quinta-feira, julho 02, 2020

Coudet vai à carniceria ou ao peluquero?



A primeira coisa que um estrangeiro deve fazer quando chegar a um outro país, se deseja permanecer, ou até não, é tentar aprender o idioma local, o que, no mínimo, vai facilitar as coisas para todas as partes. Pelo menos é o que a minha lógica registra e o que acredito que a maioria, o cidadão comum, também pensa, seja aqui, na China ou no Cagakistão. 
Mas não é o que pensam os técnicos argentinos, pelo que se vê nos últimos tempos.  Contratados a peso de ouro 24 quilates, recentemente invadiram a pátria tupiniquim, muito em virtude das suas reconhecidas qualificações, é verdade. Pois noto, com alguma irritação, que tais profissionais estrangeiros se recusam a falar o português, a tal última flor do Lácio, inculta e bela, alegando sentirem-se mais à vontade hablando em espanhol e não na língua da terra na qual estão chegando. 
É e foi assim com o treinador do Inter, Eduardo Coudet, com o ex do Santos, Jorge Sampaoli e com Ricardo Gareca, no Palmeiras - todos não davam e não dão nem bom dia em português em suas concorridas entrevistas para os "reporteros" nacionais. Só falta falarem San Pablo em vez de São Paulo. Poderíamos, claro, revidar, chamando Buenos Aires de Bons Ares, mas deixa pra lá.
Não sei interpretar direito o fenômeno. Rebeldia infantil? Soberba? Preguiça mental? Esnobismo portenho? Por que, afinal, não tentar ao menos mesclar algumas palavras em português, aos pouquinhos, gradualmente, até dominar parcialmente o novo vocabulário? 
Não ponho nesse tango - até porque não é técnico - o Dalessandro, do Inter, um caso ao contrário, grande jogador que sempre faz questão de se comunicar no nosso idioma (com repórteres argentinos ele fala em espanhol), no qual se expressa até bem direitinho. Com isso dá exemplo de respeito e carinho pela nação onde está vivendo e ganhando seu pão (pão de ouro e diamantes, considerando os salários astronômicos e indecentes do futebol).
Eis a pergunta cabível aqui: como seria, imagino, se um treinador brasileiro fosse trabalhar na Argentina, ao conceder entrevistas coletivas somente em português? 
Conhecendo os queridos e orgulhosos hermanos, recusar-se a falar em espanhol, o idioma da nova casa - por mais estropiado que fosse, seria um sacrilégio e tanto, um crime de lesa-pátria; talvez o sujeito não durasse muito no cargo, pagando justificadamente pela sua antipatia. 
No Brasil, até agora, não vi nenhum desses comentaristas esportivos - que vivem nas tevês e rádios babando raiva teatral por todos os poros - qualquer crítica a respeito, o que sinaliza tácita aprovação, própria do complexo de vira-latas.
Essa resistência linguística me recorda o maragato Gumercindo Machado na revolução federalista de 1893-94. Brasileiro de coração e armas, Gumercindo - que tinha fazendas no Uruguai - pedia desculpas por não falar o português com suas tropas gaúchas. Alegou preferir hablar em castelhano, para não "estropiar" o português, que falava mal. 
Minha vizinha, uma senhora de idade, simpática portenha que mora há uns 40 anos no Brasil, faz exatamente o mesmo - ao me encontrar no elevador dá "buenos dias" ou "como te vas?". Quando vai ao cabeleirero diz que está indo ao "peluquero". Só falta informar está indo á "carniceria" para comprar carnes no que chamamos de açougue e e que sua neta "embaraçada" está para ganhar o primeiro "hijo".

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