sexta-feira, setembro 27, 2024

Sessão Nostalgia: 2008 no Felizardo Furtado.

 

Eram crianças em julho de 2008 - 16 anos atrás. Moradores do Condomínio Felizardo Furtado. Como estarão agora, eis a pergunta.

quarta-feira, agosto 28, 2024

Futebol eficiente e valentia: Grêmio campeão do mundo

 


Futebol eficiente, aplicação, valentia e preparação: o Grêmio é campeão mundial de 1983

Correio do Povo: chamada de página inteira para a transmissão de Tóquio

Um jogo de muita aplicação e pouca inspiração. Assim a revista Veja de 21 de dezembro de 1983 noticiou a conquista, pelo Grêmio Porto-alegrense, do título mundial de clubes disputado em Tóquio, no Japão. A final, de uma só partida, sem interferência da Fifa, se chamava Copa Toyota – em alusão ao patrocinador – e também Copa Intercontinental, por envolver os dois grandes continentes futebolísticos, Europa e América. Em 2017, a entidade reconheceu o Grêmio como legítimo campeão mundial de clubes daquele ano.
Sob o título “Carnaval em dezembro – o Grêmio Ganha o campeonato Mundial de Clubes e brilha na entre-safra do futebol”, a revista semanal de maior circulação do País destacou o contexto desanimador do futebol brasileiro de então, que vinha da decepcionante derrota da seleção na Copa de 82, disputada na Espanha. “Qual o País que, vivendo uma crise de entressafra como a que estamos atravessando, consegue fazer dois campeões mundiais em apenas três anos?”, perguntava, em tom de desafio, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Giulite Coutinho. Ele se referia não só à conquista do tricolor gaúcho como também, dois anos antes, a do Flamengo, do Rio, que havia se sagrado campeão mundial na capital do Japão ao vencer do Liverpool da Inglaterra por 3 a 0. Desta vez, ao superar o Hamburgo da Alemanha por 2 a 1, o Grêmio de Porto Alegre – ainda segundo Veja – “teve competência suficiente, além de muita valentia, para vencer um adversário que ganhou o campeonato europeu e acaba de ser eleito pela revista inglesa Word Soccer a melhor equipe do ano em todo o mundo”. O Hamburgo havia sido campeão da Liga dos campeões da UEFA ao vencer a Juventus de Turim por 1 a 0. O Grêmio, por sua vez, conquistara pela primeira vez a Libertadores ao bater o Penharol de Montevidéu, no Olímpico Monumental, por 2 a 1 no segundo jogo.
Veja apontava que “sempre exigentes, torcedores de outros clubes lamentaram a falta de grandes jogadas e toques mágicos ao longo de uma partida transmitida pela TV para milhões de espectadores em todo o planeta”, para em seguida ressaltar a apoteose que foi a chegada da delegação tricolor à capital gaúcha: “Os gremistas não tinham do que se queixar: fiéis ao código das paixões do futebol, eles improvisaram um carnaval em dezembro para festejar, em Porto Alegre, o mais luminoso título já alcançado em toda a história do clube”. Traçando uma analogia do futebol eficiente do Grêmio no Japão, no dia 11 de dezembro, com o da seleção canarinho que brilhou na Espanha, mas não chegou ao título ao perder para a Itália no estádio de Sarriá, em Barcelona, a 5 de julho de 82, a revista sentenciou: “De que adianta formar um time de artistas se a vitória não viera?”
O feito do Grêmio, 35 anos atrás, tinha também explicações extra-campo, como destacou a publicação da Editora Abril, ao referir-se à minuciosa preparação do escrete tricolor e à custosa – para a época – infraestrutura que precedeu o confronto no Estádio Nacional de Tóquio: “Até que o zagueiro uruguaio Hugo de León, capitão do Grêmio, pudesse levantar a taça em Tóquio, o time gaúcho teve de cumprir uma dura, demorada trajetória, durante a qual se viu compelido a mexer no time e nos cofres. O atacante Tita, por exemplo, um dos heróis da conquista da Libertadores da América, em julho, foi requisitado pelo Flamengo, que o emprestara ao Grêmio, e abriu vaga para o veterano Paulo César Caju, responsável por uma bisonha atuação no jogo de Tóquio.
A preparação do Grêmio para a decisão em Tóquio havia durado quatro meses, com um gasto de mais de 300 mil dólares, pagos pelos patrocinadores japoneses, e incluía concentrar os jogadores em uma estância climática em Gramado, importar teipes das partidas do Hamburgo e fretar um avião para levar 300 pessoas ao Japão.
Veja aproveitou a ocasião para entrevistar um gremista ilustre que, já longe do poder, pouco falava com a imprensa – o ex-presidente brasileiro, general Emílio Garrastazzu Médici, então com 78 anos. Médici interrompeu o seu retiro de verão em Dom Pedrito, na campanha gaúcha, para seguir de carro, em companhia da mulher, até Porto Alegre, onde, segundo explicou, a televisão pegava bem melhor do que em sua fazenda. Gremista fiel, o general torcia também pelo Flamengo, e pelo São Paulo, que naquele ano havia perdido o título estadual para o Corinthians. Feliz e aliviado, Médici considerou que “o jogo foi muito duro, emocionante durante todo o tempo”, especialmente na prorrogação. Mas comemorou: “Também não é brincadeira, o Grêmio é campeão do mundo!”. E ainda alfinetou a torcida colorada: “O Inter só é campeão gaúcho porque o Grêmio preferiu se poupar para o título mundial.” Para o ex-presidente do regime militar, o Grêmio já tivera times melhores: “O dos últimos anos, por sinal, eram superiores ao atual”.
Com a taça de campeão mundial de clubes nas mãos, uma comitiva gremista seguiu para Brasília no dia 29 de dezembro de 1983 a fim de mostrar ao então presidente João Batista Figueiredo e ao chefe da casa civil da presidência da República e conselheiro do Grêmio, Leitão de Abreu, o troféu conquistado no Oriente. Estavam lá o novo presidente, Alberto Galia, o recém saído Fábio Koff, o patrono Fernando Kroeff e o presidente do conselho deliberativo, Flávio Obino, além de Pajheu Macedo Silva e Pedro da Silva Pereira.

