O temível
Daison Pontes e seu futebol nada amistoso
Daison Pontes. O nome desse jogador está na memória dos mais
antigos, aqueles que acompanhavam o futebol gaúcho nas décadas de 60 e 70. O
motivo não era exatamente a sua técnica futebolística, embora todos
reconhecessem que era, sim, um jogador habilidoso e excelente no trato com a
bola. Só não era excelente no trato com os adversários, aos quais não media
gentilezas quando se aproximavam da grande área. Pontapés, caneladas,
encontrões , cotoveladase socos faziam parte do, digamos, estilo “daisoniano”
de praticar futebol. Assim, ao longo do tempo, Daison Pontes se tornou um
símbolo do futebol violento e detentor de um recorde no futebol brasileiro: foi
expulso de campo nada menos do que 18 vezes. Chegou a jogar no Flamengo do Rio,
mas foi dispensado ao final de três meses, pelas entradas violentas até mesmo
nos treinos.
Daison – que era irmão mais velho de Bibiano Pontes, daquele
time de ouro do Internacional, e também de João Pontes – certamente é lembrado
pelo árbitro José Luís Barreto, se este estiver vivo depois de tantos anos. Era
o domingo de 20 de novembro de 1974, pelo campeonato gaúcho – e o Gauchão,
naqueles tempos, tinha uma certa ferocidade que alguns entendiam como
virilidade, ou a tal “macheza gaúcha”. E naquele ano a vida dos árbitros não
estava sendo nada fácil dentro de campo. Tudo bem que as arbitragens deixavam
muito a desejar, mas o futebol é um esporte praticado com as pernas e não com
os braços, ou, sobretudo, os punhos.
Daison, violento mas grande zagueiro. |
Talvez Daison Pontes não entendesse bem isso durante aquele
jogo, em Santa Maria, entre o Inter de Santa Maria e o Gaúcho de Passo Fundo,
apitado por Barreto. O time visitante vencia por 1 a 0 quando o árbitro,
irritado com as jogadas duras da zaga do Passo Fundo, advertiu seus jogadores,
pedindo que maneirassem nas divididas, caso contrário teria que marcar alguns
pênaltis. Nove minutos antes do Gaúcho fazer o seu gol José Luis Barreto
cumpriu a promessa, marcando uma penalidade máxima a favor do Inter de Santa
Maria, cobrada e desperdiçada por Tadeu. Vendo que seu apelo de não-violência não
surtira nenhum efeito e que a zaga do Gaúcho continuava a baixar o sarrafo, aos
14 minutos do segundo tempo o árbitro marcou novo pênalti a favor do time da
casa, desta vez praticado por ele, o temível e famoso zagueiro das entradas
duras. Daison atingiu violentamente, por trás, o santa-mariense Edson,
derrubando-o no gramado.
Acontece que Daison já havia dito a seus companheiros que,
caso Barreto prejudicasse seu time, iria até ele e lhe daria um soco na cara. E
foi exatamente o que fez: marchou até o juiz da partida e acertou-lhe um soco
no rosto, abaixo do olho esquerdo e mais alguns pontapés nas canelas. Tonto e
sangrando, o árbitro ainda conseguiu sacar o cartão vermelho, expulsando o
zagueiro do Gaúcho de Passo Fundo. Em meio à confusão que se seguiu, com
dirigentes e brigadianos invadindo o campo, Daison escapou e não mais foi visto
naquele dia: dizem que fugiu da prisão em flagrante, pegando um táxi e se
mandando para a vizinha cidade de Júlio de Castilhos. Quanto a José Luís
Barreto, recusou ser medicado, passou um lenço no rosto e continuou apitando. O
pênalti foi cobrado e desta vez convertido. Mas o jogo – que terminaria em 1 a
1 – ainda teve o jogador Leivinha, também do Gaúcho, expulso de campo.
Ao contrário do que provavelmente ocorreria nos dias de hoje,
o zagueiro brigão não foi execrado e sim cumprimentado pelo seu ato de
pugilismo, conforme descreveu o correspondente da Companhia Jornalística Caldas
Júnior em Passo Fundo. “O zagueiro Daison
Pontes só recebeu aplausos quando apareceu, ontem pela manhã, no centro da
cidade. Durante todo o dia foi cumprimentado pelo soco que deu no juiz José
Luís Barreto.” O diretor de futebol do Gaúcho foi mais adiante em suas
declarações à imprensa: “Infelizmente eu
não estava em Santa Maria, senão o Barreto apanharia de mim também. Todo mundo
está roubando do Gaúcho e alguém tem que tomar providências. Nós compreendemos
a atitude de Daison pois demonstrou que é um jogador que atua com garra, sangue
e amor à camiseta. Se alguém não modificar as arbitragens, muito juiz vai
apanhar”. Até mesmo o comedido comentarista esportivo, Ruy Carlos
Ostermann, em sua coluna no Correio do Povo, disse entender as razões de
Daison: “O futebol exige a violência.
Zagueiro que joga apalpando acaba se machucando, serve apenas para incentivar
os maus propósitos do centro-avante. Gosto de uma frase de Moisés, do Vasco:
zagueiro não pode querer o Belfort Duarte (prêmio
para os jogadores mais disciplinados) É preciso impor respeito, jogar
na bola e palmo e meio adiante dela. A dificuldade é pequena: quem sabe, bate e
se faz respeitado”.
Em janeiro de 1976, quando da despedida de Bibiano Pontes do
Inter, Ruy Carlos Ostermann citou Daison Pontes em outra crônica: “Conheci o irmão de Bibiano, o Daison, um
imenso zagueiro de área prejudicado por inúmeras contradições pessoais, mas de
grande personalidade. Não a personalidade comum, organizada: era a
personalidade para o gesto forte, para a empolgação.”
O soco em Barreto custou caro a Daison, punido com 1 ano e
meio de afastamento dos campos, dos quais seis meses acabaram perdoados. Daison
Pontes morreu em 2012, aos 74 anos, vítima do mal de Alzáimer, em sua casa em
Passo Fundo, onde era funcionário público aposentado.
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