do Sul, está por sua vez, e como em toda a parte, condicionado à energia mais abundante e barata e melhores transportes. Na situação em que se encontram, as nossas fontes de combustível (como as minas de carvão), os nossos transportes ferroviários (Revista do Globo, número 514), e a nossa rede elétrica (Revista do Globo, número 509) ainda não podem conduzir a esse progresso. A agricultura, consequentemente, está impossibilitada de distribuir nos mercados consumidores os gêneros alimentícios por um preço razoável - e jamais o fará enquanto a produção agrícola tiver, como agora, um exorbitante preço no custo.
O CAMINHO E O EXEMPLO
   Os encargos do Estado multiplicam-se de ano para ano. Mas o seu desequilíbrio financeiros vem acusando a falta de escolas (Revista do Globo, número 508), de hospitais, de estradas, de transportes, etc, falta essa que é uma constante preocupação dos nossos administradores.
   Diante da impossibilidade de aumentar a receita pública, os encarregados das finanças gaúchas só tem dois caminhos a escolher: diminuir as despesas (o que equivale a cruzar os braços) ou fazer gastos indispensáveis (o que importa em déficits continuados). Tem sido este último caminho escolhido pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul - e o exemplo vem de quase todas as províncias brasileira

quarta-feira, agosto 01, 2018



Mino Carta e a histórica final Inter e Corinthians: se fosse marciano não estaria entendendo nada
Matéria da revista Veja, já sem o jornalista Mino Carta.



Em 12 de dezembro de 1976, quando o Internacional conquistou o bicampeonato brasileiro e, pela segunda vez, o respeito e a admiração de todo o Brasil ao vencer o Corinthians por 2 a 0 no Beira-Rio, o jornalista Mino Carta – então um dos mais admirados homens de imprensa do País, fundador do Jornal da Tarde, da revista Quatro Rodas, ex-editor da Veja e já então comandando a recém fundada Istoé – escreveu para a Folha de São Paulo uma crônica daquela final que ele julgava “histórica”. Mino Carta pouco entendia de futebol e não costumava se aventurar nesse campo. Mas, depois de assistir à partida entre gaúchos e paulistas, ele garantiu “Se fosse marciano, não estaria entendendo nada” – este o título do seu trabalho, que merece ser transcrito tantos anos depois. O texto é quase literário, faz referências veladas à situação política da época e compara o futebol do Inter com o moderno futebol europeu.
Assim o jornalista descreveu o que viu aquela tarde no Gigante da Beira-Rio: “O calor é tropical mas o panorama que cerca o Beira-Rio, apinhado de elevações bem penteadas, poderia ser europeu. Falta ao cenário deste jogo um toque luxuriante, uma reminiscência, ao menos, de mato desvairado, como talvez conviesse ao supremo conflito das esperanças nacionais. Alguém, leitor de bons livros e frequentador do raciocínio límpido, me dizia ainda ontem que o corintianismo, esse singular e forte sentimento que tomou conta da nação, é a forma mais eficiente de solidariedade hoje no Brasil. Diga-se que se trata de alta autoridade da política situacionista. Pois a oportunidade de pôr à prova essa solidariedade, o momento em que ela é confrontada, talvez merecesse um palco tropical. Em compensação, há muito de surrealismo no clima do estádio e nas bombas e nas bandeiras das torcidas, frenéticas quando a esperança entra em campo. Um marciano ficaria pasmo.”
E prossegue o jornalista: “Mas a torcida colorada não é a do Fluminense, nem Porto Alegre é como o Rio. O Beira-Rio é diferente do Maracanã. O estádio pulsa com os gritos dos homens que são “machos” – e pronuncie a palavra com o sotaque dos pampas. O Corinthians hoje exibe-se numa ribalta muito pouco corintiana.

Mino Carta, hoje.

