Notícia do Correio do Povo a respeito da demolição do Cadeião. Abaixo, do mesmo jornal, a violenta repressão policial a uma passeata estudantil dias antes do incêndio. Estudantes foram seriamente espancados, em uma época em que a ditadura ainda não se consolidara como tirania. O comandante da ação era o então major Pedro Américo Leal.
MAIO DE 1967, O FIM DE UMA ERA: O PRÉDIO DO
GRANDE HOTEL PEGA FOGO
Talvez não tenha havido construção mais intimamente ligada
à história política dos gaúchos e ao seu “grand monde” da capital do que o
Grande Hotel, na Rua dos Andradas, esquina com a Caldas Júnior, a antiga Rua
Payssandu, local onde hoje é o Shopping Rua da Praia.
Fundado com este nome em 1908, foi, até os
anos cinquenta, considerado a mais tradicional, prestigiosa e sofisticada casa
hoteleira de Porto Alegre. Em seus apartamentos se hospedaram poderosos
políticos brasileiros, diplomatas, influentes empresários e personalidades do
mundo das artes e dos esportes. O Marechal Hermes da Fonseca, o senador
Pinheiro Machado, Assis Brasil, Flores da Cunha, Getúlio Vargas, Osvaldo
Aranha, Lindolfo Collor, Raul Pila, Salgado Filho, o general norte-americano
Mark Clark, o Marechal Cândido Rondon. Foi nas dependências do Grande Hotel (a
sede informal de todos os partidos políticos) que se estabeleceram as premissas
para a pacificação do Rio Grande do Sul em 1923 e foi também lá que se
arquitetou o plano para a Revolução de 1930 que levou Getúlio ao Catete e
sepultou a República Velha. Em seus salões aconteciam os banquetes mais
elegantes, as festas mais concorridas, as jogatinas profissionais, flertes,
brigas, luas-de-mel e encontros amorosos. Muitas famílias ricas e estudantes
abastados ali moravam de forma permanente. Símbolo da Belle Epóque
porto-alegrense, das suas janelas e sacadas assistia-se o “footing” de uma Rua
da Praia ainda glamourosa, com seus restaurantes, cafés, cinemas, lojas finas e
homens e mulheres elegantemente trajados.
Em meados de 1956 – naquela que foi
considerada uma das maiores transações imobiliárias de Porto Alegre – o prédio
foi vendido ao Grêmio Beneficente dos Oficiais do Exército, GBOEX, e rebatizado
com o nome de Edifício General Mallet, militar brasileiro nascido na França,
patrono da arma de artilharia. O Grande Hotel funcionou até o início de 1957,
quando foi entregue aos novos proprietários, que o readaptaram para fins
comerciais. Até essa época a construção, com três alas e sete andares, contava
com 180 salas e capacidade para receber até 250 hóspedes individuais, que
pagavam caro para desfrutar de finíssimas louças e talheres importados e comer
e beber do bom e do melhor.
As obras do edifício, a cargo do construtor
Francisco Tomatis e fiscalizada pelo engenheiro Viberbo de Carvalho, iniciaram
em 1916 e terminaram dois anos depois, em uma Porto Alegre que não chegara
ainda a 200 mil habitantes, concretizando o sonho do imigrante francês João
Pedro Bourdette e seu genro Cristino Cuervo. Os dois empresários, no entanto,
não viveram o suficiente para ver a venda do seu patrimônio. Em 1956 os três
filhos de Cristino Cuervo é que dirigiam o negócio.
SÁBADO, DIA 13 – No final da tarde daquele sábado de 1967, quando a Porto
Alegre de 800 mil habitantes dançava ao som da Jovem Guarda e dois dias após a
violenta repressão policial a um protesto de estudantes contra o regime militar
(eles foram espancados até mesmo dentro da Catedral Metropolitana ) , nesse dia
13 de maio, data da abolição da escravatura no Brasil, véspera do Dia das Mães,
um incêndio de grandes proporções iniciou no quinto andar do edifício Mallet.
As chamas se propagaram com tal força e rapidez que muitos clientes do
tradicional Salão Cruzeiro fugiram com metade da barba por fazer e o cabelo só
em parte cortado. Eram 18h30min, caía a noite e os bombeiros demoraram a chegar
– quando isso aconteceu a água dos raros hidrantes mostrou-se com pouca força e
foi necessário buscá-la no rio Guaíba.
