No tempo em que eu frequentava butecos - alguns bem sórdidos, é verdade - conheci muitos borrachos religiosos, daqueles que, na despedida, nos dizem "fique com Deus". Como sou alguém condescendente e até indulgente, nunca nem sequer ironizei a frase - cada macaco no seu galho, e ponto final. Até para evitar qualquer coisa e manter a amenidade do clima, desejável em tais ambientes. Porém, certo dia, um deles, magrinho e orgulhoso, inclusive do fato de só tomar banho uma vez por semana, trouxe à baila (gosto desse "à baila") a sua crença na vida eterna e, desta vez, contrariando a regra pétrea da minha Constituição pessoal, decidi intervir - o cara era portador de uma tosca e diminuta caixa craniana que um canibal da Indonésia hesitaria em mumificar.
"Escuta aqui, Paulinho Cachaça, você passa o dia nos butecos, enchendo a cara e conversando fiado, sem fazer mais nada. Pelo que eu sei, no Paraíso não tem bares. Na vida eterna, não morrendo nunca mais, como é que vais ocupar o teu tempo? Lá não precisa tomar banho, mas ouvir harpa e ver anjos voando o dia inteiro enche o saco. E nem existe a possibilidade de se matar. Pense nisso e tome tenência."
O nome do querido, muito popular aqui no Baixo Mundo, era Paulinho Cachaça. Vivia com a mãe e morreu um ano depois, de causas incertas e bem sabidas. Ninguém, nem nos bares, sentiu a sua falta ou foi ao funeral. Como dizem, a cana também promove o encontro com Deus. Em todo o caso, com ou sem butiquins, que Ele o tenha no paraíso da Eternidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário