Millor Fernandes tem 86 anos. Não é incrível? O cara está aí, durando igual rocha.
Passei minha vida toda lendo e admirando o Millor, quase um gênio. Pasquim, Veja, isso tudo. E agora vejo que o cara tem 86 anos, caramba!
Mudando pra pior - acho eu: o Delfim Neto também tem mais de oitenta anos!
Passei e minha juventude achando que ele era a personificação do mal, da direita, da ditadura, da concentração de renda.
E não é que o cara agora aparece na tevê Bandeirantes, dando opinião sobre tudo, moderado, racional, até simpático.
Millor, frase: o supremo mistério?
É quando o soldado desconhecido recebe uma carta anônima.
Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
terça-feira, novembro 30, 2010
Porto Alegre não tem um milhão e meio de habitantes. Foi o que constatou o IBGE, nesse último censo. Não me surpreende, parece natural. A capital gaúcha é a que menos cresce no Brasil, felizmente. Quando cheguei aqui, em 1979, verão, ela tinha um milhão e cem mil habitantes. O que cresceu mesmo foi a zona metropolitana.
Tem gente que duvida das estatísticas do IBGE. Trabalhei no IBGE, censo 2000, e eles eram bem rigorosos. Foi, aquele, um censo bem feito, acho que bem melhor do que este de 2010, que, pelo que todo mundo sabe, teve vários problemas.
Coordenei uma equipe de seis recenseadores, que no final era de somente dois ou três.
Censo é um negócio incrível, tudo acontece, inclusive com recenseadores. Os caras entram de casa em casa, vêem tudo, anotam tudo.
A minha zona era a Bela Vista, a Boa Vista, as Três Figueiras. Zonas de ricos, ou quase. Gente que não gosta de reponder a nenhuma pergunta, e muito menos de abrir a porta. Mas, há dez anos atrás, a coisa era bem mais fácil do que agora. Pelo que vi em reportagens, o medo da violência - que aumentou muito - dificultou ainda mais as coisas.
Naquela época nos diziam que todo mundo era obrigado a responder ao censo. Se quiséssemos, poderíamos até chamas a Brigada. Um exagero, mas tudo bem, ótimo. Agora parece que muita gente simplesmente ignorou o censo, fechou, bateuas portas. Novos tempos etc etc.
O IBGE é sério, eu disse. É mesmo, verdade. Mas trabalhar com o público é foda, tem suas variantes. Muita gente mente, e você tem que anotar as suas mentiras, mesmo sabendo que aquilo que ele diz é uma mentira descarada.
Por exemplo, notei, e comprovei, que o pessoal da grana diminui a renda, sempre. No ano de 2000 todos eles diziam que ganhavam 2 mil reais - mais ou menos 4 mil hoje. Claro que você sabia que o sujeito ganhava muito mais do que isso, bstava ver o apartamento ou a casa em que ele morava. Nos recebiam com um pé atrás, sempre temendo que aquilo que diziam fosse utilizado pelo imposto de renda. Bom, nos diziam, então, que nada do que o entrevistado declarasse seria utilizado por outra fonte. Acho que era verdade - hoje não sei mais.
Falei que o pessoal da grana "minimizava" a renda. Pois é, e o pessoal mais pobre - incrustados entre eles - já agia ao contrário. Com vergonha do pouco que ganhavam, aumentavam a renda.
Disso tudo concluí uma coisa: renda declarada é uma ficção, não existe, não corresponde à realidade. Quando divulgam que o brasileiro ganha isso ou aquilo, dou risada:ficção, simplesmente.
A propósito: não entendi essa de não ter uma pergunta sobre o nível de escolaridade. No censo 2000 existia essa pergunta, indispensável a meu ver.
Fui recenseado também. Apareceu lá uma menina meio andrógina que me endereçou meia dúzia de perguntas, inclusive aquela de "o senhor tem luz elétrica?" Mandei ela olhar para a lâmpada que nos alumiava.
Tem gente que duvida das estatísticas do IBGE. Trabalhei no IBGE, censo 2000, e eles eram bem rigorosos. Foi, aquele, um censo bem feito, acho que bem melhor do que este de 2010, que, pelo que todo mundo sabe, teve vários problemas.
Coordenei uma equipe de seis recenseadores, que no final era de somente dois ou três.
Censo é um negócio incrível, tudo acontece, inclusive com recenseadores. Os caras entram de casa em casa, vêem tudo, anotam tudo.
A minha zona era a Bela Vista, a Boa Vista, as Três Figueiras. Zonas de ricos, ou quase. Gente que não gosta de reponder a nenhuma pergunta, e muito menos de abrir a porta. Mas, há dez anos atrás, a coisa era bem mais fácil do que agora. Pelo que vi em reportagens, o medo da violência - que aumentou muito - dificultou ainda mais as coisas.
Naquela época nos diziam que todo mundo era obrigado a responder ao censo. Se quiséssemos, poderíamos até chamas a Brigada. Um exagero, mas tudo bem, ótimo. Agora parece que muita gente simplesmente ignorou o censo, fechou, bateuas portas. Novos tempos etc etc.
O IBGE é sério, eu disse. É mesmo, verdade. Mas trabalhar com o público é foda, tem suas variantes. Muita gente mente, e você tem que anotar as suas mentiras, mesmo sabendo que aquilo que ele diz é uma mentira descarada.
Por exemplo, notei, e comprovei, que o pessoal da grana diminui a renda, sempre. No ano de 2000 todos eles diziam que ganhavam 2 mil reais - mais ou menos 4 mil hoje. Claro que você sabia que o sujeito ganhava muito mais do que isso, bstava ver o apartamento ou a casa em que ele morava. Nos recebiam com um pé atrás, sempre temendo que aquilo que diziam fosse utilizado pelo imposto de renda. Bom, nos diziam, então, que nada do que o entrevistado declarasse seria utilizado por outra fonte. Acho que era verdade - hoje não sei mais.
Falei que o pessoal da grana "minimizava" a renda. Pois é, e o pessoal mais pobre - incrustados entre eles - já agia ao contrário. Com vergonha do pouco que ganhavam, aumentavam a renda.
Disso tudo concluí uma coisa: renda declarada é uma ficção, não existe, não corresponde à realidade. Quando divulgam que o brasileiro ganha isso ou aquilo, dou risada:ficção, simplesmente.
A propósito: não entendi essa de não ter uma pergunta sobre o nível de escolaridade. No censo 2000 existia essa pergunta, indispensável a meu ver.
Fui recenseado também. Apareceu lá uma menina meio andrógina que me endereçou meia dúzia de perguntas, inclusive aquela de "o senhor tem luz elétrica?" Mandei ela olhar para a lâmpada que nos alumiava.
segunda-feira, novembro 29, 2010
Hoje, não sem bem o porquê, acordei lembrando dos tempos em que Porto Alegre fedia ao cheiro da Borregard.
Era o final dos anos setenta, e a cidade - em determinadas horas, quando o vento estava a favor (ou contra, melhor dizendo) - cheirava a ovo podre, a enxofre.
Por que lembrei disso? Deve ser o céu cinzento e a garoa muito fina que está caindo lá fora.
................................................
Naquele tempo nós morávamos na JUC-7, uma casa de estudante que havia ali na rua da República, na Cidade Baixa. O prédio - muito velho e carcomido - foi demolido faz anos e hoje é um edifício moderno, com comércio e apartamentos.
Passaram pela JUC-7 muitas figuras interessantes. Os tempos eram de ditadura militar e formávamos uma família (a ingenuidade da idade) - todos, ou quase todos, eram de esquerda, naturalmente.
A Cidade Baixa, naquela época, não era nem mesmo a sombra do que é hoje. A rua da República, naquele trecho, só tinha o Van Gogh, na esquina com a João Pessoa, uma farmácia, um bar pé-sujo no meio da quadra e a padaria na esquina com a José do Patrocínio.
Porto Alegre era uma cidade sonolenta, sem bares, quase sem orelhões (a maioria estragados ou depredados). Tediosa, diria eu.
Hoje toda aquela Cidade Baixa é um amontoado de bares, cafés, restaurantes, bistrôs, o escambau. Pena que o Bar do Adriano - que vendia cachaça de toda espécie a 2 reais - tenha fechado há poucos anos. Não há, hoje, nenhum bar verdadeiramente popular naquela zona toda, o que é uma carência.
....................................................................................
Na JUC-7 moravam então dois nicaraguenses. Um era sandinista e o outro era somozista. Os dois mal se falavam e um desconfiava do outro.
Para quem não lembra, 1979 foi o ano da vitória da Revolução Sandinista que tirou Anastácio Somoza do poder. Polarização total.
O nicaraguense sandinista estudava enganharia, bebia pra caralho e era da nossa turma. Costumava, lembro, frequentar o Parque da Redenção nos finais de semana à noite, para pegar as bichas da hora. Moreno e magro, boa pinta, tinha pouca grana e era da "linha stalinista" russa.
O somozista era branco, gordo, falava inglês e ouvia música americana a todo volume em seu quarto. Tinha dinheiro e não frequentava o nosso grupo. Me disse uma vez que tinha viajado a Miami em um avião, junto com um dos filhos de Somoza, para uma grande farra. O considerávamos de direita, naturalmente - e nessa caso a avaliação era mais do que justa.