Dada a intensidade das chamas e dos jatos
das mangueiras temia-se que todo o velho prédio viesse abaixo. Também as
fagulhas que se espalharam geraram o temor de novos focos. Felizmente nenhuma
construção vizinha foi atingida e as grossas paredes de tijolos mantiveram-se
de pé. Às 23h30min o incêndio já estava praticamente dominado.
MUITOS PREJUÍZOS E DESEMPREGADOS – No coração da cidade, com sua bela e histórica fachada,
o Mallet era um importante centro comercial da capital gaúcha. Grande número de
profissionais liberais, entidades de classe e representações comerciais operavam
em suas salas. No último pavimento estava o Círculo Militar de Porto Alegre e
no andar térreo localizava-se a nova farmácia do GBOEx, o Salão Cruzeiro, a
Livraria Jackson, o escritório dos municípios gaúchos e a agência Radional.
Com o sinistro de maio criou-se também um problema
social e trabalhista. Dezenas de homens e mulheres perderam seus empregos e rendas,
milhares de papéis, contratos e documentos importantes foram destruídos e
vultosos prejuízos de equipamentos e máquinas não puderam ser cobertos pelo
seguro – o do prédio como um todo era igualmente irrisório. Os funcionários do tradicional
Salão Cruzeiro, por exemplo, trabalhavam como diaristas e passaram os dias
seguintes procurando colocação em outras barbearias. Por sua vez os empregados em pequenas firmas
pouca esperança tinham de uma possível indenização já que seus patrões também
haviam perdido tudo.
Não
só humildes empregados como instituições e nomes conhecidos da vida de Porto
Alegre, inquilinos do prédio incendiado, viveram dias angustiosos naquele
outono de 1967. A relação fornecida pelo próprio GBOEx incluía o advogado José
Henrique Mariante (o delegado que acudiu durante o incêndio da Casa de
Correção, doze anos antes) o também advogado, jornalista e vereador Alberto
André, o político João Brusa Neto, o jornalista e colunista esportivo Cid
Pinheiro Cabral, o ex centro-avante do Grêmio Rubens Mostardeiro Torelly.
Também tinham endereço no Mallet a diretoria regional dos Correios e
Telégrafos, a Editora Mérito, a Agência Marítima Interamericana, a Companhia
Rádio Internacional do Brasil, o Banco Ítalo Belga, a União Gaúcha dos
Estudantes Secundários, o Centro de Confraternização Jaguarense, Associação dos
Licenciados do Rio Grande do Sul, o Centro Itaquiense, a Federação Gaúcha de
Futebol de Salão, Dioni York Bado, Livraria Ibal, Centro dos Oficiais
Administrativos do Estado, Territorial Vale do Araguaia.
Especialmente prejudicados ficaram os
segurados do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e
Empregados em Serviços Públicos, IAPFESP, um dos principais órgãos de
assistência social brasileiro e cujos fichários locais haviam sido totalmente
consumidos pelo fogo. Com eles desapareceram a história clínica de milhares de
pacientes, além de equipamentos de radiologia, fisioterapia, odontologia, raio
X, entre outros. Felizmente os bombeiros haviam conseguido isolar a tempo os
laboratórios onde estavam depositadas grandes quantidades de ácidos e produtos
inflamáveis – atingidos pelo fogo, a explosão seria monumental e de
consequências imprevisíveis.
5 comentários:
Belo texto, pena que esteja impregnado de ideias esquerdistas que não tem nada a ver com a matéria.
😆
Sou herdeira de um carrinho de bebidas que meu avô arrematou num leilão do que sobrou do hotel, todo em madeira com bandeja e detalhes em prata.
Vi este incendio com 6 anos e fiquei preso no elevador no prédio próximo do Gboex na Andradas.
Não vejo nada de esquerdista no texto quem diz isto deve ser um neofacista bolsonarista.
TRISTE ESTA GENTE!!!!
Eu, com 8 anos,estava passeando com meu pai, na praça da alfândega e vimos o incêndio desde o começo. Hoje tem um M*D*****$, no local
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