Postado por Luiz Weis em 15/1/2009 às 4:52:47 PM
A dura reação do governo de Roma à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de negar a extradição do “terrorista” (segundo a Folha) ou do “acusado de terrorismo” (Estado), Cesare Battisti, dando-lhe a condição de refugiado político, ecoou amplamente nos jornais desta quinta-feira, 15. Foi também o gancho para uma cobertura circunstanciada do caso desse antigo militante da organização radical Proletários Armados pelo Comunismo, condenado em seu país à prisão perpétua por quatro assassínios cometidos nos anos 1970.
Os italianos, o ministro, os advogados de defesa, outros profissionais do direito e um que outro político, tiveram todos espaço para os seus argumentos. Nenhum jornal, naturalmente, deixou de registrar que em novembro passado o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça se opôs por 3 votos a 2 à concessão de asilo a Battisti. Mas só a Folha deu que o veto foi influenciado pela representante do Itamaraty no organismo, Gilda Santos Neves, que – diz a matéria assinada por Eliane Cantanhêde e Simone Iglesias – “considerou a pressão da Itália pela extradição”.
A mesma matéria, por sinal, foi a única a informar que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, “presa e torturada durante o regime militar”, esteve presente ao encontro em que Tarso Genro “convenceu” o presidente Lula a autorizá-lo a conceder o asilo, apesar do voto contrário do Conare – e embora o assunto já estivesse para ser julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), com parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pela extradição.
A Folha não revela o que a ministra estava fazendo na reunião de Tarso com Lula, nem se ela opinou sobre o caso e muito menos se a sua traumática experiência a levou a defender a permanência de Battisti no Brasil.
No Estado, o que mais abriu as suas colunas ao ministro – até porque ele foi na véspera ao jornal, onde deu entrevista à “TV Estadão”, a seção de vídeos da sua edição online – Tarso comentou:
“Se fosse considerar a minha trajetória política pessoal, teria dado a extradição. Sempre deplorei esse tipo de atividade política, atentados pessoais, terrorismo, violência armada. Eu, na verdade, contrariei minha tradição política.”
O comentário aparentemente se deveu à observação do entrevistador de que um dos advogados de Battisti, o ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalg, é do mesmo partido do ministro e foi por ele recebido antes da concessão do benefício. “Recebi também visitas do embaixador italiano, que manifestou o desejo do seu governo de que Battisti fosse extraditado”, atalhou Tarso.
Previsivelmente, a imprensa lembrou a história dos boxeadores cubanos Guilhermo Rignondeaux e Erislandy Lara, que abandonaram a Vila Olímpica do Rio, no decorrer do Pan, em julho último, e foram repatriados rapidamente a Cuba, “sem qualquer processo formal”, como lembra O Globo na nota “Dois pesos e duas medidas”.
Numa passagem esquisita do texto, o jornal assinala que “na época, a PF alegou que eles recusaram pedido de asilo. O procurador Leonardo Luiz Figueiredo visitou os boxeadores e fez a mesma oferta, que foi recusada". Ora, se ele “fez a mesma oferta, que foi recusada”, não é exato escrever que a Polícia Federal “alegou” – verbo usado comumente para sugerir que a afirmação pode não ser verdadeira.
Das vantagens de ir a uma redação: no Estado, o ponto-de-vista de Tarso a respeito mereceu nada menos de 20 linhas de coluna, concluíndo com a palavra do ministro:
“Houve exploração política do episódio. Outros cubanos pediram refúgio e ficaram no Brasil, sem nenhum problema.”
Quais e quando não lhe foi perguntado.
O ministro explica que negou a extradição porque ele foi condenado à prisão perpétua “sem que pudesse se defender propriamente” – o que deixou as autoridades italianas enfurecidas. “É um insulto ao nosso sistema de Justiça e é uma vergonha para as vítimas do terrorismo e seus familiares”, indignou-se a subsecretária de Justiça Elisabetta Alberti Casellati, citada pelo Globo.
Tarso, a rigor, encampou os argumentos da defesa do italiano, que sempre negou os crimes de morte que lhe foram atribuídos. Primeiro, como disseram os advogados em nota, “chegou-se ao cúmulo de condená-lo por dois homicídios ocorridos no mesmo dia, quase na mesma hora, em cidades, Udine e Milão, separadas por centenas de quilômetros”. (No caso do assassínio de um comerciante ferido em um assalto do grupo de Battisti, a Justiça lhe atribuiu a coautoria moral, “já que ele não estava na cidade onde ocorreu o crime”, lembra o Globo.)
Segundo, uma perícia francesa concluiu que a procuração do advogado que o representava na Itália no julgamento de 1993 – ele havia fugido para a França, onde recebeu asilo, depois revogado –, foi falsificada.
Terceiro, quem o acusou dos homicídios foi apenas um companheiro que aceitou uma oferta de delação premiada e mudou de identidade – “ou seja, desapareceu”, destaca Tarso.
Quarto, quaisquer tenham sido, os delitos praticados por Battisti foram políticos — e a tradição brasileira, nesses casos, é de dar asilo.