“E o Corinthians começa tímido, o Inter agride a bola com fúria vermelha. Os colorados estão em todas as divididas. Aos 10 minutos o Corinthians praticamente ainda não saiu do seu campo. Parece um encontro entre o mais recente futebol europeu e o mais tradicional sul-americano. Falcão domina o centro do campo e sua passada lembra Beckenbauer. A defesa corintiana está confusa, a bola filtra nela como um peixe numa rede lacerada. Falcão está em todos os lugares, finta Vaguinho no bico da área, enfia a bola entre as pernas de Romeu e sai com os cabelos ao vento.
Em seguida Mino Carta descreve o primeiro gol do Inter:
“E quase aos 29 minutos vem, inexoravelmente, o gol do Inter. Nasce dos pés de Valdomiro que já foram infelizes no mundial de 74. Mas o seu chute é sempre potente. E uma falta de Zé Maria no onipresente Falcão, que amaciou a sua amada no peito, na boca da área, Valdomiro bate, o tiro ricocheteia na barreira, sobe a bola maligna para a cabeça de Dario e é gol. Onde estão os orixás? Estão chorando, suponho. Mas os deuses da fúria gaúcha sorriem. Voltam a sorrir oito minutos depois, quando o Corinthians perde um gol que parecia decretado. A bola passa por vários pés corintianos, mas ninguém chuta enquanto Manga já está no chão, batido. Os deuses gaúchos estão segurando estas chuteiras lerdas. A torcida corintiana de vez em quando ergue-se e agita as suas bandeiras. Mas esses instantes são cada vez mais raros, nesse primeiro tempo. Nele ficaram evidentes, para mim, duas coisas. Primeira, que Russo é um gladiador tropical, um homem cheio de fé e uma musculatura disforme, talvez porque feita de arroz e feijão. Segunda, porque Falcão não é Rivelino, Falcão é “macho”.
Agora Mino carta descreve o segundo tempo da partida: “Mas no segundo tempo a torcida corintiana e seu time sabem que agora é tudo ou nada. Será que os orixás sabem? Os deuses dos pampas sabem de certo quando desviam de leve a falta cobrada por Romeu e fazem com que a bola se choque com o travessão para que a desdita corintiana seja mais gorda. Em campo há muitas faltas, nas arquibancadas muitos gritos e gestos de raiva e tensão. E numa dessas faltas, na entrada da área corintiana, aos 12 minutos Valdomiro cobra por sobre a barreira e os deuses colorados reaparecem e em tempo abaixam, sempre de leve, a trajetória do chute, e fazem com que bata na parte inferior do travessão, e quique depois dentro do gol, poucos centímetros além da chamada linha fatal. Centímetros? Milímetros, para a desdita alvinegra continuar engordando. Os corintianos protestam, cercam o juiz, e um bolo de gente forma-se numa das extremidades da divisória do campo, e lá se discute, aos berros, aos empurrões, se a bola entrou ou não. Entrou, entrou, a sentença é irremediável, e o bolo se desfaz e o jogo recomeça com dois a zero no marcador.
“Ah, se eu fosse marciano me perguntaria se tanta energia não poderia ser canalizada para outras empreitadas, mais proveitosas do que esta, capaz de criar raivas e alegrias tão grandes, no peito de cada um e de todos, e tão inúteis. E voa uma garrafa em campo e fogos são dirigidos contra o gramado que já não brilha ao sol. No ocaso as garrafas chovem e o jogo para de novo, o campo é invadido por dirigentes, repórteres, alguns assistentes dispostos a pular o alambrado, policiais e seus cachorros. Ah, se eu fosse um marciano não estaria entendendo coisa alguma.
“O vento não agita mais as bandeiras corintianas, talvez elas estejam molhadas pelo pranto dos que vieram até o Beira-Rio e de todos aqueles milhões que neste momento estão diante do vídeo ou com os ouvidos colados em um rádio de pilha, alimentando a mesma fé rigorosamente desperdiçada. Eles talvez estejam anotando um nome, o do bandeirinha que confirmou o segundo gol colorado. Que os fados se compadeçam dele.
“O jogo recomeça mas a sorte está selada. A pressão corintiana serve apenas para mostrar a força dos deuses gaúchos e as habilidades de um velho profissional da bola, o goleiro Manga. O jogo acabou, a solidariedade desfeita se recompõe em torno daqueles que ainda saberão esperar por uma vitória. Não tenho dúvidas sobre o caráter histórico deste jogo. É mais uma derrota de uma antiga e nebulosa esperança. Mas valeria a pena ganhar.”

Lute, no Hoje em Dia. A Charge Online.


O temível Daison Pontes e seu futebol nada amistoso



Daison Pontes. O nome desse jogador está na memória dos mais antigos, aqueles que acompanhavam o futebol gaúcho nas décadas de 60 e 70. O motivo não era exatamente a sua técnica futebolística, embora todos reconhecessem que era, sim, um jogador habilidoso e excelente no trato com a bola. Só não era excelente no trato com os adversários, aos quais não media gentilezas quando se aproximavam da grande área. Pontapés, caneladas, encontrões , cotoveladase socos faziam parte do, digamos, estilo “daisoniano” de praticar futebol. Assim, ao longo do tempo, Daison Pontes se tornou um símbolo do futebol violento e detentor de um recorde no futebol brasileiro: foi expulso de campo nada menos do que 18 vezes. Chegou a jogar no Flamengo do Rio, mas foi dispensado ao final de três meses, pelas entradas violentas até mesmo nos treinos.
Daison – que era irmão mais velho de Bibiano Pontes, daquele time de ouro do Internacional, e também de João Pontes – certamente é lembrado pelo árbitro José Luís Barreto, se este estiver vivo depois de tantos anos. Era o domingo de 20 de novembro de 1974, pelo campeonato gaúcho – e o Gauchão, naqueles tempos, tinha uma certa ferocidade que alguns entendiam como virilidade, ou a tal “macheza gaúcha”. E naquele ano a vida dos árbitros não estava sendo nada fácil dentro de campo. Tudo bem que as arbitragens deixavam muito a desejar, mas o futebol é um esporte praticado com as pernas e não com os braços, ou, sobretudo, os punhos.

