As cicatrizes do trauma
O trauma na infância pode deixar cicatrizes. Irreversíveis, essas marcas afetam o desenvolvimento de crianças e adolescentes, a vida de adultos, e seus efeitos perduram entre idosos. Vítimas de agressões ou negligência têm mais probabilidade de usarem drogas, sofrerem de transtornos de humor, depressão e ansiedade, com prejuízos à memória e às funções executivas (de resolução de problemas, raciocínio abstrato, planejamento e flexibilidade mental). Essas são algumas das conclusões de projetos desenvolvidos na PUCRS pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Trauma e Estresse (Nepte), vinculado à Faculdade de Psicologia da Universidade (Fapsi).
A pessoa também corre o risco de ficar mais vulnerável biologicamente. "O trauma pode mudar a maneira como ela enfrenta o estresse e a torna menos adaptada ao ambiente", explica o biólogo e professor Moisés Bauer, do Laboratório de Imunologia Celular e Molecular/Instituto de Pesquisas Biomédicas e do Nepte. O psiquiatra e professor Rodrigo Grassi de Oliveira, da Fapsi e Nepte, complementa que o trauma favorece, inclusive, o aparecimento de diabetes, hipertensão e enxaqueca.
Bauer e a doutoranda Andréa Wieck investigarão o estresse associado a alterações inflamatórias. O professor diz que há um elo unindo esse processo ao envelhecimento e a doenças crônico-inflamatórias, como o câncer. Inclusive, existem no mundo testes de uso de anti-inflamatórios contra depressão.
Tal como numa lesão motora, a reabilitação pode ser alternativa para essas vítimas. Um modelo inédito está sendo criado pelo Nepte, envolvendo de exercícios físicos a treinos cognitivos (com testes de memória, por exemplo). "Como ocorre com alguém que tem um derrame, as áreas do cérebro afetadas morrem, mas isso não significa que outras não possam ser treinadas", diz Grassi. O professor da Fapsi Christian Kristensen destaca que o diferencial do Núcleo é reunir profissionais de diferentes áreas, permitindo a avaliação dos efeitos biológicos, endócrinos, psicológicos e cognitivos do trauma para posterior intervenção. Segundo ele, na fase adulta, os indivíduos expostos ao trauma na infância estão predispostos a sofrerem novas agressões ou a se transformarem em agentes de atos violentos.
Entenda melhor
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) se desenvolve depois da exposição a um trauma severo, com uma reação que envolve intenso medo, impotência ou horror. Acarreta sofrimento e prejuízo social e leva a pessoa a ter insônia, irritação e dificuldade de concentração. Nem todos os expostos a essas situações terão TEPT. A maioria apresenta uma reação aguda por até um mês.
Ambulatório tratará bancários
O projeto do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Trauma e Estresse com bancários que sofreram assaltos, em parceria com o sindicato da categoria, resulta na criação de um ambulatório no Hospital São Lucas. Eles participam de psicoterapias semanais que incluem o uso de realidade virtual, em parceria com o Grupo de Realidade Virtual, da Faculdade de Informática. O paciente fica exposto à situação durante vários minutos para concluir que pode superar o trauma. "É o enfrentamento que levará à superação do medo e da ansiedade", explica o professor Christian Kristensen. Dos 30 bancários investigados, seis apresentavam estresse pós-traumático e fazem tratamento.
Pesquisa avaliará 5 mil pessoas
As psicólogas Janaína Pacheco e Tatiana Irigaray, com professores do Pós-Graduação em Psicologia e sob a coordenação de Irani Argimon, abordarão os efeitos do trauma na infância. Serão avaliadas 5 mil pessoas na Capital, de adolescentes a idosos. A investigação pretende entender a associação entre os maus-tratos e uso de drogas, depressão, estresse pós-traumático e ajustamento psicológico (que envolve autoestima, competência social, desempenho acadêmico e relação com os pais). A pesquisa faz parte do Programa Nacional de Pós-Doutorado da Capes. Neste ano, deverão ser conhecidos os primeiros resultados. O estudo, até 2015, tem a participação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado.
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