Quinto, o Brasil não extradita fugitivos condenados em seus países ou à morte, ou à prisão perpétua.
É “um deboche cruel”, reagiu o presidente da Associação dos Parentes das Vítimas de Cesare Battisti, Adriano Sabbadin, filho de uma das supostas vítimas dele, em carta ao presidente Lula – também citada no Globo, que mais destacou os protestos italianos.
No Brasil, as mais duras críticas a Tarso, publicadas no Globo, partiram do juiz aposentado Wálter Fanganielo Maierovitch. Ele chega a dizer que, depois de “defender um assassino”, o ministro não pode mais cobrar punição para os torturadores da ditadura militar brasileira – o que pode, ou não, ter nexo.
Um ponto da maior importância – que se contrapõe à acusação da Folha de que Tarso “atropelou” o julgamento do STF, previsto para este semestre – só apareceu no Estado.
A repórter Mariângela Gallucci (ao lado do colega do Valor, Juliano Basile, a mais bem informada setorista do Judiciário em Brasília) apurou que o Supremo tenderia a rejeitar a extradição de Battisti, porque os oponentes da medida “poderiam provar que o caso tinha fundo político”. E explica:
“O Estatuto do Estrangeiro prevê que o STF não concederá a extradição quando o fato imputado ao suspeito, acusado ou condenado, constituir crime político.”
A ciclista e a turista
Questão de critérios: a Folha deu mais espaço (e com chamada na primeira página) à morte acidental de uma funcionária pública mineira em férias na Bahia, quando passeava de parasail, um tipo de paraquedas puxado por uma lancha, do que ao atropelamento fatal de uma ciclista na Avenida Paulista, vítima de um motorista de ônibus que tentava ultrapassá-la.
O Estado ignorou o infortúnio da turista. Em contrapartida, deu uma aula de jornalismo à Folha, ao cobrir exemplarmente, na primeira página inteira do caderno Metrópole, mais esse caso de barbárie urbana em São Paulo.
Essa é a cidade onde “todos os dias”, informa o competente repórter Rodrigo Brancatelli, “o trânsito mata em média 4,3 pessoas e fere com alguma gravidade pelo menos outras 72 – uma ‘epidemia’ que faz mais vítimas fatais que aids, insuficiência cardíaca e tuberculose.
A carnificina paulistana – cujas baixas a Secretaria Municipal de Transportes se recusa a revelar – tem de ser pauta permanente da mídia. É infinitamente mais importante, por exemplo, do que as caneladas entre os políticos em disputa da presidência do Senado, de que a imprensa se ocupa com zelo e regularidade. (Obsevatório da Imprensa)
A dura reação do governo de Roma à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de negar a extradição do “terrorista” (segundo a Folha) ou do “acusado de terrorismo” (Estado), Cesare Battisti, dando-lhe a condição de refugiado político, ecoou amplamente nos jornais desta quinta-feira, 15. Foi também o gancho para uma cobertura circunstanciada do caso desse antigo militante da organização radical Proletários Armados pelo Comunismo, condenado em seu país à prisão perpétua por quatro assassínios cometidos nos anos 1970.
Os italianos, o ministro, os advogados de defesa, outros profissionais do direito e um que outro político, tiveram todos espaço para os seus argumentos. Nenhum jornal, naturalmente, deixou de registrar que em novembro passado o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça se opôs por 3 votos a 2 à concessão de asilo a Battisti. Mas só a Folha deu que o veto foi influenciado pela representante do Itamaraty no organismo, Gilda Santos Neves, que – diz a matéria assinada por Eliane Cantanhêde e Simone Iglesias – “considerou a pressão da Itália pela extradição”.
A mesma matéria, por sinal, foi a única a informar que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, “presa e torturada durante o regime militar”, esteve presente ao encontro em que Tarso Genro “convenceu” o presidente Lula a autorizá-lo a conceder o asilo, apesar do voto contrário do Conare – e embora o assunto já estivesse para ser julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), com parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pela extradição.
A Folha não revela o que a ministra estava fazendo na reunião de Tarso com Lula, nem se ela opinou sobre o caso e muito menos se a sua traumática experiência a levou a defender a permanência de Battisti no Brasil.
No Estado, o que mais abriu as suas colunas ao ministro – até porque ele foi na véspera ao jornal, onde deu entrevista à “TV Estadão”, a seção de vídeos da sua edição online – Tarso comentou:
“Se fosse considerar a minha trajetória política pessoal, teria dado a extradição. Sempre deplorei esse tipo de atividade política, atentados pessoais, terrorismo, violência armada. Eu, na verdade, contrariei minha tradição política.”
O comentário aparentemente se deveu à observação do entrevistador de que um dos advogados de Battisti, o ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalg, é do mesmo partido do ministro e foi por ele recebido antes da concessão do benefício. “Recebi também visitas do embaixador italiano, que manifestou o desejo do seu governo de que Battisti fosse extraditado”, atalhou Tarso.