segunda-feira, abril 22, 2024

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

 Moradores do Jardim Botânico e arredores. Por favor, migrem para O Felizardo (jornal o felizardo, fácil). 

segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Heleno de Freitas, a "Gilda", o craque temperamental que virou lenda

 


Matéria da Revista do Globo

Em um país em que a maioria dos jogadores é feia, mestiça, de origem plebeia e com escassa bagagem cultural, o caso de Heleno de Freitas se destaca em sentido contrário. O craque do Botafogo, considerado um dos grandes jogadores da América do Sul naquela primeira metade do século 20, não só era culto – culto, formou-se em Direito e falava várias línguas – como também era bonito e charmoso como um galã de novela. Mineiro de nascimento, filho de um rico plantador de café, Heleno de Freitas faz parte da história do futebol brasileiro mais por seu modo de vida do que por seu festejado futebol elegante. Um dos grandes artilheiros do Botafogo e segundo maior ídolo do clube depois de Garrincha, em 1946 foi apelidado de Gilda por seu temperamento explosivo e imprevisível e não por sua ambiguidade sexual, que aliás não existia. Gilda é um clássico do cinema, interpretado por Rita Haywoorth.
Mulherengo, bom de copo e de boemia, integrante, no Rio, do célebre Clube dos Cafajestes, o atacante teve muitas e belas mulheres, entre os quais, dizem, se incluiria a então primeira dama da Argentina, Evita Perón, isso na época em que jogou pelo Boca Juniors.
Heleno morreu em novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade, sifilítico e louco, em um hospício de Barbacena, Minas Gerais. Artilheiro do campeonato sul-americano de 1946, nunca ganhou nada de importante pelo Botafogo - seu único título carioca é pelo genial Vasco de 1949, base da seleção brasileira do ano seguinte.
Criticado, atacado, mas também invejado, Heleno de Freitas sempre foi um prato cheio para os jornalistas e radialistas da época, que adoravam falar da sua vida pessoal e dos seus variados escândalos. Isso, é claro, fez com que não fosse convocado para a Copa do Mundo de 1950, no Brasil, a primeira que perdemos em casa.
Em A Comédia do Futebol, artigo publicado em 13 de outubro de 1951, um ano depois da Copa, na Revista do Globo, o jornalista carioca Ubirajara Mendes, com seu texto ferino, traçou um perfil bem humano do selecionado que fracassara naquele célebre Maracanaço contra o Uruguai. De Heleno escreveu o seguinte:
“Certa vez o impetuoso centro-avante Heleno de Freitas, talvez por motivos bem justificados, irritou-se fortemente em campo, e armou uma rixa. O juiz apita. Suspende-se o jogo e entabulam-se as clássicas “conversações”. Os jogadores envolvidos no caso dão esclarecimentos. Os dirigentes de ambos os clubes vão para o gramado e por fim volta a reinar a paz. O árbitro adverte Heleno e a partida recomeça. Dias depois outro embate futebolístico é interrompido por uma disputa. E nas arquibancadas começam os comentários:
- Que foi. Ah, é o Heleno!  É a mania dele. No domingo passado foi a mesma coisa. Esse rapaz explode por nada...
E assim nasceu a “mania de Heleno”. Tornou-se ele, para todos os efeitos, o explosivo, o irritadiço, com um sistema nervoso feito de fios elétricos. Na maioria das vezes é o público que se encarrega de criar um traço característico que associa sempre à pessoa de um determinado craque. E o jogador termina por cultivar o “dom” que os torcedores descobriram nele. É uma maneira de dar relevo à sua personalidade, fator importantíssimo para quem deseja fazer ou conservar um cartaz. O caso de Heleno é típico. Com a adesão franca da torcida, ele se transformou numa bomba de hidrogênio pronta a explodir a qualquer momento. Depois que apagaram seu nome do futebol carioca, muitos fãs sofreram mais do que o excelente craque. Alguns dizem até que perdemos o último Campeonato do Mundo porque abandonamos Heleno. Acrescentam que Obdulio Varela não aguentaria vinte minutos como marcador do temperamental dianteiro... “

