sábado, julho 21, 2018


7 de Novembro de 1935: morre Eurico Lara, a lenda tricolor

“Porto Alegre, ontem, quando despertava para a sua atividade diária, recebeu uma notícia contristadora: no hospital da Beneficência Portuguesa, falecera, às 7:10 horas, o grande arqueiro Eurico Lara, indiscutivelmente a maior glória desportiva do Rio Grande do Sul”.
A notícia, publicada com grande destaque na página 9 do Correio do Povo de 7 de novembro de 1935, quinta-feira, tinha um título emblemático que resumia o significado desse homem nascido em Uruguaiana e que se tornou uma lenda do futebol gaúcho: “Eurico Lara, o player mais glorioso do Rio Grande do Sul, faleceu ontem, nesta capital”.
Ontem, no caso, era uma quarta-feira do histórico ano do centenário da Revolução Farroupilha e o Lara imortal que falecia na Porto Alegre de menos de 250 mil habitantes e três emissoras de rádio, contava apenas 37 ou 38 anos de idade – na página da Wikipédia, enciclopédia digital, consta que havia nascido 24 de janeiro de 1897, enquanto os jornais, inclusive o Correio, lhe davam um ano a menos – teria nascido em 1898. Seja como for, em sua curta e gloriosa existência, Eurico Lara Fonseca, casado com dona Maria Cândida e pai da menina Odessa, de 12 anos, defendeu apenas as cores de um clube de futebol – o Grêmio Futebol Portoalegrense, agremiação na qual jogou durante 15 anos e onde era tão amado e idolatrado a ponto de Lupicínio Rodrigues, ao compor o hino tricolor em 1953, ter nele incluído os seguintes versos: “Lara, o craque imortal, soube o seu nome elevar, hoje com o mesmo ideal, nós saberemos te honrar”.
Lara chegou ao Grêmio em 1920, ainda na época romântica em que não havia futebol profissional no Brasil, indicado por olheiros tricolores impressionados com aquele “goal-keeper” do Sport Clube Uruguaiana que pegava todos os chutes e era aplaudido de pé até pelos adversários. Em 1922, já famoso por aqui, foi ao Rio defender o selecionado do Exército nacional nas comemorações esportivas pelo centenário da Independência do Brasil, e saiu-se tão bem que, ao final do torneio, recebeu um telegrama do próprio Ministro militar, cumprimentando-o por sua incrível atuação. Também quase lendários foram os mais de 20 chutes que defendeu de Friendereich, o maior craque e primeiro grande astro esportivo brasileiro. O jogo foi realizado no Parque Antartica entre os selecionados paulista e gaúcho e ao final uma multidão invadiu o gramado para cumprimentar o incrível arqueiro gaúcho capaz de tantas proezas milagrosas.
Em crônica não assinada, publicada no Correio do Povo daquele 7 de novembro de 1935, e intitulada “A Glória de Lara”, um repórter escreveu: “Lara morreu pobre, sem nada deixar além de um nome, na época precisa em que o futebol está recheando o bolso dos utilitaristas. Quando meio mundo se locupleta com os proventos da profissão, o jogador mais querido e mais glorioso dos pampas deixa apenas uma trilha limpa, percorrida à custa de muito sacrifício e de incomum espírito de abnegação e de renúncia. Ídolo brasileiro, acima de tudo, esse moço jamais perdeu a modéstia que trouxe do berço, da gloriosa Uruguaiana. Nasceu pobre para morrer entre os humildes. Vezes sem conta atuou sob influência do mal que lhe minava o corpo. Sob dores hepática, saltava como um felino dentro daquele retângulo que só ele sabia defender. E nunca teve uma imprecação, nem deixou transparecer o menor sofrimento. E ontem finalmente morreu como morrem os bons: sem um gemido, de mansinho, sem mesmo ter tempo para um último gemido. O Rio Grande do Sul, envolto em crepe, antes de chorar canta e exalta no dia de hoje a glória imortal de Eurico Lara.”
Lara tinha tuberculose havia três anos, em um tempo em que não havia penicilina ou estreptomicina e a chamada doença dos poetas e dos artistas dizimava milhões de pessoas em todo o mundo.  Sua última atuação pelo Grêmio foi mais uma página de glória: o histórico Grenal de setembro de 1935, decidindo o campeonato da cidade no ano festivo do centenário da Revolução Farroupilha, vencido heroicamente pelo Grêmio por dois a zero. Lara saiu de campo para ser hospitalizado na Beneficência Portuguesa, onde encerrou a vida como o maior mito da história do imortal tricolor – a bem da justiça, nem Renato Portalupi, ídolo da era modera, o supera na linha do tempo.