Daison, violento mas grande zagueiro.

Talvez Daison Pontes não entendesse bem isso durante aquele jogo, em Santa Maria, entre o Inter de Santa Maria e o Gaúcho de Passo Fundo, apitado por Barreto. O time visitante vencia por 1 a 0 quando o árbitro, irritado com as jogadas duras da zaga do Passo Fundo, advertiu seus jogadores, pedindo que maneirassem nas divididas, caso contrário teria que marcar alguns pênaltis. Nove minutos antes do Gaúcho fazer o seu gol José Luis Barreto cumpriu a promessa, marcando uma penalidade máxima a favor do Inter de Santa Maria, cobrada e desperdiçada por Tadeu.  Vendo que seu apelo de não-violência não surtira nenhum efeito e que a zaga do Gaúcho continuava a baixar o sarrafo, aos 14 minutos do segundo tempo o árbitro marcou novo pênalti a favor do time da casa, desta vez praticado por ele, o temível e famoso zagueiro das entradas duras. Daison atingiu violentamente, por trás, o santa-mariense Edson, derrubando-o no gramado.
Acontece que Daison já havia dito a seus companheiros que, caso Barreto prejudicasse seu time, iria até ele e lhe daria um soco na cara. E foi exatamente o que fez: marchou até o juiz da partida e acertou-lhe um soco no rosto, abaixo do olho esquerdo e mais alguns pontapés nas canelas. Tonto e sangrando, o árbitro ainda conseguiu sacar o cartão vermelho, expulsando o zagueiro do Gaúcho de Passo Fundo. Em meio à confusão que se seguiu, com dirigentes e brigadianos invadindo o campo, Daison escapou e não mais foi visto naquele dia: dizem que fugiu da prisão em flagrante, pegando um táxi e se mandando para a vizinha cidade de Júlio de Castilhos. Quanto a José Luís Barreto, recusou ser medicado, passou um lenço no rosto e continuou apitando. O pênalti foi cobrado e desta vez convertido. Mas o jogo – que terminaria em 1 a 1 – ainda teve o jogador Leivinha, também do Gaúcho, expulso de campo.
Ao contrário do que provavelmente ocorreria nos dias de hoje, o zagueiro brigão não foi execrado e sim cumprimentado pelo seu ato de pugilismo, conforme descreveu o correspondente da Companhia Jornalística Caldas Júnior em Passo Fundo. “O zagueiro Daison Pontes só recebeu aplausos quando apareceu, ontem pela manhã, no centro da cidade. Durante todo o dia foi cumprimentado pelo soco que deu no juiz José Luís Barreto.” O diretor de futebol do Gaúcho foi mais adiante em suas declarações à imprensa: “Infelizmente eu não estava em Santa Maria, senão o Barreto apanharia de mim também. Todo mundo está roubando do Gaúcho e alguém tem que tomar providências. Nós compreendemos a atitude de Daison pois demonstrou que é um jogador que atua com garra, sangue e amor à camiseta. Se alguém não modificar as arbitragens, muito juiz vai apanhar”. Até mesmo o comedido comentarista esportivo, Ruy Carlos Ostermann, em sua coluna no Correio do Povo, disse entender as razões de Daison: “O futebol exige a violência. Zagueiro que joga apalpando acaba se machucando, serve apenas para incentivar os maus propósitos do centro-avante. Gosto de uma frase de Moisés, do Vasco: zagueiro não pode querer o Belfort Duarte (prêmio para os jogadores mais disciplinados) É preciso impor respeito, jogar na bola e palmo e meio adiante dela. A dificuldade é pequena: quem sabe, bate e se faz respeitado”.
Em janeiro de 1976, quando da despedida de Bibiano Pontes do Inter, Ruy Carlos Ostermann citou Daison Pontes em outra crônica: “Conheci o irmão de Bibiano, o Daison, um imenso zagueiro de área prejudicado por inúmeras contradições pessoais, mas de grande personalidade. Não a personalidade comum, organizada: era a personalidade para o gesto forte, para a empolgação.”
O soco em Barreto custou caro a Daison, punido com 1 ano e meio de afastamento dos campos, dos quais seis meses acabaram perdoados. Daison Pontes morreu em 2012, aos 74 anos, vítima do mal de Alzáimer, em sua casa em Passo Fundo, onde era funcionário público aposentado.