Aniversariantes de 12 de Fevereiro

  

Martinho da Vila faz 86 anos.

Heleno de Freitas (F.1959) nasce em 1920.
O diretor Luis Person (F.1976) completaria 88 anos.
E, no dia de hoje, morria o ator Sal Mineo, em 76.

segunda-feira, fevereiro 05, 2024

Aniversariantes do dia 5 de Fevereiro

  

Charlotte Rampling faz 78 anos.

Regina Duarte faz 77.
Carlos Tevez faz 40.
Neymar completa 32.

Henfil faria hoje 80 anos.

quinta-feira, fevereiro 01, 2024

sexta-feira, janeiro 19, 2024

Televisão fixa os maridos em casa: 1951

 

A primeira transmissão de televisão no Brasil aconteceu em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, com a TV Tupi pertencente aos Diários Associados de Assis Chautebriandt, seguida, um ano depois, pelo Rio de Janeiro, a capital federal. Foi um pioneirismo no Brasil e também na América do Sul, marcando a entrada do País em uma nova era tecnológica e dando a arrancada para tudo o que existe hoje - com mais de uma centena de milhões de aparelhos espalhados de norte a sul (em novembro de 1951 eram apenas 16 mil). A preto e branco, rudimentar, feita ao vivo, a televisão - caríssima em seu início - assumiu aos poucos um papel que ainda exerce: o de manter as pessoas em casa e "tirar" muitos maridos da rua, como se vê nesta reprodução do Correio do Povo, via agência Meridional, do Rio, de novembro de 1951. Note-se que o Rio Grande do Sul somente teria a sua primeira emissora do gênero no final de 1959, a TV Piratini, canal 5.

Casamento de Brizola teve Getúlio Vargas como padrinho

 

Com apenas 28 anos, mas já deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro - do qual era uma das mais promissoras lideranças regionais - Leonel de Moura Brizola saiu na página social do Correio do Povo naquele dia 3 de março de 1950: dois dias antes o jovem político e engenheiro casara-se, em Porto Alegre, com Neusa Goulart Brizola, que vinha a ser irmã de João Goulart - futuro presidente do Brasil, deposto em 1964. Uma importante personalidade (na verdade, padrinho do enlace) se fez presente: Getúlio Vargas, também natural da terra da noiva, São Borja, onde vivia retirado na sua fazenda do Itu (localizada no município de Itaqui e não São Borja). O casal seguiu em viagem de lua-de-mel "para o Prata", como informou o CP.  A reprodução é do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho

quinta-feira, janeiro 18, 2024

O pior presídio do Brasil já naquela época: Casa de Correção de Porto Alegre

 Neste momento em que eclodem rebeliões em penitenciárias de quase todos os Estados brasileiros - com destaque para o que aconteceu no Amazonas, com cerca de 60 mortos - vale a pena lembrar que o sistema prisional brasileiro sempre foi um horror, uma fábrica de criminosos, engrenagem que transforma, de dentro para fora, delinquentes comuns em terríveis assassinos - homens que perdem a humanidade e se bestializam por força do que vivenciam nessas "casos dos horrores". O Rio Grande do Sul nunca foi diferente. A antiga Casa de Correção, na Ponta do Gasômetro,  era, na primeira metade do século 20, um dos presídios mais sórdidos do Brasil. Leia abaixo a republicação da matéria saída neste blog em anos anteriores.



*Nas fotos, a imagem da Casa de Correção, à margem do Guaíba, e reproduções do jornal Folha da Tarde, com evidentes exageros. Mais abaixo, reprodução da Revista do Globo e a foto do bandido Vavá, considerado um dos líderes da rebelião e famoso pela sua audácia. O presídio gaúcho já era, então, um dos piores, senão o pior, do Brasil. Em 1951 a Revista do Globo, em extensa reportagem sobre os presos famosos que estavam na Correção, citou o escroque internacional Mike Freemann, que conhecia as cadeias de muitas grandes cidades do mundo: "Antes de vir para cá eu estava convencido que a pior cadeia existente sobre o globo terrestre era a de Addis-Abeba, a capital etíope. Agora no entanto vejo que ela é uma deliciosa colônia de férias comparada à Casa de Correção de Porto Alegre."
Mike Freeman: "A pior cadeia do mundo".

Pesquisa e Texto: Vitor Minas - Republicação

   Um “plano diabólico” para a fuga em massa de mais de mil detentos, “celerados da pior espécie” – assim os jornais resumiram um dos fatos mais marcantes na história de Porto Alegre, o incêndio na Casa de Correção, o “horrendo cadeião da Ponta do Gasômetro”, a “casa do inferno”, a “casa dos horrores”, o “tétrico casarão”, ocorrido três meses depois do quebra-quebra pela morte de Getúlio Vargas e mais um episódio no capítulo dos grandes sinistros em prédios públicos registrados na década de cinquenta na capital gaúcha.
    Era o dia 28, último domingo do mês de novembro de 1954, nem haviam transcorridas duas semanas da eleição de Ildo Meneghetti como novo governador rio-grandense e dois meses da inauguração oficial do Estádio Olímpico quando o complexo prisional às margens do Guaíba ardeu em chamas durante quase 20 horas, com rolos de fumaça que podiam ser avistados dos quatro cantos da cidade. Cidade que temeu seriamente pela própria sorte: caso tal tentativa de fuga tivesse dado certo as consequências seriam imprevisíveis para os seus quase 500 mil habitantes.
    Tudo começou às 18h30min, logo após o encerramento do horário das visitas na rebatizada “Penitenciária Industrial”, já então considerada uma das piores do Brasil, uma “masmorra medieval” com capacidade para 300 presos, porém superlotada por mais de mil.
   O fogo irrompeu na cela 72, no segundo andar, na parte dos fundos da construção, e se propagou com uma rapidez incrível, atingindo também a padaria e a tipografia – até porque tudo havia sido planejado por um grupo de presidiários, os quais praticamente controlavam o funcionamento interno da instituição, tal como hoje dividida em facções criminosas. Desde o mês de agosto daquele ano nada menos do que três princípios de incêndios e de motins já haviam ocorrido ali e a deflagração e outro parecia simples questão de tempo. No dia anterior os agentes penitenciários haviam encontrado no forro de uma das celas um colchão, um monte de palhas e oito litros de gasolina. O clima entre os detentos era, mais do que nunca, de extraordinária tensão – os nervos estavam à flor da pele.
    No entardecer daquele domingo, encerrado o horário de visitas, depois da conferência, um grupo recusou-se a voltar às celas – prenunciando o que viria a seguir, eles só concordaram com isto sob a promessa dos agentes de que estas permaneceriam abertas. Com o início repentino das chamas outro agrupamento passou a percorrer as demais celas: armados de facas, facões, adagas e porretes, obrigaram os outros detentos a também incendiar tudo.
   Em seguida, em “estrondo”, todos começaram a correr pelos corredores em direção à parte térrea e ao portão, forçando a saída. Segundo a direção, havia 1.093 apenados no local, contra não mais do que 40 brigadianos e agentes penitenciários para contê-los. Os bombeiros chegaram em poucos minutos, vindos da estação central, na Praça Rui Barbosa, enquanto homens da brigada e um grupo de socorro da Guarda Municipal (ex-polícia de choque), comandados pelo delegado José Henrique Mariante, detinham os revoltosos a golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo, a muito custo impedindo que chegassem à rouparia: se isso acontecesse eles teriam acesso a roupas civis e poderiam se misturar até mesmo às autoridades e fugir às ruas.
   Estabeleceu-se no pátio um “cinturão” de segurança, com duas linhas de praças da Brigada armados com fuzis-metralhadoras e soldados com baionetas caladas, que “calçavam” e imobilizavam os presos contra as paredes. Nesse trabalho destacou-se o tenente Cantalício Camargo, comandante do destacamento local. Com poucos recursos, e dando apenas três rajadas de metralhadora para o alto, ele e seus homens enfrentaram a maré humana de mais de 500 presos, conseguindo fazer – oficialmente sem vítimas fatais – que recuassem.
    A raivosa determinação de destruir de vez o velho cadeião, queimando-o inteiramente, e a certeza de que o plano havia sido elaborado com a participação de gente de fora das grades, fora, evidenciadas pelo fato de que, no mesmo instante em que as chamas se propagavam às margens do Guaíba, os bombeiros haviam se deslocado para combater outra ocorrência em um matagal do morro de Teresópolis, adiante do final da linha dos bondes. Segundo os repórteres, de lá divisava-se per
o