No dia 8 de novembro, ainda repercutindo a morte do mito, o Correio do Povo publicou uma foto em que Lara aparece no momento em que sofreu o último gol da sua vida – precisamente o dia 15 de setembro de 1935, data da comemoração dos 32 anos do chamado “clube da Baixada”. Em jogo contra o Força e Luz pelo campeonato da Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos, AMGEA, uma espécie de liga dos clubes de Porto Alegre e arredores, Lara, atrás de Luiz Luz, não consegue defender o chute de Negrito.
Eurico Lara foi campeão citadino de 1920, 21, 22, 23, 25, 26, 1930, 31, 32, 33 e 35 e campeão gaúcho dos anos de 1921, 22, 26, 1931 e 32. Ídolo das famílias e das crianças, que sonhavam um dia “ser Lara”, foi sepultado com a bandeira do Grêmio e o seu funeral em carro público praticamente parou Porto Alegre. Infelizmente, não existe qualquer registro fonográfico ou cinematográfico deste homem incrível que dizem ter sido o maior goleiro que o Rio Grande do Sul e que entrou para a história como “o goleiro dos goleiros”, simplesmente “a Lenda”.

1953, ano do futebol a portas fechadas em Porto Alegre

Reprodução da Revista do Globo, publicação que durou de 1929 a 1967, editada em Porto Alegre.


1953 foi um ano de ouro para o futebol gaúcho, brasileiro e sul-americano. Ou, como escreveu Cid Pinheiro Cabral na Revista do Globo de 17 de outubro de 53, “foi o primeiro grande ano para o futebol profissional de Porto Alegre”. Cabral, na reportagem intitulada “Futebol a Portas Fechadas”, comemorava: “Neste ano atinge o futebol profissional de Porto Alegre uma prosperidade jamais sonhada”. Em seguida, contudo, observou: “Infelizmente, a popularidade alcançada está muito além da capacidade dos nossos estádios”.
O título da matéria “Futebol a Portas Fechadas” era uma referência ao fato de que, pela primeira vez na história futebolística da capital rio-grandense, parte dos torcedores que havia comparecido aos estádios para assistir aos jogos não conseguira entrar, por absoluto esgotamento da capacidade de acomodação nos diminutos e acanhados centros esportivos de então. E prosseguia o cronista: “Antigamente, lá de vez em quando, fechavam os portões em Porto Alegre antes das 14 horas. Mas isso só acontecia nos clássicos transcendentais, como Grêmio X Internacional, realizados em estádios que mal comportavam 10 mil pessoas. Em 1953, não. Em 1953, por ocasião do centésimo trinta Grêmio X Internacional, os portões do estádio dos Eucaliptos, com 22.500 expectadores, fecharam-se na cara de uns 2 mil a mais. E pela primeira vez isso aconteceu também em outros jogos.” Cid destacava o fato de a disputa Internacional versus Nacional (o da Chácara das Camélias) ter recebido cerca de 12 mil pessoas “em um estádio longínquo e sem acomodações, e ficaram na rua 2 mil retardatários”. O fenômeno se repetiu em outra partida – Internacional versus Força e Luz, o jogo do líder invicto contra o último colocado. Também a partida entre Renner e Internacional teve lotação esgotada.
Segundo o jornalista, “chegou, portanto, a hora de Porto Alegre – a hora do futebol a portas fechadas. Por paradoxal que pareça, futebol a portas fechadas quer dizer super popularidade. E super popularidade, em linguagem profissionalista, é um estado de bem aventurança.”
O fato do Grêmio estar quase concluindo as obras do Olímpico chegava em excelente hora, festejava o cronista: “A sorte de Porto Alegre é que o estádio do Grêmio Porto-alegrense, que abrigará, concluída a primeira parte do projeto, umas 35 mil pessoas, está andando a passos de gigante. A sorte é que o Internacional, cujo estádio na situação atual, apanha no máximo 23 mil pessoas, promete para breve uma nova forçada, no sentido de concluir o seu pavilhão central, o que ampliará em 12 mil a sua capacidade.”
É importante salientar que o futebol no Rio Grande do Sul, em 1953, tinha apenas meio século anos de existência esportiva e que só haviam sido realizadas quatro copas do mundo. Em todo o mundo, aliás, pela primeira vez se descobrira que ele, à exceção de alguns países, era agora o esporte mais popular de todos, superando o boxe, o remo e até o turfe.
Logo na abertura da sua matéria, Cid Pinheiro Cabral diz: “Positivamente, a loucura do futebol chega ao auge”, lembrando que, durante a construção do Maracanã, muitos dos seus idealizadores estimavam que o hoje Maraca só lotaria dali a muitos anos, o mesmo acontecendo com o Pacaembu, este com capacidade para 80 mil pessoas. E no entanto os dois já tinham lotado seus jogos muitas vezes nos últimos anos.
O fenômeno não era brasileiro e sim sul-americano, apontava o jornalista: “Eis que agora começa o problema a afligir também os mentores do futebol uruguaio, argentino e chileno. O Estádio Municipal de Santiago, remodelado em 1945 para o Campeonato Sul-Americano (atual Copa América), não corresponde mais ao interesse que está despertando, no Chile, o mais popular dos esportes.”
E prosseguia em sua matéria na Revista do Globo daquele ano de 53: “A Argentina tem dois grandes estádios recentemente construídos – o do Racing e o do Huracan. Mas ainda o do River Plante conserva a primazia. É o mais amplo mas começa a tornar-se pequeno. Mas também o velho estádio Centenário, inaugurado em Montevidéu por volta de 1930 sem estar concluído, torna-se objeto de atenção dos dirigentes do futebol uruguaio. Já não comporta mais o interesse que certas temporadas internacionais começam a despertar e por isso vai ser ampliado em mais 30 mil lugares.”
Fechando sua matéria “Futebol a Portas Fechadas”, Cid Pinheiro Cabral ironizava, um tanto acidamente: “Ao depararmos com esse espetáculo – que é continental – da luta da popularidade do futebol contra a relativa exiguidade dos estádios, lembramo-nos daqueles apressados e mal inspirados profetas que, por volta de 1933-34, preconizavam o fim do futebol no Brasil por haver cometido o imperdoável pecado de profissionalizar-se. Paz à alma dos que já morreram.”

