O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Me lembrei desta frase de São Paulo (não a cidade e sim apóstolo cristão) quando li a notícia de que finalmente Felipão pediu para sair do comando da seleção, resultado do desastre da Copa que ele, desnecessariamente, disse que tínhamos "obrigação de ganhar".
Felipão - que já é rico e dono de incontáveis imóveis e outros interesses, segundo me disseram - poderia ter sido lembrado como o comandante do penta, o homem que, em 2002, assinou seu nome no livro-ouro da história do futebol brasileiro, ganhando a Copa do Japão-Coréia de forma, senão brilhante, pelo menos eficiente e convincente. Aquela conquista, por si só, bastaria para encher de orgulho e honra qualquer um - além de render uma boa grana, é claro. Seria, no meu entender, o momento de sair por cima, como fez Pelé (e não como fez Schumacher, o piloto), repleto de louros e do reconhecimento de todos os brasileiros.
Quando, tempos atrás, ventilaram a possibilidade de ser Felipão o técnico do Brasil nesta Copa jogada em casa, eu disse para algumas pessoas: "Ah, ele não vai aceitar! Prá que arriscar tudo em um empreendimento arriscado", uma loteria, já que estava evidente que o nosso futebol, ao longo do tempo, desde 2002, mostrava-se enfraquecido e empobrecido tecnicamente. Além disso era o momento apropriado para outro treinador, de dar vez a uma outra pessoa, outro profissional. Era a hora de Scolari, que já não é garoto, entrar na galeria das personalidades, no panteão do futebol, como o grande vencedor que sempre foi, no passado.
Mas, alguém que o conhece pessoalmente, me disse: "Ele vai aceitar. Conheço o gringo e sei como ele gosta de dinheiro". Mesmo assim, duvidei, até porque o homem já tem muito dinheiro, e aceitar ser novamente técnico do selecionado canarinho teria apenas estas explicações: vaidade, gosto pelo poder e, sobretudo, amor ao dinheiro - daí ter me lembrado de São Paulo, o apóstolo.
Agora, depois do grande vexame, Felipão saiu, porque quase ninguém mais quer ele no cargo, porque foi vaidoso, arrogante e cobiçoso, e não havia mais como permanecer. E porque, mais do que tudo, foi inoperante e incompetente tecnicamente, um profissional sem criatividade, desatualizado, o típico sujeito que acha que a sua "estrela" (e muita gente confiou nela para ganhar o hexa) era superior a tudo, como se, como Felipão, o Destino também jogasse do nosso lado. E a imprensa, sempre volúvel e burra - apoiada por interesses comerciais evidentes - adorou ter Felipão de volta. A mesma imprensa que hoje o crucifica e o esculacha, até de modo excessivo e desrespeitoso. O povo brasileiro, entrando na onda - e confiando ainda no "carisma" de tiozão birrento e simpático, além de vencedor de títulos internacionais de clubes, do gaúcho de bigode - também apoiou tal escolha com certo entusiasmo. Muricy Ramalho não quis aceitar - então era para ser o Felipão, pensava-se.
Só que o Felipão que assumiu o controle da seleção brasileira para a Copa de 2014 já não parecia mais o mesmo, assim como um sujeito muito rico - mas que ainda quer mais cascalho - não é mais aquele que estava tentando chegar lá e fazer patrimônio.
Assim como Ronaldo Nazário e alguns outros craques, Felipão deixou de ser o profissional interessado e amante do futebol para colocar o "esporte bretão" em uma posição secundária na sua vida. Desatualizou-se, deixou de estudar técnicas e táticas, para se transformar em uma empresa, uma grande empresa comercial e lucrativa que arrecada muitos milhões, que anuncia toda sorte de produtos - e nunca ninguém anunciou tanta coisa em anúncios de tevê quanto o ex-técnico do Brasil de Pelotas, do Criciúma, do Grêmio e do Palmeiras. Até sua mulher virou garota-propaganda, imaginem só.
Acho que foi nesse momento que ele deixou de ter tempo (ou vontade) para ser o velho Felipão do futebol e se tornou uma griffe, um figurão, um medalhão da publicidade brasileira. Talvez - e acredito nisso - tantos negócios e envolvimentos comerciais tenham feito com que sua cabeça se voltasse bem mais para este lado e o futebol tenha ficado em plano secundário nas suas preocupações. Imagino uma cena assim: empresários, procuradores, vendedores, todos à sua volta, propondo coisas para ganhar dinheiro, tomando seu tempo, sua mente, suas horas do dia e da noite. Edifícios, casas, empresas, terrenos - pensar nessas coisas absorve e consome uma pessoa. E o futebol ia descendo degraus nas suas prioridades imediatas. Ou seja: ele entrou na mentalidade da CBF e passou a praticá-la. Queria mais e mais milhões de reais, de dólares e de euros. Queria ser um grande milionário. O dinheiro lhe subiu à cabeça.
Foi por isso, o amor ao dinheiro, a raiz de todos os males, que aceitou ser novamente treinador da seleção brasileira - é o que eu sinceramente penso. Não queria apenas ser muito rico, como já era:queria ser muitíssimo rico, assim como Ronaldo Nazário, Neymar (o mesmo caso) e outros que deixaram de ser homens e profissionais para se transformarem em marcas e empresas que geram milhões. Nesse sentido o técnico brasileiro é um protótipo, um tipo - e não há muita coisa de pessoal que o desabone, afora isso.
Não sei onde o Felipão vai gastar o seu dinheiro - dizem, aliás, que ele é um homem sovina e que não gosta nem de pagar uma cerveja para alguém. Como fazer isso, e aonde e como, ah, para tanto não faltam locais e oportunidades - embora alguns tenham apenas fixação de acumular mais e mais (Freud explica). Mas também sei de uma coisa: ele, nesta sua segunda passagem pelo comando da seleção, ganhou ainda mais dinheiro do que a primeira vez e certamente terá condições de oferecer vida luxuosa para várias gerações de seus descendentes. Como diz o gaúcho, está com a guaiaca recheada, e de moedas de ouro de alto quilate.
Ganhar muito dinheiro não deve ser ruim - eu não sei como é, mas não deve ser ruim, pelo contrário. Pena que, para alguns, isso seja um túnel sem fim, uma estrada sem ponto de chegada, um voo sem limites. Pena que não saibam parar, mesmo já tendo tanto. E pena que, para isso, deixem de ser humanos, como a maioria, e se tornem cifrões, marcas, griffes.
Felipão poderia ter sido lembrado como o grande comandante do penta - bastaria não ter aceitado ser mais uma vez o técnico, ter se resguardado e usufruído do carinho e do respeito da nação pelos méritos indiscutíveis que tinha. Mas, assim como um jogador compulsivo nos cassinos de Las Vegas, preferiu arriscar tudo para ganhar o grande prêmio. E ganhou - em dinheiro ganhou o grande prêmio e levou milhões para casa. Mas, como homem e profissional, ficou bem menor e menos digno de respeito. Agora será lembrado pelos 7 a 1 que levamos da Alemanha e pelos 3 a 0 da Holanda, pelo rebaixamento do Palmeiras e não terá argumentos para contestar aqueles que o consideravam ultrapassado.
Mas, claro, poderá esquecer isso tudo a bordo de um iate luxuoso e vivendo uma vida luxuosa de celebridade holiudiana que, se tem tantos milhões, já não tem mais talentos a oferecer. É, às vezes os gigantes se apequenam por conta própria. Fizeram a sua opção de ser cifrões e não pessoas ou profissionais. (Vitor Minas)