segunda-feira, setembro 14, 2020

Não faço a mínima ideia


Tem um bom vídeo da Clarice Linspector no Youtube, quando ela já estava cinquentona e bonita como sempre. Acho que é no velho programa Vox Populi. O entrevistador, meio babaca e presunçoso, pra dizer o mínimo, lança umas perguntas "cabeças" para a escritora, tipo "O que é a vida?". Ela, séria, fumando, responde na maior naturalidade: "Não faço a mínima ideia". Adorável. Outras vez repete simplesmente "não sei", e ponto final. Clarice, judia ucraniana, tinha a língua plêsa - digo, presa. Fumava como um bicho, tanto que incendiou seu apartamento nos anos sessenta, sofreu queimaduras graves e quase morreu, o que se nota nas marcas das suas pernas. Também era boa de copo, ao menos é o que dizem. Fumava Hollywood. Faleceu um dia antes de completar 58 anos. 

Um cara parecido com esse entrevistador do Vox, supervalorizado ao meu ver, era aquele Antonio Abujamra, com seu programa Provocações, na tevê Cultura de São Paulo. Tinha a voz empostada, artificial, e fazia esse tipo de pergunta: "O que é a vida pra você?". Perguntou isso pro Ruy Castro, uma vez, faz tempo, e a resposta foi como a da Linspector: "Não faço a mínima ideia". Em compensação, fazer tal indagação para o Gilberto Gil - aquele dos tempos idos - ia render uma filosofice cretina de mais de meia hora. Idem se fosse o Caetano Veloso. 

Não faço a mínima ideia. Isso sim é resposta - a maioria das coisas a gente não faz a mínima ideia. Uma vez vi na tevê um repórter perguntando para um preso, no xadrez: "Como é que você se sente?" E o preso responde: "Me sinto preso". Podiam ensinar tal sabedoria a esses filósofos de boutique que aparecem toda hora na tevê, geralmente depois dos sábios conselhos medicinais do doutor Dráuzio Varela - aquele médico com cara de doente que gosta mais de aparecer do que tamanduá gosta de formiga.

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