Norman era o nome do sandinista. Seu pai era médico em uma cidade do interior da Nicarágua. Por nossas mãos, Normam conheceu boa parte do interior do Rio Grande do Sul. Espantava-se com a beleza das gaúchas e com a riqueza do Rio Grande (em comparação à terra dele). Um dia lhe perguntei se as mulheres nicaraguenses eram bonitas. Foi, creio, sincero ao responder: "Não."
...............................................................
Uma noite nós, estudantes - o nosso grupo mais fechado, melhor falando - estava bebendo cerveja e discutindo alto (política, naturalmente) em um daqueles bares quando fomos surpreendidos por agentes do DOPS que estavam ali, na mutuca, à espreita.
De repente todos começaram a apanhar. Baixinho, que era o presidente da Casa e o mais velho e mais radical, levou um 'telefone' nas orelhas que deve estar zunindo até hoje.
Em 1979 o AI-5 já havia caído e vivia-se a redemocratização "lenta, gradual e segura" mas os gorilas da "comunidade de informação" e da repressão ainda estavam com tudo.
Baixinho, o presidente, era (e é, acredito) jornalista. Com o final da ditadura ficou sem objetivos, sem um sentido para a vida. Já bebia muito e às vezes tentava se matar - de mentirinha, é claro, pra chamar a atenção.
Dizem que depois foi para o Rio, onde virou gay, sem maiores constrangimentos.
Era o final dos anos setenta, e a cidade - em determinadas horas, quando o vento estava a favor (ou contra, melhor dizendo) - cheirava a ovo podre, a enxofre.
Por que lembrei disso? Deve ser o céu cinzento e a garoa muito fina que está caindo lá fora.
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Naquele tempo nós morávamos na JUC-7, uma casa de estudante que havia ali na rua da República, na Cidade Baixa. O prédio - muito velho e carcomido - foi demolido faz anos e hoje é um edifício moderno, com comércio e apartamentos.
Passaram pela JUC-7 muitas figuras interessantes. Os tempos eram de ditadura militar e formávamos uma família (a ingenuidade da idade) - todos, ou quase todos, eram de esquerda, naturalmente.
A Cidade Baixa, naquela época, não era nem mesmo a sombra do que é hoje. A rua da República, naquele trecho, só tinha o Van Gogh, na esquina com a João Pessoa, uma farmácia, um bar pé-sujo no meio da quadra e a padaria na esquina com a José do Patrocínio.
Porto Alegre era uma cidade sonolenta, sem bares, quase sem orelhões (a maioria estragados ou depredados). Tediosa, diria eu.
Hoje toda aquela Cidade Baixa é um amontoado de bares, cafés, restaurantes, bistrôs, o escambau. Pena que o Bar do Adriano - que vendia cachaça de toda espécie a 2 reais - tenha fechado há poucos anos. Não há, hoje, nenhum bar verdadeiramente popular naquela zona toda, o que é uma carência.
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Na JUC-7 moravam então dois nicaraguenses. Um era sandinista e o outro era somozista. Os dois mal se falavam e um desconfiava do outro.
Para quem não lembra, 1979 foi o ano da vitória da Revolução Sandinista que tirou Anastácio Somoza do poder. Polarização total.
O nicaraguense sandinista estudava enganharia, bebia pra caralho e era da nossa turma. Costumava, lembro, frequentar o Parque da Redenção nos finais de semana à noite, para pegar as bichas da hora. Moreno e magro, boa pinta, tinha pouca grana e era da "linha stalinista" russa.
O somozista era branco, gordo, falava inglês e ouvia música americana a todo volume em seu quarto. Tinha dinheiro e não frequentava o nosso grupo. Me disse uma vez que tinha viajado a Miami em um avião, junto com um dos filhos de Somoza, para uma grande farra. O considerávamos de direita, naturalmente - e nessa caso a avaliação era mais do que justa.
Norman era o nome do sandinista. Seu pai era médico em uma cidade do interior da Nicarágua. Por nossas mãos, Normam conheceu boa parte do interior do Rio Grande do Sul. Espantava-se com a beleza das gaúchas e com a riqueza do Rio Grande (em comparação à terra dele). Um dia lhe perguntei se as mulheres nicaraguenses eram bonitas. Foi, creio, sincero ao responder: "Não."
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Uma noite nós, estudantes - o nosso grupo mais fechado, melhor falando - estava bebendo cerveja e discutindo alto (política, naturalmente) em um daqueles bares quando fomos surpreendidos por agentes do DOPS que estavam ali, na mutuca, à espreita.
