terça-feira, junho 23, 2020

A traição de Capitu em áudiolivro


Capitu traiu ou não traiu? A pergunta me espanta, ainda mais agora que reli - ou melhor, ouvi - a obra-prima de Machado de Assis, escritor que cada vez é mais valorizado, inclusive em outros países, e merecidamente.
O espanto é mais do que justificável, pois tá na cara que a linda e enigmática mulher de "olhos oblíquos e dissimulados", "olhos de mormaço", realmente era amante de Escobar, e que o filho dela com Bentinho, no caso, o corno - perdoem a expressão chula - da história na verdade era filho de Escobar: era até parecidísimo com a filha do maior amigo do Bentinho com a melhor amiga de Capitu, com quem se casou - os dois casais tornaram-se inseparáveis. Por experiência, sei no que isso vai dar. O garoto também tinha os olhos e os trejeitos do amante da sua mãe. O "insight" da vítima veio durante o velório de Escobar, que morreu afogado na praia.
Na verdade, Bentinho - que depois, fechado e meditabundo, passou a ser chamado por todos de Dom Casmurro - foi o último a saber. A própria mãe dele passou em certo momento a tratar Capitu com frieza, quase hostilidade: ela já sabia. A vizinhança, tudo indica, também sabia. Só o Bentinho, coitado, é que não.
Li Dom Casmurro faz muito tempo, e já não me recordava de muitos trechos. Por estes dias, usando um recurso maravilhoso dos ultrajantes tempos tecnológicos em que vivemos, o Áudiobook, ou Áudiolivro, tirei qualquer dúvida sobre a atitude de Capitu. Portanto, essa discussão sobre a traição ou não de Capitu me parece pedantismo, assunto masturbatório para intelectuais presunços ou críticos literários sem ter mais o que fazer. Capitolina (que nome, hein), a Capitu, deveria ser usada como exemplo das complexidades das relações de casais e da psicologia e das reações à traição conjugal e traição cínica aos amigos.
Uma dica despretensiosa e talvez redudante: ler é bom, mas também gasta as vistas. O audiolivro, de boa qualidade sonora (e a maioria o é) é gostosamente prático - você pode ler com os ouvidos enquanto lava louça, limpa a casa ou toma banho.
Machado, dizem, era feio e talvez não tenha tido muitas mulheres (vai saber...), porém entendia delas como poucos, bem ao contrário de Lima Barreto, que jamais conheceu ou teve um grande amor que não fosse a bebida que o matou no início da meia idade. Há muita traição conjugal nas histórias do Bruxo do Cosme Velho, com seu sarcasmo e senso de humor.
No conto A Cartomante, de Machado, outro cara que metia chifres (desculpem de novo o impoliticamente correto) no seu maior amigo recebe deste uma carta em que pede que vá a sua casa. Com a pulga atrás da orelha, o sujeito vai, mas antes pára (continuo com a velha grafia) na casa de uma cartomante italiana situada no meio da estrada. Ele, que era cético, faz isso, consultar a vidente indicada por sua amante, por curiosidade ou sabe-se lá o quê. A mulher, claro, "adivinha" que o problema é de amor. Depois de jogar as cartas, diz que não se preocupasse, que tudo iria dar certo. Confiante o rapaz chega à casa do amigo e a primeira coisa que vê, ainda na varanda, é a mulher caída em uma poça de sangue e o marido e amigo traído com um revólver na mão. Contrariando as cartas, que nunca mentem, levou - como dizem os policiais - um "projetil" na cara", encerrando a questão.

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