feitamente o interior do presídio, o que levantava a suspeita de que a pessoa que ateou fogo no terreno pudesse ser comandada à distância pelos detentos, quem sabe através de um jogo de espelhos. Do mesmo modo estes poderiam, das janelas da Casa, avistar a chegada dos caminhões. Outro fato sintomático foi a depredação antecipada da bomba de água do Cadeião.
PÂNICO NA CIDADE – A possibilidade de que cerca de mil homens conseguissem fugir e se espalhassem pelas ruas da cidade, tomando a população de refém, a visão dos rolos de fumaça, o cair da noite, bem como a péssima fama da instituição prisional, a promiscuidade, o histórico de fugas e os fatos bárbaros que lá ocorriam geraram um evidente clima de medo entre os moradores da capital, os quais, naquele entardecer de domingo, encerravam o seu pacato e modorrento final de semana. Contribuindo para o medo, uma emissora de rádio afirmou que mais de 50 detentos tinham fugido e estavam à solta nas ruas da Capital. 
     Falava-se inicialmente em muitos mortos e em sangrentas cenas de ajuste de contas entre os próprios presos, com inúmeros esfaqueamentos e até degolas. Um preso disse aos repórteres tem visto uma cabeça jogada dentro de um vaso sanitário. Todavia, pelas versões oficiais, não só nenhum sentenciado teria conseguido se evadir como ninguém, fosse apenado, policial ou funcionário, morreu durante ou depois do episódio. Aos poucos, em contrapartida, surgiam relatos de alguns funcionários que enfrentaram o perigo das chamas e da violência para retirar detentos que ficaram presos em suas celas e outros, doentes (a maioria com tuberculose) hospedados na enfermaria e mesmo os inválidos ou com dificuldades de locomoção.
     Na edição de terça-feira, 30, jornal Folha da Tarde, na matéria “A Trama Sinistra dos Presidiários”, relatou o clima depois do incêndio, quando a situação já havia sido dominada, algo que revela o inferno humano que caracterizava o local: “Em todas as fisionomias dos presos notava-se intensa satisfação. Riam e pilheriavam já que, para eles, qualquer situação será melhor do que a da Casa de Correção. Um presidiário adiantou-nos que há muito vinha entrando gasolina no presídio, em pequenas quantidades, e que em todas as celas havia um foco preparado ao qual foi ateado fogo quando deram alarme na primeira, a 72”. Já o Correio do Povo lembrou que “foi um sinistro dos mais terríveis de que se tem notícia” e que se o plano desse certo “Porto Alegre estaria até agora em pânico, com suas ruas invadidas por homens para quem os conceitos de vida e de respeito ao próximo pouco ou nada significam.”
TRANSFERÊNCIA PARA MARIANTE – Em grandes operações de segurança os detentos foram sendo realocados em diferentes locais – quartéis da brigada, delegacias de polícia, no Instituto Psiquiátrico Forense (manicômio judiciário) e, principalmente, na Colônia Penal Daltro Filho, na localidade de Mariante, município de Venâncio Aires, para onde cerca de 300 deles foram conduzidos em barcaças do DAER – a viagem pelo Jacuí demorava cerca de quatro horas, com os revoltosos vigiados por soldados armados de metralhadoras. O policiamento na colônia agrícola já havia sido fortemente reforçado por uma companhia do Primeiro Batalhão de Caçadores.  
   Na Casa de Detenção permaneceram 550 homens, abrigados em barracas, em pavilhões não totalmente queimados ou recolhidos aos fétidos e úmidos porões, o “buraco”, enquanto os mais colaborativos voltavam às suas funções habituais. Para a Oitava Delegacia de Polícia, em Petrópolis, seguiram os elementos mais perigosos, entre os quais aqueles apontados como os líderes da rebelião. O chefe do Departamento de Institutos Penais do Estado, Neu Reinert, ordenou o isolamento total do presídio, proibindo qualquer tipo de visitas. O desespero maior, no entanto, provinha dos familiares dos presos, concentrados em frente e que imploravam por notícias.