Previsivelmente, a imprensa lembrou a história dos boxeadores cubanos Guilhermo Rignondeaux e Erislandy Lara, que abandonaram a Vila Olímpica do Rio, no decorrer do Pan, em julho último, e foram repatriados rapidamente a Cuba, “sem qualquer processo formal”, como lembra O Globo na nota “Dois pesos e duas medidas”.
Numa passagem esquisita do texto, o jornal assinala que “na época, a PF alegou que eles recusaram pedido de asilo. O procurador Leonardo Luiz Figueiredo visitou os boxeadores e fez a mesma oferta, que foi recusada". Ora, se ele “fez a mesma oferta, que foi recusada”, não é exato escrever que a Polícia Federal “alegou” – verbo usado comumente para sugerir que a afirmação pode não ser verdadeira.
Das vantagens de ir a uma redação: no Estado, o ponto-de-vista de Tarso a respeito mereceu nada menos de 20 linhas de coluna, concluíndo com a palavra do ministro:
“Houve exploração política do episódio. Outros cubanos pediram refúgio e ficaram no Brasil, sem nenhum problema.”
Quais e quando não lhe foi perguntado.
O ministro explica que negou a extradição porque ele foi condenado à prisão perpétua “sem que pudesse se defender propriamente” – o que deixou as autoridades italianas enfurecidas. “É um insulto ao nosso sistema de Justiça e é uma vergonha para as vítimas do terrorismo e seus familiares”, indignou-se a subsecretária de Justiça Elisabetta Alberti Casellati, citada pelo Globo.
Tarso, a rigor, encampou os argumentos da defesa do italiano, que sempre negou os crimes de morte que lhe foram atribuídos. Primeiro, como disseram os advogados em nota, “chegou-se ao cúmulo de condená-lo por dois homicídios ocorridos no mesmo dia, quase na mesma hora, em cidades, Udine e Milão, separadas por centenas de quilômetros”. (No caso do assassínio de um comerciante ferido em um assalto do grupo de Battisti, a Justiça lhe atribuiu a coautoria moral, “já que ele não estava na cidade onde ocorreu o crime”, lembra o Globo.)
Segundo, uma perícia francesa concluiu que a procuração do advogado que o representava na Itália no julgamento de 1993 – ele havia fugido para a França, onde recebeu asilo, depois revogado –, foi falsificada.
Terceiro, quem o acusou dos homicídios foi apenas um companheiro que aceitou uma oferta de delação premiada e mudou de identidade – “ou seja, desapareceu”, destaca Tarso.
Quarto, quaisquer tenham sido, os delitos praticados por Battisti foram políticos — e a tradição brasileira, nesses casos, é de dar asilo.
Quinto, o Brasil não extradita fugitivos condenados em seus países ou à morte, ou à prisão perpétua.
É “um deboche cruel”, reagiu o presidente da Associação dos Parentes das Vítimas de Cesare Battisti, Adriano Sabbadin, filho de uma das supostas vítimas dele, em carta ao presidente Lula – também citada no Globo, que mais destacou os protestos italianos.
No Brasil, as mais duras críticas a Tarso, publicadas no Globo, partiram do juiz aposentado Wálter Fanganielo Maierovitch. Ele chega a dizer que, depois de “defender um assassino”, o ministro não pode mais cobrar punição para os torturadores da ditadura militar brasileira – o que pode, ou não, ter nexo.
Um ponto da maior importância – que se contrapõe à acusação da Folha de que Tarso “atropelou” o julgamento do STF, previsto para este semestre – só apareceu no Estado.
A repórter Mariângela Gallucci (ao lado do colega do Valor, Juliano Basile, a mais bem informada setorista do Judiciário em Brasília) apurou que o Supremo tenderia a rejeitar a extradição de Battisti, porque os oponentes da medida “poderiam provar que o caso tinha fundo político”. E explica:
“O Estatuto do Estrangeiro prevê que o STF não concederá a extradição quando o fato imputado ao suspeito, acusado ou condenado, constituir crime político.”
A ciclista e a turista
Questão de critérios: a Folha deu mais espaço (e com chamada na primeira página) à morte acidental de uma funcionária pública mineira em férias na Bahia, quando passeava de parasail, um tipo de paraquedas puxado por uma lancha, do que ao atropelamento fatal de uma ciclista na Avenida Paulista, vítima de um motorista de ônibus que tentava ultrapassá-la.
O Estado ignorou o infortúnio da turista. Em contrapartida, deu uma aula de jornalismo à Folha, ao cobrir exemplarmente, na primeira página inteira do caderno Metrópole, mais esse caso de barbárie urbana em São Paulo.
Essa é a cidade onde “todos os dias”, informa o competente repórter Rodrigo Brancatelli, “o trânsito mata em média 4,3 pessoas e fere com alguma gravidade pelo menos outras 72 – uma ‘epidemia’ que faz mais vítimas fatais que aids, insuficiência cardíaca e tuberculose.
A carnificina paulistana – cujas baixas a Secretaria Municipal de Transportes se recusa a revelar – tem de ser pauta permanente da mídia. É infinitamente mais importante, por exemplo, do que as caneladas entre os políticos em disputa da presidência do Senado, de que a imprensa se ocupa com zelo e regularidade. (Obsevatório da Imprensa)
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