quinta-feira, julho 19, 2018

Friendenreich, o mito, esteve em Porto Alegre em outubro de 1953

Arthur Friendenreich, filho de pai alemão e mãe negra, foi o primeiro grande astro do futebol brasileiro e um dos jogadores mais habilidosos de todos os tempos - dizem aqueles que o viram jogar, especialmente no Paulistano e no São Paulo. Nascido em 18 de julho de 1892 - portanto, faria 126 anos este mês - El Tigre - Friendenreich foi um centro-avante de rara inteligência, tendo feito muitos gols entre as décadas de 10 e 30 do século passado, quando abandonou o futebol, já devido à idade e ao fato de não concordar com a profissionalização da atividade. Pertencente à época romântica do "esporte bretão", não ganhou nenhum dinheiro com o futebol, tanto que, ao se afastar dos campos, passou a trabalhar em uma fábrica de bebidas. Morreu em setembro de 1969, morando em uma casa que o São Paulo, clube, lhe havia dado. 
Em outubro de 1953, já com 51 anos de idade, Friendenreich esteve em Porto Alegre, onde assistiu a um jogo do Grêmio contra o Floriano (Novo Hamburgo) e foi alvo de uma série de homenagens. A reprodução acima é da Revista do Globo. El Tigre faleceu em 1969, aos 77 anos

quarta-feira, julho 18, 2018

Força e Luz, outro clube que desapareceu do cenário esportivo de Porto Alegre

Um dos pequenos grandes clubes da capital, o Força e Luz é outra agremiação esportiva que não mais existe. Formado, em sua origem, por funcionários da Carris - empresa pública de bondes - o Força e Luz chegou a ter o melhor estádio de Porto Alegre - localizado onde, dizem, será mais um hipermercado Bourbon, entre a Ipiranga e a Protásio Alves, nas proximidades do quartel dos Bombeiros. O "estádio" da Timbaúva - esse era o nome - sediou grandes jogos, embora fosse uma modestíssima quadra de esportes, como eram todos os centros esportivos da primeira metade do século 20 em Porto Alegre. Mas o "ferrinho" tem suas glórias e sua história, como se vê nesta matéria do Correio do Povo de 1935.