    Em depoimento oficial um preso chamado Vavá – ou Gaspar Ávila da Silva, líder de quadrilha - afirmou ter sido ele o principal líder do movimento, junto com Washington Aires, o Paulistinha, e Nelson Bassani, os três agora recolhidos aos xadrezes da Oitava DP. As declarações de Vavá surpreenderam as autoridades – até mesmo ao secretário do Interior e Justiça, Theobaldo Neumann, e o diretor do presídio, Aires Rodrigues da Cunha - já que era um preso considerado de bom comportamento. Outro detento chamado Veríssimo Caduri Leal também assumiu a liderança.
ESCOLA DOS VÍCIOS – Em maio de 1971, quando o antigo Cadeião já tinha vindo abaixo, o repórter Isaías Valiatti, durante anos setorista policial da Caldas Júnior e nome reconhecido da imprensa gaúcha, escreveu um interessante artigo intitulado “Casa de Perversão”:
   “Felizmente nem sequer o portão da medonha masmorra que tinha o nome de Casa de Correção ficou de pé para lembrar um passado indescritível. Vamos e venhamos, para que conservar a memória de coisas horríveis? O mundo talvez não se torne ideal com a supressão de imagens nefandas, mas pelo menos a nova geração não terá de perguntar: “O que é aquilo ali?” E a resposta, para ser correta, seria longa, chocante e incompreensível. Não tenho engenho e arte para descrever o que vi e ouvi na medieval cadeia ao longo de tristes anos de reportagem policial para o Correio do Povo e, em certa época, para a Folha da Tarde. Espetáculos que superavam a imaginação de Hitchcock e cenas que nem Dante conseguiu traçar em seu Inferno repetiam-se de tempos em tempos, entre um motim e um incêndio provocados pelos próprios detentos. Paradoxalmente, a Casa de Correção era, em verdade, a escola dos vícios e das anomalias que só uma Casa de Perversão seria capaz de “ensinar” e praticar.
   “Por mais de uma vez, através das colunas deste jornal, chamei, juntamente com outras vozes que terminaram ecoando, contra o claustro imundo e revoltante que era a Casa de Correção. Inadequada sob todos os aspectos, contrariando os mais elementares princípios consagrados pela moderna penalogia, e sempre superlotada – chegou a ter quase 1.500 presos, quando sua capacidade real era para 300 – foi preciso um grande incêndio com um motim sem precedentes, que me coube documentar à época, para chegar-se à conclusão acaciana de que a velha cadeia deveria ser demolida para começar da estaca zero.
   “A penitenciária estadual, localizada no Partenon, pode ter falhas gritantes ou deficiências que devem ser eliminadas, mas jamais chegará a ser o que foi a Casa de Correção. Há problemas de estrutura de funcionamento, de vigilância e de métodos de recuperação que estão sendo encarados em seu devido tempo, mas, creio eu, jamais se encontrará naquele presídio as cenas e as ocorrências tão comuns e freqüentes na famigerada Casa de Correção.
   “Vibrei quando, em 1955, o então governador do Estado presidiu a cerimônia que assinalou a demolição simbólica do vergonhoso presídio. Era o primeiro passo decisivo para riscá-lo definitivamente do mapa da cidade. Era o princípio do fim das celas permanentemente inundadas, pois se localizavam abaixo do nível do Guaíba. Os chamados “republicano” e “democrata”, que num período não muito recuado da nossa história política serviram para castigar os “rebeldes”, iriam desaparecer, juntamente com as amoralidades, os assassinatos com requintes de barbarismo, as negociatas entre presos e funcionários, o tráfico de tóxicos e de álcool, enfim, as bestialidades entre seres que cada vez mais se degradavam num processo crescente de sordidez humana, típico do submundo que era a Casa de Correção.
   “A despeito de tudo isso, surgiram opiniões em favor da manutenção de algo que lembrasse o cárcere e as muralhas que o cercavam. Serviria – argumentavam – como motivação histórica ou turística.
   “Mas eu não estava só. O venerando e bondoso padre Pio, por longos e tenebrosos anos o capelão do extinto presídio, também admitia uma única saída: a destruição total, o arrasamento da Casa de Correção. As razões, como vemos, dispensam maiores comentários.
Major Aragón, o "incendiário" e vigarista, foi assassinado na Casa de Correção (foto da Revista do Globo)
    “Conservar a imagem da Casa de Correção – respeitadas as opiniões em contrário – seria o mesmo que guardar as imagens de atrocidades que fazem a humanidade recuar no tempo e no espaço. Seria a negação, a antítese do próprio homem.”

