terça-feira, agosto 25, 2009

Rubem Braga e sua prisão "incomunicável"

Em 1981 eu tinha 20 anos e morava em Salvador. Um dia li em A Tarde que haveria uma grande festa no Pelourinho não sei bem em homenagem a quem, apenas que era um baiano. E que Rubem Braga estaria presente. De cara conheci um sujeito todo pomposo, ao lado de uma mulher entediada que devia ser a esposa dele. Todo falante, puxou conversa e convidou-me para a sua mesa. Depois de algumas cervejas (ele estava pagando), quando soube que eu tinha ido ali para ver o Rubem Braga, exclamou: “O Braguinha? Mas é meu amigo! Venha, que eu te apresento a ele!” Em seguida me arrastou até um homem baixinho e barrigudo, com um grisalho bigode de morsa, abraçou-o e disse: “Rubem, esse rapaz é seu admirador e quer te conhecer”.
Braga foi pego de surpresa (acho que nem conhecia o sujeito) e sequer teve tempo de exercitar o seu célebre mau-humor – para sorte minha, olhou-me com simpatia e aceitou o meu aperto de mão. Em seguida eu disse que o admirava, falei mais algumas coisas e, claro, caí fora, porque pra chato eu não sirvo.
Foi assim que “conheci” o “velho Braga”. Um ano antes eu tinha passado três meses na sua cidade natal, Cachoeiro de Itapemirim, e lembrado das coisas que ele escrevia a respeito de sua infância e adolescência. Agora, relendo suas crônicas, continuo achando que ele era o cara – gente assim não existe mais na imprensa brasileira. Aquelas suas pequenas crônicas são mais do que excelente literatura: elas nos reconciliam um pouco com a vida, e isso não é pouca coisa. Recomendo o livro dele “200 Crônicas Escolhidas”.(Conselheiro X.)

INCOMUNICÁVEL
Carlos Reverbel era um sujeito muito engraçado e ao mesmo tempo muito simples, como costumam ser os sujeitos verdadeiros. Entrevistei-o duas vezes, na sua casa na Bordini. Asmático, cercado de livros, falava sobre qualquer assunto, sem papas na língua. Amigo de Rubem Braga, com quem conviveu e trabalhou em Porto Alegre nos anos trinta, contou a vez em que foi recebê-lo no cais (era a época dos navios), vindo do Rio – Braga era perseguido que era pelo Estado Novo, e Reverbel anti-getulista.
Braga desembarcou do navio, cansado da longa viagem marítima. Começavam então a conversar quando de repente surgiu um policial e deu voz de prisão ao capixaba, como já era esperado. Em seguida o meganha voltou-se para o jovem Reverbel e, sem mais nem porquê, apontou-lhe o dedo e disse que ele também estava detido.
Surpreso, Reverbel quis saber o motivo de estar indo em cana. O polícia, muito sério, respondeu o seguinte: “Minha ordem é prender esse homem “incomunicável”. Como o senhor se comunicou com ele, também está preso...”
O autor de “Saudações Aftosas” relatava isso com aquele seu sério ar divertido de velho meio moleque. (ConselheiroX.)

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