Quem não lembra dele, com aquele óculos fundo de garrafa, a fala afetada, dizendo poucas e boas, não raro mentindo e não raro acertando na mosca?
Um dos jornalistas mais cultos e mais lidos do Brasil (escrevia inicialmente na Folha de São Paulo, passando depois para o Estado, que distribuía sua coluna para dezenas de outros jornais brasileiros), considerado arrogante e direitista por muitas, lúcido por outros, Paulo Francis tinha um humor ranzinza - e talvez seja este humor que esteja fazendo falta hoje, anos depois da sua morte, em 4 de fevereiro de 1997, em Nova Iorque, aos 66 anos.
Francis - nascido Franz Paulo Trannin Heilborn, em uma família de classe média alta do Rio de Janeiro - nunca fez curso superior, foi trotskista na juventude, dos 14 aos 27 anos leu em média seis horas por dia, participou dos áureos tempos do Pasquim, foi preso pela ditadura militar, ofendeu todo mundo (inclusive Roberto Marinho, que comparou a um emissário cloacal, o "robertoduto". Depois foi trabalhar para as Organizações Globo: Marinho não guardou mágoas do episódio) e, por essas e outras, morreu de infarto em seu apartamento na cidade que ele considerava a Capital do Mundo.
Também parecia não gostar de negros e nordestinos - certa vez chamou o Nordeste "desta região desgraçada do País." Quanto aos seus comentários culturais, era igualmente ácido e pretensioso - simplesmente desprezava o moderno cinema nacional e considerava quase todos os intelectuais como subservientes ao poder. Na esfera política, tornou-se célebre a denominação que deu ao senador Eduardo Suplicy (e sua fleuma) - "Mogadon", o nome de um remédio.
Paulo Francis vivia então (1997) um dos mais complicados períodos da sua vida: estava sendo processado pelo presidente da Petrobrás (do governo FHC), Joel Rennó, e mais outros seis diretores da estatal. Eles pediam nada menos do que 100 milhões de dólares por ressarcimento moral, uma vez que o jornalista havia dito, durante sua participação no programa Manhattan Connection, da Globosat, que`"os diretores da Petrobrás põem dinheiro na Suiça", "roubam em subfaturamento e superfaturamento", "é a maior quadrilha que já existiu no Brasil". Pior: disse isso tudo sem nenhuma prova consistente e certamente iria perder o processo e ter que pagar uma bolada grossa para os acusados. Aliás, já estava gastando os tubos com advogados - ele, o jornalista mais bem pago do Brasil, ainda assim não tinha como fazer frente às despesas com honorários (ele próprio calculou que o processo se arrastaria por uns cinco anos e lhe custaria, só com os advogados, no mínimo 200 mil dólares). Segundo Francis, o objetivo da ação era arruiná-lo financeiramente. Transtornado, passou a ingerir calmantes em doses maciças e a sentir dores nos ombros, o que julgou um sintoma da sua bursite e não de problemas cardíacos, os quais até seu médico desconhecia.
É de se imaginar que, se estivesse vivo hoje, o que ele não diria do governo Lula.
Uma palhinha de Paulo Francis:
"A morte deve ser como a anestesia geral"
"Bebi muitos anos. Para ficar bêbado. Não vejo outra razão. O bebedor social é coisa de pequeno-burguês" (depois parou completamente de beber)
"Fidel Castro é essencialmente um conservador feudal, um feitor de fazenda, a quem a idéia de inovações, de modernidade, horroriza"
"A melhor propaganda anticomunista é deixar os comunistas falarem"
"Acho que a tendência do intelectual é ser de direita. Ele é, por definição, um elitista"
"É preciso meter as mãos na cabeça raspada do Vicentinho língua-presa. Eu lhe daria uma chicotada para ver se reage docilmente como escravo."
"Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. Crítica não é raiva. E crítica, às vezes, é estúpida."
"Nenhum filme brasileiro dá certo porque todos os cineastas tentam demagogicamente se colocar na posição de humildes. É falso, visceralmente. Sempre que vejo algum favelado em filme brasileiro tenho vontade de sair gritando: é um santo! É um santo!"
"O negro africano não tinha língua escrita, como notaram os exploradores da África do século XIX; logo não pode, pela ordem natural das coisas, possuir uma cultura como a entendemos."
"Quero que fique registrado que eu favoreceria o fechamento do Congresso ou qualquer outra dessas instituições reacionárias que impedem o progresso do País."
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