    Bem antes da publicação deste artigo, em janeiro de 1955 - dois meses depois do incêndio - a Revista do Globo dedicou várias páginas à Casa de Correção e à sua longa e sinistra história. Assinada pelo jornalista Tabajara Tajes, relata alguns dos muitos acontecimento ocorridos nas celas e nos porões de "uma das cadeias mais antigas do mundo":
   "Tem o casarão, na sua existência de um século, histórias de dor, de sangue e de tristezas, capazes de impressionar quantos ainda se comovam com a sorte dos condenados pela Justiça. Rios de sangue correram nos seus subterrâneos. Suas salas de tortura, em tempo não muito afastado, esconderam cenas tétricas, de homens judiados com requinte selvagem. Presos políticos tiveram unhas arrancadas, membros picados a pontas de cigarros. Caras humanas foram deformadas a socos e pontapés".
    O repórter prossegue, descrevendo alguns desses episódios, como o da Cela 16, e os locais chamados de "democrata" e "republicano". "A cela 16, há poucos anos, abrigava a escória do presídio. A ser deposto um governador, o chefe de policia mandou trancafiar ali um parente do mesmo, delegado de uma cidade do interior. Um malfeitor, que fora mandado prender por essa autoridade, cumpria naquela cela a sua pena. E na sua primeira noite de presídio, quando o silêncio invadira o casarão, vultos fugitivos arrastaram-se até ao beliche onde dormia o novo hóspede do cubículo. Mãos fortes taparam-lhe a boca com um pano. Durante longas horas serviu de pasto aos instintos bestiais do condenado que jurara vingança. No dia seguinte, em prantos, jogou-se aos pés do guarda carcerário, pedindo-lhe pelo amor dos filhos que não o deixasse mais ali. Que o matasse. Não lhe haviam valido os cabelos brancos e nem a personalidade forte. (...)
   "No Republicano, buraco feito de cela, escavado abaixo do nível do Guaíba, foi trancafiado um preso que matara um companheiro de cela. Sua reclusão foi adotada mais em razão da própria segurança do que mesmo de castigo. O preso morto era donzela de vários presidiários. No trajeto, por um desentendimento qualquer, o condenado esbofeteou um guarda. E no dia seguinte, sem que nem presos nem vigilantes vissem nada, o infeliz amanheceu virado num autêntico paliteiro. Oitenta e seis punhaladas marcavam a vingança daquelas feras humanas. Nunca se explicou como detentos puderam abrir celas, portas de corredor e várias grades intermediárias para terminarem estourando o forte cadeado do Republicano."
   (...) "Noutra cela, Guaiaca, presidiário de bom comportamento, e até com indícios de debilidade mental, foi morto aos pouquinhos num torniquete feito de lençóis. Numa ponta um pau extraído de um dos dos beliches e na outra um tamanco. presos amotinados, que o haviam apanhado como refém, foram torcendo, torcendo, até estrangulá-lo. No cubículo ao lado o imundo comércio de presos menores determinou o assassinato de "Sete...", que levava a alcunha pelo número de presos que violentou numa só noite."
   (...) "Na Enfermaria, onde quase uma centena de tuberculosos escarram os pulmões, um pretinho apareceu enforcado nas grades da porta. Aparentemente cometera suicidio. Necrópsia posterior apurou o estupro bestial que sofrera, provavelmente na hora da agonia. Na famigerada Sétima Enfermaria , ao lado do "Reizinho", sem dúvida o maior arrombador de cofres do Brasil, minado pela tísica, vivia o "Sarará do Galo", vingando-se da reclusão com escarros na cara dos guardas e de quantos dele se aproximassem.