De repente todos começaram a apanhar. Baixinho, que era o presidente da Casa e o mais velho e mais radical, levou um 'telefone' nas orelhas que deve estar zunindo até hoje.
Em 1979 o AI-5 já havia caído e vivia-se a redemocratização "lenta, gradual e segura" mas os gorilas da "comunidade de informação" e da repressão ainda estavam com tudo.
Baixinho, o presidente, era (e é, acredito) jornalista. Com o final da ditadura ficou sem objetivos, sem um sentido para a vida. Já bebia muito e às vezes tentava se matar - de mentirinha, é claro, pra chamar a atenção.
Dizem que depois foi para o Rio, onde virou gay, sem maiores constrangimentos.
Nessa guerra do Rio, ao retomarem o morro do Alemão, os policiais penetraram na residência abandonada de um dos reis do tráfico, algo "luxuoso", disseram os repórteres.
A medida que a gente acompanhava, via o flagrante exagero. O apartamento - ou algo que o valha - tinha, disseram, "ar condicionado em todas as peças", TV LCD, geladeira com fibra de não sei o quê e, pasmem, uma piscina - uma piscininha de criança, no topo, ao lado de uma churrasqueira com um saco de carvão ao lado. Ah, e uma banheira de hidromassagem...
É forçar muito a barra - qualquer casa de um proprietário de padaria do subúrbio dispõe dessas comodidades hoje em dia. Aliás, pensei que, pelo que esses bandidos faturam, deveriam ter bem mais do que aqueles eletrodomésticos e "luxos" de qualquer médico mais ou menos bem sucedido.
Nem computador havia ali.
A medida que a gente acompanhava, via o flagrante exagero. O apartamento - ou algo que o valha - tinha, disseram, "ar condicionado em todas as peças", TV LCD, geladeira com fibra de não sei o quê e, pasmem, uma piscina - uma piscininha de criança, no topo, ao lado de uma churrasqueira com um saco de carvão ao lado. Ah, e uma banheira de hidromassagem...
É forçar muito a barra - qualquer casa de um proprietário de padaria do subúrbio dispõe dessas comodidades hoje em dia. Aliás, pensei que, pelo que esses bandidos faturam, deveriam ter bem mais do que aqueles eletrodomésticos e "luxos" de qualquer médico mais ou menos bem sucedido.
Nem computador havia ali.
Na Londres incendiada pelos bombardeios alemães, Winston Churchill saía às ruas e ia ver pessoalmente o estado das coisas. Também usava aviões da RAF para vistoriar os danos, sem demonstrar medo, só coragem e valentia - como se espera de um político e governante, num caso desses.
Não foi o caso das autoridades do Rio de Janeiro, Governador e Prefeito. Enquanto uma guerra acontecia - com ampla supremacia do Estado e, diga-se, nem mesmo uma baixa fatal entre as tropas de segurança ou entre as dezenas de jornalistas que acompanhavam tudo de perto, perigosamente de perto - os dois insignes mandatários enviavam notas, por meio de suas assessorias, dizendo-se "orgulhosos de sua polícia" e agradecendo à população.
Ora, o que se espera, em momentos assim, é que pelo menos coloquem um capacete e vão até lá, onde estão acontecendo as coisas. Não adianta nada, em termos práticos, óbvio, mas tem um efeito psicológico sobre os cidadãos, mostra que eles, afinal, não são galinhas covardes e merecem os votos que ganharam.
É, mas não tiveram essa coragem. Nem Cabral nem o Paes tiveram peito de ir sequer perto do front de operações.
Com certeza estavam entrincheirados em seus bunkers palacianos, vendo tudo pela tevê. Êta Brasil corajoso o dos governantes de plantão!
Não foi o caso das autoridades do Rio de Janeiro, Governador e Prefeito. Enquanto uma guerra acontecia - com ampla supremacia do Estado e, diga-se, nem mesmo uma baixa fatal entre as tropas de segurança ou entre as dezenas de jornalistas que acompanhavam tudo de perto, perigosamente de perto - os dois insignes mandatários enviavam notas, por meio de suas assessorias, dizendo-se "orgulhosos de sua polícia" e agradecendo à população.
Ora, o que se espera, em momentos assim, é que pelo menos coloquem um capacete e vão até lá, onde estão acontecendo as coisas. Não adianta nada, em termos práticos, óbvio, mas tem um efeito psicológico sobre os cidadãos, mostra que eles, afinal, não são galinhas covardes e merecem os votos que ganharam.
É, mas não tiveram essa coragem. Nem Cabral nem o Paes tiveram peito de ir sequer perto do front de operações.
Com certeza estavam entrincheirados em seus bunkers palacianos, vendo tudo pela tevê. Êta Brasil corajoso o dos governantes de plantão!
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