Dizer que o crack é uma epidemia já virou lugar comum, muito embora pouco ou quase nada se faça a respeito. Mas ver quem são, o que fazem e como reagem os usuários dessa substância seis vezes mais poderosa que a cocaína é outra coisa bem diferente.
Pois eu vi e conheço tais pessoas e elas moram aqui, bem perto de mim, em uma pequena vila popular que tem o sugestivo nome de "Cachorro Sentado". Conheci-os por intermédio de um amigo meu, que fuma crack, bebe e cheira cocaina, sem contar a maconha. É um bom sujeito, trabalha, tem familia e aparenta trinta e poucos anos. Porém é viciado e há tempos não consegue sair dessa. Às vezes sai pela noite, vendendo qualquer coisa de casa, para comprar a pedra.
Uma noite ele foi ao meu apartamento com uma amiga sua - se é que assim se pode chamar os laços entre eles - e, de repente, sem nenhum ceriônia, sacou de um "cachimbo" improvisado, colocou o produto e começou a fumar, junto com a menina, bem mais nova. Ela, muito bonita, inteligente e alegre em estado normal, hoje se prostitui e, se preciso for, rouba para sustentar o vício.
Não sei porque, talvez por curiosidade ou omissão, sei lá, não expulsei-os de casa. Pelo contrário: preso de tal curiosidade quase mórbida passei a observá-los fumando, algo que eu nunca tinha visto antes. Já vi usuários de outras drogas, especialmente cocaína - que deixa o cara agitado na maioria das vezes, falador e se julgando o dono do mundo - mas jamais havia observado a turma da "pedra" sob o seu efeito.
Eles fumaram em silêncio, quase religiosamente - e, então, de repente, o efeito apareceu. Ele começou a andar a passos medidos pela sala, como um felino acuado, olhando tudo e prestando atenção a sons que eu não escutava - não escutava porque simplesmente não existiam. De repente mirou-me desconfiadamente e perguntou: "Você não é polícia não?". Sorri sem jeito e disse que ele me conhecia, e que a pergunta era absurda e sem sentido. Ele, em seguida, colocou a mão nos lábios, e começou a repetir "tá ouvindo?, tá ouvindo?", referindo-se a algum som, real ou imaginário, que vinha do corredor ou da janela. Senti que tinha medo, e isso se refletia no seu rosto. Ela, por sua vez, sentou-se no sofá e subitamente tornou-se triste, sombria e derrotada. Alguns minutos depois, como zumbi, começou a mexer e arranhar a fechadura: tinha medo, queria sair, ir embora, ganhar a rua. Talvez pensasse que eu ia matá-la.
Naquele instante preciso eu soube que estava contemplando a tão falada "neura" ou "nóia" dos viciados do crack, aquele estado em que um monstro abissal e negro emerge das profundezas da alma afetada e mostra o poder das suas garras. Confesso: foi uma visão deprimente que me tocou especialmente.
O que havia ali, naqueles poucos minutos, era a chegada de uma nuvem negra que destruía qualquer possibilidade de alegria ou de esperança, era um homem e uma mulher dominados por algo que puxava-os para baixo - sem exagero, para uma espécie de inferno incompreensível para outra pessoa que neles nãotenha entrado.
Não sou moralista e nem santo, já vi e vivi muitas coisas. Mas contemplar os efeitos do crack me abalou em particular. Abalou porque continuei não entendendo o sentido daquilo, o "barato" da coisa. Caramba, que droga é essa que deixa a pessoa assim, caidaça, e por que uma pessoa curte se transformar nessa coisa escura, desconfiada, medrosa, externando no rosto algo que, mal comparando, a mim se assemelhava ao estado de espírito de alguém que recebeu a notícia da morte de algum amigo ou familiar?, um "estado de luto". (Vitor)
Pois eu vi e conheço tais pessoas e elas moram aqui, bem perto de mim, em uma pequena vila popular que tem o sugestivo nome de "Cachorro Sentado". Conheci-os por intermédio de um amigo meu, que fuma crack, bebe e cheira cocaina, sem contar a maconha. É um bom sujeito, trabalha, tem familia e aparenta trinta e poucos anos. Porém é viciado e há tempos não consegue sair dessa. Às vezes sai pela noite, vendendo qualquer coisa de casa, para comprar a pedra.
Uma noite ele foi ao meu apartamento com uma amiga sua - se é que assim se pode chamar os laços entre eles - e, de repente, sem nenhum ceriônia, sacou de um "cachimbo" improvisado, colocou o produto e começou a fumar, junto com a menina, bem mais nova. Ela, muito bonita, inteligente e alegre em estado normal, hoje se prostitui e, se preciso for, rouba para sustentar o vício.
Não sei porque, talvez por curiosidade ou omissão, sei lá, não expulsei-os de casa. Pelo contrário: preso de tal curiosidade quase mórbida passei a observá-los fumando, algo que eu nunca tinha visto antes. Já vi usuários de outras drogas, especialmente cocaína - que deixa o cara agitado na maioria das vezes, falador e se julgando o dono do mundo - mas jamais havia observado a turma da "pedra" sob o seu efeito.
Eles fumaram em silêncio, quase religiosamente - e, então, de repente, o efeito apareceu. Ele começou a andar a passos medidos pela sala, como um felino acuado, olhando tudo e prestando atenção a sons que eu não escutava - não escutava porque simplesmente não existiam. De repente mirou-me desconfiadamente e perguntou: "Você não é polícia não?". Sorri sem jeito e disse que ele me conhecia, e que a pergunta era absurda e sem sentido. Ele, em seguida, colocou a mão nos lábios, e começou a repetir "tá ouvindo?, tá ouvindo?", referindo-se a algum som, real ou imaginário, que vinha do corredor ou da janela. Senti que tinha medo, e isso se refletia no seu rosto. Ela, por sua vez, sentou-se no sofá e subitamente tornou-se triste, sombria e derrotada. Alguns minutos depois, como zumbi, começou a mexer e arranhar a fechadura: tinha medo, queria sair, ir embora, ganhar a rua. Talvez pensasse que eu ia matá-la.
Naquele instante preciso eu soube que estava contemplando a tão falada "neura" ou "nóia" dos viciados do crack, aquele estado em que um monstro abissal e negro emerge das profundezas da alma afetada e mostra o poder das suas garras. Confesso: foi uma visão deprimente que me tocou especialmente.
O que havia ali, naqueles poucos minutos, era a chegada de uma nuvem negra que destruía qualquer possibilidade de alegria ou de esperança, era um homem e uma mulher dominados por algo que puxava-os para baixo - sem exagero, para uma espécie de inferno incompreensível para outra pessoa que neles nãotenha entrado.
Não sou moralista e nem santo, já vi e vivi muitas coisas. Mas contemplar os efeitos do crack me abalou em particular. Abalou porque continuei não entendendo o sentido daquilo, o "barato" da coisa. Caramba, que droga é essa que deixa a pessoa assim, caidaça, e por que uma pessoa curte se transformar nessa coisa escura, desconfiada, medrosa, externando no rosto algo que, mal comparando, a mim se assemelhava ao estado de espírito de alguém que recebeu a notícia da morte de algum amigo ou familiar?, um "estado de luto". (Vitor)