   "Escola de crimes, do interior da cadeia saíam gatunos aperfeiçoados na arte de roubar e de matar. Cidadão decente que uma briga inevitável levasse ás suas celas, de lá saía acabrunhado, sem honra e sem dignidade, descrente dos homens, descrente da Justiça."
    (...) "Depois que administrar presídio se tornou cargo de afilhados políticos, a situação piorou ainda mais na Casa de Correção. (...) Com os dirigentes sucediam-se as portarias. Golpes de pena destruíam o que os outros haviam construído. A política carcerária caiu para níveis baixíssimos. Havia presos gozando de regalias inexplicáveis.  
     ( ...) "O tráfico da erva maldita ganhou alento dentro do presídio. A erva do diabo circulava com facilidade e os atritos sucediam-se entre os presos alucinados  pela "diamba".  O jogo também campeava e quase toda semana esfaqueavam-se os presidiários. Álcool não era contido nem pelos muros, nem pelas grades e nem pelas revistas que passavam nos visitantes. Porres memoráveis eram tomados entre desordens, pancadas e golpes de arma branca. O álcool da enfermaria era desviado e vendido aos viciados. Os preços eram alucinantes, coisas assim como 300 cruzeiros  o vidro de álcool e 500 o de cachaça. Não havia moral na seleção das visitas. O baixo meretrício, nos dias em que o presídio era franqueado aos de fora passeava a sua garrulice envolta em auras de perfume barato no pátio empedrado da cadeia. Cenas espantosas de cupidez e de falta de respeito entrepunham-se ao quadro triste da mãe comovida que beijava o filho  vestido de uniforme azul."
CONSTRUÍDO PELOS ESCRAVOS
    Na realidade o problema prisional gaúcho era crônico e vinha desde o século XIX, e a Casa de Correção tão somente simbolizava os horrores e as iniquidades de tal sistema.
   Quando a primeira parte da sua construção foi concluída, em 1855, era chamada de Cadeia Civil e abrigou inicialmente cerca de 200 presos. Construída pelos braços de escravos, suas paredes, formadas pela junção de grandes pedras, chegavam a ter mais de um metro de espessura.  A localização à beira do Guaíba se explicava pelo fácil acesso à água, pela questão da higiene – os dejetos seriam jogados no rio – pelo solo rochoso para assentar firmemente as suas fundações e também pelas características geográficas do local, uma “quina” da cidade e que então passou a ser chamada de Ponta da Cadeia. Em 1897, nos primórdios da República, segundo os historiadores, ganhou o nome oficial de Casa de Correção. A partir daí, de ano a ano, a sua população carcerária só foi aumentando, incluindo presos políticos dos vários movimentos de revolta que caracterizaram o Rio Grande.
    A Casa de Correção teve sua demolição concluída oficialmente no dia 11 de maio de 1967, uma quinta-feira. Uma equipe de funcionários da Prefeitura (Célio Marques Fernandes era o prefeito de Porto Alegre), sob a coordenação do engenheiro João Antonio Dib, dava fim a uma era de horrores que no entanto se repetiria com o não menos infame Presídio Estadual da Chácara das Bananeiras (bairro Partenon), inaugurado em 1963 e bem mais distante dos olhos da imprensa.