Maristela Bairros
Entre as manias que tenho, uma é... guardar agendas velhas. Tanto agendas de compromisso que terminam, inevitavelmente, cheias de rabiscos, coisas fora de data, endereços fora de lugar, notas apressadas, quanto as de telefone. De todos os tamanhos. Tenho aquelas lindas agendas Mario Quintana, do início dos anos 1990, umas três, grandes, em cada página uma frase do poeta cujo único defeito, além de não ter muito saco para os colegas em geral (será isso defeito?), foi ter se submetido à eleição daquela caterva da Academia Brasileira de Letras mais de uma vez sabendo que sempre iriam caroneá-lo. Enfim. Tenho agendas de todos os tamanhos, tipos, umas mais inteiras e resistentes, outras esfarrapadas.
Mas o que mais dói em rever agendas de telefone principalmente é ver os nomes que ali estão e que já não atendem mais telefone nenhum porque se foram para algum outro lugar no tempo-espaço que eu pensava, antes, saber que existia e até onde era. Hoje, não sei nem se existe. E lá vou eu divagando para chegar onde quero: ontem, se completou mais um ano que o Luiz Figueredo foi arrancado da vida, bem naquela fase em que ia recomeçar a maternar com a chegada do neto, Bernardo. Aliás, poucos dias depois que o guri tinha nascido. Isso lá é coisa que se faça, Senhor Todo Poderoso?
Minha ausência na despedida do Fig é um dos raros casos de covardia explícita que assumo neste ramo. Não temo ir a velórios e enterros, muito menos dos que estimei em vida. E já fui a tanta cerimônia de quem mal conhecia, por formalidade ou educação.
Mas na do Gordo não fui porque não consegui mesmo.
E o telefone dele é um destes, com diversos números diferentes, ao longo dos tempos, que aparece nas minhas agendas. Antes, eu me dava ao trabalho de riscar, ou colocar uma cruz ao lado dos que não atendem mais chamadas sem auxílio de um médium. Hoje, deixo como está.
Porque estes afetos ficam com a gente, queiramos ou não. São presença tão ou mais fortes que os que continuam ao nosso lado, desfrutando das delícias e das dores de viver neste planeta, usando esta roupa de carne e osso e nervos em especial, e tudo isso embalado em emoções, esta praga que só serve pra deixar a gente na gangorra.
Fig veio a mim esta semana não porque fui ao Centro Espírita, tampouco porque minha memória fuleira do jeito que anda me fez lembrar ou ler algo sobre mais um “aniversário de morte” – expressão canalha que tem de se usar.
O Gordo chegou de volta pelos mails que, desde dia 10, estou trocando com um colega querido que hoje vive no Espírito Santo e deixou o jornalismo faz tempo, mas que desfrutou, comigo, da presença de Fig quando foi criada a então Central do Interior da Zero Hora. Fernando Lima Sanchotene me descobriu aqui, no Coletiva, e me enviou uma mensagem cheia de dedos, já se desculpando se eu não fosse eu, aquela guria que trabalhou com ele naqueles inícios de 1970.
Como esquecer aquele moço sorridente, com quem eu papeava sem parar, que tinha cara de irlandês e era de uma bonachice total! Nos últimos dias, conversamos tanto por mail que metade da minha vida profissional (e, a reboque, pessoal) de início de carreira, que eu tinha esquecido, veio de supetão para cima da linha da lembrança.
Gente que eu já quase esquecera surgiu nos escritos do Fernando: Nédio Ceccin, um homem tão magro, tão magro, mas tão magro, que era a personificação do Dom Quixote que eu lera e trabalhava naquela coisa barulhenta chamada telex; a secretária mandona, que mandava a gente parar de conversar mas que era gente fina embora nos amedrontasse, achamos que se chamava Norma; o bar do Ghilosso, que ficava no porão da ZH, para onde, uma vez, me mandaram com um dois rolos de durex daqueles com base de cimento, dentro da minha mochila, como batismo de fogo de foca e eu nem senti o peso (coisa do Coi Lopes de Almeida, outro que foi). Lembramos do Telmo Curcio e seu colete cheio de bolsos, coisa de fotógrafo, e eu mais ainda de ele ter feito um pôster meu, único registro daqueles áureos 20 e poucos anos que minha mãe, distraidamente, transformou em obra de Salvador Dali ao limpá-lo com um pano embebido em algum tipo de ajax –Telmo e sua risadinha, ele que era pequeninho, debochado, zangado, chefe temido.
Tanta gente. Tanta situação. O chefe, hoje um velho e doente senhor, que adorava intimidar as novatas, falando com a gente com o rosto quase encostando e um dos pés pressionando, ou sentando em um banco e indo se encostando e empurrando a pobre assustada para fora, ou, pior, trancando a infeliz na sua sala-aquário, enfiando os dedos no nariz e chamando a todas de mari-coisa, com um sorriso cínico, puro exercício do poder. O outro que carregava sanduíche no bolso do casaco e que uma vez pegou táxi para ir embora para casa e não sabia mais onde morava.
E, no meio de tudo, Fig, meu chefe inesquecível, que fazia um par que eu nunca iria imaginar que se desfaria com a Teresinha, que eu também lembro com tanto carinho. O Gordo que latia de brabo, mas era de manteiga e que quando ia desfrutar de Bernardo, foi. E a única coisa que me consola é saber que ele foi na companhia do cachorrão pastor alemão que morava com ele por último.
Então, Sanchotene, depois disso, vai fazer o blog ou não vai? (Coletiva.Net)
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