Palmeiras, o primeiro campeão mundial de clubes: sim ou não?
Na Revista do Globo, de Porto Alegre, o reconhecimento do Palmeiras como o primeiro campeão mundial de clubes,em 51 |
Alguns colorados dizem que o Grêmio não é campeão mundial de clubes. Essa discussão bizantina e sem muito sentido – pois na verdade o torneio intercontinental, fosse Copa Toyota ou qualquer outra coisa, era, sim, um campeonato mundial – não se restringe a colorados e gremistas, santistas ou são-paulinos, flamenguistas ou quaisquer outros clubes da América do Sul e da Europa. Ela, na verdade, começa com aquele que pode, sem dúvida alguma, ser considerado o primeiro torneio mundial de clubes, que aconteceu em julho de 1951, tendo por palcos os gramados brasileiros do Maracanã e do Pacaembu. E o resultado é um só: goste-se ou não, o Palmeiras foi o campeão e seu título lavou um pouco da honra desgastada pela derrota do selecionado brasileiro em 1950.
Em sua edição da primeira quinzena de agosto de 1951, um ano
depois da Copa do Mundo disputada no Brasil, a Revista do Globo dedicava várias
páginas sobre a Copa Rio, ou “Torneio Mundial de Campeões”, vencido pelo
Palmeiras. O jogo final foi contra a Juventus de Turim terminou empatado em 2 a
2, com um público pagante de 150 mil pessoas, o que garantiu, pelo regulamento,
o título ao esquadrão do Parque Antartica, já que antes este havia vencido o
escrete italiano, também no Maracanã, por 1 a 0. Foi a culminância de 22 jogos realizados,
sendo 11 no Maracanã e 11 no Pacaembu. E o número de participantes era bem mais
elevado que o moderno sistema da Fifa: estavam lá o Palmeiras, campeão
paulista, o Vasco da Gama, campeão carioca, base da seleção brasileira e
considerado favorito ao título, o Áustria, campeão da Áustria, o Sporting,
campeão português, o Nacional de Montevidéu, campeão uruguaio, o Estrela
Vermelha, campeão iugoslavo, o Olympique Gymnastique, de Nice, campeão da
França e a Juventus de Torino, vice-campeã italiana, que veio em lugar do
campeão Milan, mas que era talvez o melhor time da Europa. A reportagem adianta
que o torneio era uma iniciativa da então CBD, Confederação Brasileira de
Desportos, com anuência da Fifa. Já de
entrada, a reportagem afirma: “A Copa Rio
finalmente ficou no Brasil, graças ao feito brilhante do Palmeiras, que
conquistou assim a maior vitória do futebol brasileiro. Arrebatando a cobiçada
taça ao categorizado esquadrão italiano do Juventus, o quadro paulista
completou uma série de triunfos futebolísticos magníficos: campeão do Estado de
São Paulo, campeão do Torneio Rio-São Paulo, campeão da cidade de São Paulo e,
agora, campeão do Mundo. Com este último título elevou ainda nosso futebol à
posição que lhe compete.”
A reportagem lamenta apenas a ausência de clubes espanhóis,
atribuindo isso ao fato de que eles, enquanto seleção, haviam sido goleados
pelo Brasil na Copa do Mundo de 50 e receavam apanhar de novo. Outra ausência
lamentada era do Tottenhan, campeão inglês, que não quis vir alegando o
desgaste causado por uma viagem tão longa.
Em uma página que dedica ao assunto, a enciclopédia eletrônica
Wikipédia fala sobre a Copa Rio, esclarecendo muitas coisas: “A Copa Rio tem a sua importância em virtude
de ser a primeira tentativa de organização de uma copa do mundo de clubes de
futebol que na prática teve alcance intercontinental, antes mesmo da Copa
Intercontinental e da Copa do Mundo de Clubes da FIFA.” A ideia, então, era reunir em um torneio os
clubes campeões dos países que haviam participado da Copa do Mundo de 1950,
realizada no Brasil. Aliás, o artilheiro da competição, Giampiero Boniperti, da
Juventus, declarou não faz muito que tanto ele como seus colegas de equipe
entendiam, sim, que aquele era um torneio mundial de clubes.
O torneio também transformou-se um sucesso de público e de
rendas e, ao que tudo indica, foi bem organizado. Os lucros foram de mais de 4 milhões de
cruzeiros, algo difícil de mensurar hoje, sendo que cada clube recebeu 93 mil
cruzeiros e mais 200 mil pagos como garantia por partida. A CBD auferiu 10% do
total e mais 10% sobre a renda de cada partida, em um total de 2 milhões e 400
mil cruzeiros. Segundo a Revista do Globo, “os
paulistas fizeram uma invasão em massa da Capital do país a fim de assistir no
Estádio Municipal de Maracanã ao embate decisivo entre as equipes do Palmeiras,
campeão de São Paulo, e o Juventus de Turim, vice-campeão italianos, os dois
finalistas do torneio. Foi tal o afluxo de visitantes paulistas na Cidade
Maravilhosa que as passagens de avião para o regresso ficaram esgotadas até
três dias depois do jogo. Os torcedores palmeirenses não se decepcionaram. O
espetáculo desportivo que puderam apreciar no Maracanã correspondeu plenamente
a tudo o que dele se esperava. Numa tarde de gala, o Palmeiras escreveu uma
página de glória para o esporte nacional, sagrando-se campeão mundial.”
A Revista do Globo, editada em Porto Alegre mas com relativo
alcance nacional, emendava a reportagem sobre a Copa Rio com outra, detalhando
a trajetória e a história do Palestra Itália, que só passou a se chamar
Palmeiras em 1942, quando o Brasil já era hostil às potências do Eixo, o que
incluía a Itália. A matéria era assinada por Gustavo Renó. “Mas essas são histórias do passado que de modo algum interessam hoje,
salvo como simples registro, já que estamos recordando de passagem, enquanto a
cidade vibra com as suas vitórias, a trajetória brilhante desse “periquito
infernal” que ludibriou as melhores esperanças dos bambas da Áustria, da
Iugoslávia, da França, da Itália, de Portugal, do Uruguai, e que, como
autêntica transfiguração do Zé Carioca, passou a perna no próprio Vasco da
Gama, arrebatando-lhe o título de “campeão mundial de futebol.
Como se vê, o Palmeiras – que ainda não era porco e sim
periquito - pode, com direitos, mesmo que de forma isolada, se considerar o
primeiro campeão mundial de clubes, a despeito da arrogância e das ciumeiras
mesquinhas da FIFA e seus dirigentes. A entidade, aliás, reconhece e não
reconhece o Palmeiras como o primeiro campeão mundial de clubes. Reconhece pois
o alviverde foi, de fato, o legítimo campeão, e não reconhece, talvez, porque
ela, FIFA, não recebeu dinheiro algum pelo torneio. Curiosamente, a mesma
entidade considera o Corinthians campeão do mundo em 2000, sem que ele sequer
tenha sido campeão continental.
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