Em bares populares a gente conhece cada figura, embora todas se pareçam - é o povão, os bêbados, os desajustados, nós todos.
Entendo do assunto. Mas muitas vezes a gente se surpreende com uma figura a quem não dávamos a mínima importância - mais um ali, analfabeto funcional, falando de futebol e de crimes, igual todos os outros.
Foi o caso de Y., um mulato de uns sessenta e poucos anos, que joga sinuca - sinuqueiro bom traz o seu taco - e que nunca vi beber naquele bar da avenida. É da casa, conhece e é conhecido por todos, não fala muito - o negócio dele é a mesa de pano.
Não é que, de uma hora pra outra, descobri que o sujeito é grande conhecedor da história rio-grandense. Não é um atochador, um mentiroso, não: conhece bem, bem melhor do que eu. Começou a falar sobre maragatos e chimangos, Borges de Medeiros, Julio de Castilhos, Flores da Cunha. Acertou tudo. Mas não falava em tom professoral, se achando. Me disse que é maragato. Falamos sobre flores da Cunha, que aprisionou Honório Lemes.
Vê só. Eu achando que o cara era mais um mané de bar, daqueles que só lêem o Diário Gaúcho, e ainda assim não entendem o que está escrito. Engano e boa surpresa.
Ah, e surgiu outro, que também não falava comigo. Agora fala, estabelecemos uma relação de camaradagem. É policial militar aposentado e trabalhou no DOPS e na repressão. Conhece os torturadores todos e se diz, diretamente, de direita.
Em uma País onde ninguém quer ser de direita, ele diz que é, e pronto.
Gosta de leitura e sofreu um derrame. Outra hora falo dele.
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