Grêmio é campeão de 1960 goleando o Pelotas por 7 a 0

Em 8 de fevereiro de 1961 o Grêmio e o Pelotas, de Pelotas, fizeram a final do campeonato gaúcho de futebol do ano de 1960, que, naquela época, era disputado por regiões, com quatro finalistas - o Grêmio, primeiro da Região Metropolitana, o 14 de Julho, de Santana do Livramento, classificado pela região da Fronteira, o Nacional, de Cruz Alta, da região da Serra, e o Pelotas, representando o Litoral. No dia 8 de fevereiro, no estádio Olímpico, o time da capital aplicou a implacável goleada de 7 a 0 no Pelotas, sagrando-se campeão do Estado. Gessy fez três gols, Juarez dois, Élton um e Cardoso também um. O tricolor formou com Henrique, Sérgio, Airton Pavilhão e Ortunho; Élton e Enio Rodrigues; Cardoso, gessy, Juarez; Milton Kuelle e Vieira. O técnico era Osvaldo Rolla. Airton, que faleceu em 3 de abril de 2012, foi considerado por Pelé o maior zagueiro que ele viu jogar em todos os tempos.

terça-feira, julho 17, 2018

A "ampliação" do "estádio" dos Eucaliptos para a Copa de 1950 no Brasil

Sessenta e quatro anos antes da Copa dos 7 a 1 no Brasil, o nosso país sediava a quarta edição do evento, a primeira depois da Segunda Grande Guerra e que contava unicamente com paises convidados - muitos deles se recusaram a vir, alegando as mais variadas razões. Tal como  hoje, o torneio internacional foi dividido entre várias capitais, incluindo Porto Alegre, que sediou jogos da Suíça Iugoslávia e México. A "sede" era o modestíssimo estádio dos Eucaliptos, do Inter, remodelado e ampliado para tais jogos,Na verdade, Porto Alegre - em que pese ser a terceira força futebolística brasileira já então - não contava com nenhum estádio digno desse nome, o que envergonhava os gaúchos e motivava a campanha pela construção de um estádio municipal, nos moldes do Pacaembu e Maracanã. Algo que pode se perceber, perfeitamente, nesta foto do Correio do Povo de abril de 50.
J. Bosco, Amazônia Jornal. A Charge Online.

Renner X Floriano: um mudou de nome, o outro foi extinto

Estão aí, no velho Correio do Povo de 1953 - ano do cinquentenário gremista - dois clubes de futebol que, nominalmente, não mais existem, embora tenham deixado saudades e muita história no esporte do Rio Grande do Sul: o Esporte Clube Novo Hamburgo, que existe sim, e muito bem, mas queentão se chamava Floriano, e o Renner, campeão gaúcho de 1954, com Ênio Andrade e companhia. O Novo Hamburgo, ex-Floriano, chegou ao seu máximo quando, em 2017, conquistou o título estadual gaúcho - também disputou o campeonato brasileiro de 1979, em única participação (aquela em que o Inter foi campeão). Já o Renner simplesmente foi extinto no final da década de 50, por decisão de seu grande patrono, o industrial A.J.Renner. Já o Nóia, apelido carinhoso, com sua cores branco e azul anil, tem mais de 100 anos de história, tendo se chamado, originalmente, Novo Hamburgo. Obrigou-se a usar o nome Floriano em decorrência da Segunda Grande Guerra, quando qualquer coisa que lembrasse os países do eixo era mal vista pelas autoridades. O Renner - talvez devido ao poderio econômico da grande empresa que ainda existe - conservou-se como Renner.
*O Esporte Clube Novo Hamburgo foi fundado em primeiro de maio de 1911, em NH, e só passou a se chamar Floriano em 1942. No final da década de 60 voltou à sua denominação original. Curiosamente, o site oficial do clube, bem pobrezinho, não registra nada disso.