Onooda ao se entregar, em 1974, nas Filipinas.
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A propósito desses caras que negam os efeitos imunizadores das vacinas (não só negam como as condenam), dos malucos terraplanistas e dos sujeitos que acham que a COVIT-19 é uma gripezinha, lembrei do Pato, um tipo simplório e meio patusco que vivia na cidade onde passei a minha adolescência, na região Celeiro, interior do RS.
Pato, como o apelido indica, era bundudo, de pernas curtas e caminhava como os patos verdadeiros, a exemplo dos seus irmãos, integrantes da numerosa prole patusca. Nos anos setenta - tempos jurássicos - as emissoras de rádio FM já existiam, mas em pequena quantidade, quase todas em Porto Alegre. E a nossa simpática urbe de menos de cinco mil habitantes (sequer contava com alguma emissora AM) só conhecia de fato as frequências moduladas quem tivesse viajado para a Capital. Nosso amigo, no caso, nunca saíra dali e seu horizonte geográfico estendia-se, no máximo, a uns cem quilômetros à volta.
Eu, estudante na quase grande cidade, uma noite falei-lhe das FMs e da qualidade maravilhosa daquele som, o futuro das transmissões, a modernidade tecnológica. Pato, um cético que temia cair nas "atochadas" dos outros e fazer papel de otário, riu, incrédulo. Aliás, fez pouco caso: "Como é que é? FM?" Normal: no seu aparelho de rádio não "aparecia" o som de FM alguma, portanto isso não existia.
Tais tipos, que precisam ver para crer, desprezando qualquer outra forma de conhecimento, são inúmeros na história da Humanidade. O caso mais conhecido talvez seja o daquele soldado japonês que negou-se a acreditar na rendição do seu País na Segunda Guerra Mundial. Escondido nas selvas das Filipinas, continuou a lutar, considerando que os panfletos que os aviões norte-americanos lançavam do ar eram simples contrapropaganda dos aliados, fake news - isso já acontecera antes.
Chamava-se Hiroo Onoda, um subtenente do exército imperial, treinado em atividades de espionagem e guerrilha. Durante 30 anos, na remota Lubang, viveu de caça e da pilhagem dos nativos locais, dos quais matou mais de 30 com seu fuzil - este funcionou perfeitamente o tempo todo naquela ilha chuvosa. Dormia em cavernas e atirava contra os aviões que passavam ao alto.
Um jornalista japonês ouvira relatos a respeito e foi lá, em busca e uma boa história. Conseguiu contatar o rebelde - só ele sobrevivera, dentre quase 300 companheiros. Finalmente levado a acreditar que o Japão havia perdido a guerra, o combatente aceitou render-se, porém apenas na presença do seu oficial superior - que, por sorte, estava vivo e foi lá convencê-lo. Em 1974 Onoda entregou sua espada e seu fuzil ao então presidente das Filipinas, Ferdinando Marcos - uma publicidade e tanto para o velho ditador. No Japão o Rambo nipônico tornou-se herói nacional e disputado palestrante. Um dia, cansado de tanto auê, preferiu aceitar o convite de um seu irmão, que morava no Brasil, e tornou-se também agricultor em Goiás. Anos depois retornou em definitivo para sua terra natal, onde morreu em 2014, aos 91 anos, dos quais 14 no Brasil
Quanto ao Pato, nunca mais soube dele, se está vivo ou não. Fiquei sabendo depois que ele também não acreditava na chegada do homem à Lua, outra fake news para enganá-lo. Certamente, nos tempos atuais, seria um terraplanista de estirpe olavista e talvez avistasse um comunista vacinado escondido embaixo da cama.
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