segunda-feira, junho 23, 2008

Viagens do Conselheiro por terras brasileiras


Estamos em 2008, se não me falha a memória. Pois fazem exatamente dez anos que fiz uma viagem inesquecível pelo Brasil, saindo de Floripa, onde morava, pegando carona com dois amigos que voltavam de carro para Brasília (lembro que era a época das eleições, aquelas em que Roriz ganhou de última hora do Cristóvão Buarque). Permaneci lá uma semana - não conhecia Brasília - e achei a cidade bem melhor do que imaginava, não pela arquitetura do Niemeyer e sim pelo clima e pela gente.
Como o ar do cerrado é extremamente seco, fiquei logo afônico, porém descobri um antídoto: comprei um descongestionante nasal Sorine, esvaziei e coloquei água lá dentro. De meia em meia hora, espirrava aquilo nas narinas, e assim consegui ao menos continuar falando. Falta de umidade no ar emudece o cara.
De Brasília segui, de ônibus (o melhor modo de conhecer o Brasil é viajando por terra, só que é cansativo), para Palmas, a Capital do Tocantins, uma cidade que nasceu no início dos anos noventa, toda planejada.
Bom, eu esperava encontrar algo tipo faroeste, como diziam as notícias sobre a região. Tocantins, desmembrada de Goiás, já está na região Norte, e tem alguns aspectos amazônicos. No ônibus vi uma índia, pura, falando no seu idioma com duas criancinhas, seus filhos. Lembrei dos tempos em que convivi com esse povo.
Palmas, com pouco mais de 200 mil habitantes, me surpreendeu e contrariou minhas expectativas, pra melhor: é uma cidade limpa, ordeira e funcional, com gente de todos os Estados, o povo é educado e eficiente, há um frenesi geral de ganhar dinheiro, o custo de vida é alto e o calor - ah, esse é infernal. A gente sua às bicas, o tempo todo. Mesmo assim, gozado, o povo de lá - talvez por ter muitos mineiros - prefere andar de calças em vez de bermudas, como nos demais estados com clima tórrido.
Hoje, se eu fosse um desses garotos de vinte e poucos anos, acho que arriscaria fazer a vida em uma terra dessas: há muitas coisas a se fazer, e a receptividade aos gaúchos, como mão-de-obra, é das melhores.
De Palmas segui para Imperatriz, a segunda maior cidade do Maranhão, às margens do rio Tocantins, na divisa entre os dois Estados. É a chamada região do Bico do Papagaio, terra de pistoleiros, de grilagem, quase sem lei, e lá o bicho pega. Imperatriz é - ou era - maior ainda do que Palmas, com edifícios altos e algo que muito me impressionou: o transporte é feito quase que exclusivavemente por moto-táxis. Há mais de 2 mil na cidade, uma verdadeira chuva deles é vista nas ruas, aliciando clientes. Se pagava, na época, um real, e ia-se assim a qualquer ponto da cidade.
Ninguém era legalizado, nada - o sujeito comprava uma moto e saía atrás da clientela. Até mulher velha, lá, anda na garupa de moto. Algumas perdem a dentadura.
Imperatriz é outro mundo. Há riquezas ao lado de muita miséria - não à toa, é a cidade com maior número de leprosos do Brasil. O analfabetismo campeia e posso garantir que abrir uma banca de jornais naquele lugar não é nenhum bom negócio. Havia uma em que comprei um diário da Capital (da família Sarney, pra variar), e o dono quase me beijou a mão: acho que fui o único cliente daquele dia.
Me hospedei em um hotelzinho muquifa, ao lado da estação rodoviária, e dei uma boa risada ao ver, no quarto, um cartaz avisando: "É proibido cuspir nas paredes". Isso mesmo: cuspir nas paredes. Depois, circulando pela cidade, descobri que isso, tanto ali quanto em São Luís, é uma espécie de esporte, ou mania, ou tique, sei lá - cuspir no não, nas paredes, cuspir para o alto, para os lados. Talvez um ato de protesto, digamos.
O custo de vida era irrisório. Em um bar, uma garota de programa - por sinal, bem interessante - disse que o preço dela por eram cinco reais, com serviço completo. Como eu tinha cara de barão, quis me cobrar dez. Bebemos apenas uma cerveja juntos. Recordo que apareceu uma outra colega sua, que estava apaixonada por um cara e sofria de dor de cornos. Chorava muito, e também era bem bonitinha. "Dor de corno em mulher é pior do que em homem", explicou a minha acompanhante.
Na beira do rio Tocantins, onde há um balneário, sentei em uma barraca e pedi uma cerveja. Senti um gosto estranho no copo - ele, antes, havia servido cachaça e esquecera de lavar o recipiente. Mas não reclamei, só avisei para trocar - em Roma, como os romanos...
O povo maranhense é simpático e cordial, bom de conviver, e solidário. Em São Luis, na Capital, encontrei um pessoal assim, gente boa. São Luís não tem praias boas próximas ao centro, e tem-se que ir uns 10 ou 15 km para fora para encontrar a primeira delas. O mar, no centro, é escuro, cor de soja de lentilhas, quase mangue.
A vida também é muito barata por ali, e o dinheiro é escasso. Entrei em um restaurante, em bairro de "classe média", tomei uma cerveja e paguei com uma nota de cinco reais. O garçon me trouxe o troco em moedinhas de cinco centavos amarradas por um durex. A cena da falta de troco, ou dinheiro circulante, se repetiu em outros locais.
Achei o povo maranhense um tanto soturno e esmagado, sem esperanças, levando a vida como podem. Na divisa com a região Amazônica - meio Nordeste, meio Norte - o Estado é muito peculiar, até na música: coisas que tocavam aqui há trinta anos ainda fazem sucesso por lá, como a Jovem Guarda, Vanderlei Cardoso e Reginaldo Rossi.
Em São Luís, no centro, em uma parada de ônibus, vi uma mulher - que esperava o coletivo - baixar a calcinha na frente de todos e uninar ali mesmo. Ninguém disse nada ou achou muito estranho. Também notei que eles adoram uma sopa bem quente, de preferência ao meio-dia, a quase 40 graus de calor. E não morrem por causa disso.
Ao contrário de Palmas, São Luís não é abafada e seu calor não derrete as pessoas em razão da brisa oceânica - uma delícia que me lembrou a Bahia - que sopra de maneira quase incessante. Hospedei-me em uma pousada, uma casa muito antiga, um daqueles velhos sobrados recuperados do início do século XX ou talvez de antes, e sempre dormi bem. Os donos, um casal, tinham morado no Paraná e retornado não faz muito à sua terra. "É difícil a gente se acostumar em outros cantos", disse ele, um homem muito calmo e correto.
Em São Luís também tive uma outra experiência interessante: o golpe "Boa Noite, Cinderela". Será que caí? Bom, mas isso eu conto amanhã. (Conselheiro X.)
* O tempo está fechado e feio no Jardim Botânico. Além de úmido. A temperatura deve andar pelos 10, 11 graus. Este final de semana não foi bom para os bares e restaurantes - ainda não saiu o salário e o pessoal anda meio econômico. A maioria preferiu ficar em casa.

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