segunda-feira, julho 21, 2008

A estranha história de Meio-Quilo


Essa história me foi contada por um gringuinho baixo e pequeno, da Serra, que tinha o singelo apelido de Meio-Quilo. Caminhoneiro, dono de um Mercedez Benz, ele fazia frequentes viagens ao Norte e Nordeste, transportando as mais variadas cargas - a vida normal de um profissional da estrada. Em meados dos anos oitenta - já faz um tempo, portanto - Meio-Quilo viajava muito para o Amazonas e o Pará. Numa dessas viagens, foi a Belém do Pará, que, como todos sabem, é banhada por rio, ou rios - na me perguntem se é o Amazonas ou não: consultem os mapas.
Uma vez lá, depois de descarregar o seu caminhão, Meio-Quilo foi a um restaurante, desses típicos de caminhoneiros, com comida farta e barata. Loiro, chamava a atenção em meio a tantos rostos morenos. Sentado à mesa, foi, subitamente, abordado por um homem que perguntou se ele era gaúcho. O rapaz respondeu que sim, que era gaúcho. Então o homem sentou-se junto dele e disse que tinha uma proposta a lhe fazer. Mas primeiro queria saber qual era o seu caminhão e quanto valia. Meio-Quilo deu um valor qualquer, meio por alto, esperando uma proposta de compra.
Mas o homem disse que a proposta era outra: ele, caminhoneiro gaúcho, toparia fazer o seguinte?: deixar o seu caminhão vazio ali mesmo, com a chave, aos cuidados desse senhor desconhecido. Este último, por sua vez, assumiria a responsabilidade do caminhão e o carregaria com uma carga que não seria do conhecimento de Meio-Quilo - nem a carga nem o destino. Durante uma semana ficaria em um hotel da cidade, com tudo pago antecipadamente pelo contratante, esperando a volta do Mercedez Benz. Para garantir que o negócio era sério o desconhecido lhe daria um cheque, no valor que ele disse ser o do veículo - um cheque quente, poderia consultar o banco para ver se tinha fundos ou não. O caminhão, afirmou o homem, certamente voltaria - porém em caso de não voltar ele teria dinheiro para comprar outro. Como lambuja, receberia cinco vezes o valor de um frete normal, além das despesas pessoais totalmente pagas.
Meio-Quilo, que era jovem, cobiçoso e aventureiro, mediu bem os riscos e vantagens - pensou, pensou. E topou.
Feito o acordo, com o cheque nas mãos, devidamente verificado, mais o dinheiro vivo das despesas, hospedou-se em um hotel, deixando o caminhão lá - que seria carregado à noite e seguiria de balsa, rio abaixo.
Meio-Quilo ficou uma semana assim, um tanto ansioso, é verdade, mas por outro lado feliz por poder faturar uma bela grana. Combinaram encontrar-se no mesmo local, dali a sete dias.
Exatamente uma semana depois o caminhoneiro gaúcho sentou-se à mesma mesa, no horário combinado, esperando o homem, com o cheque de garantia no bolso. O desconhecido logo chegou e perguntou se ele tinha o cheque, pois o caminhão estava ali fora, tal como estava uma semana antes. Meio-Quilo foi lá verificar, vistoriou para ver se não faltava nada - estava tudo ok, conforme o combinado: o caminhão lavado e bonito, sem faltar uma só peça.
O homem então lhe pagou cinco vezes o valor de um frete normal entre a Serra gaúcha e a Amazônia, em dinheiro vivo, e pegou o cheque de volta. Apertaram-se as mãos e nunca mais se viram.
Até hoje penso nessa história, penso em Meio-Quilo e no que aquilo significou. Perguntei a ele se tinha idéia do que fora transportado rio abaixo no seu caminhão - algo ilegal, certamente. "Sei lá", respondeu o gringo. "Imagino muitas coisas, inclusive drogas. Mas acho que ele estava transportando as pedras preciosas do Abi-Ackel". Para quem não se recorda, Ibraim Abi-Ackel foi ministro da Justiça no Governo Sarney e protagonizou um rumoroso escândo de contrabando de pedras preciosas, tanto que teve de sair do cargo.
É, meus amigos, esse Brasilzão tem muitas histórias, e os caminhoneiros ainda mais. (Conselheiro X.)

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