1997. À exceção dos próprios tenistas profissionais, ninguém no Brasil tinha ouvido falar em Gustava Kuerten, o Guga. Porém, em junho daquele ano - lá se vão onze outonos - um rapaz de 20 anos (nasceu em 10 de setembro de 1976), 1,91 metro de altura, 76 quilos, cabelos longos, barba rala e um estilo "grunge" de se vestir, conquistava o primeiro e mais importante dos seus muitos títulos - o de campeão do torneio de Roland Garros, na França, um dos mais importantes do mundo do "grand slam" - as competições em Winbledon, na Inlalterra, os abertos dos Estados Unidos e da Austrália e, é claro, esse, na França. Guga havia se profissionalizado havia apenas dois anos.
Recentemente, Guga, hoje com 31 anos, despediu-se do tênis profissional, na mesma quadra que o viu vencer. Emocionou-se e até ganhou um pouco da terra e do saibro da quadra de seu técnico e "segundo pai", o gaúcho Larry Passos. A diferença é que, agora, o tenista catarinense, fanático torcedor do Avaí, tem algumas dezenas de milhões de dólares de patrimônio e um nome reconhecido no mundo todo. Ao lado de Maria Esther Bueno, tricampeã em Winbledon, Guga tornou-se o maior nome masculino do tênis brasileiro de todos os tempos. E um orgulho para a sua terra, Santa Catarina.
MULTICOLORIDO - Ao vencer o espanhol Sergi Bruguera, naquele torneio, Gustavo Kuerten - o azarão da disputa - ganhava o primeiro dos seus três títulos no "Maracanã do tênis".
Em sua edição de 11 de junho de 1997, ainda antes da final, a revista VEJA - que parecia acreditar que ele já tinha ido longe demais - escreveu: "Nunca o esporte nacional vira antes um azarão desse quilate. Guga chegou a Roland Garros há duas semanas como mais um entre as dezenas de tenistas anônimos que, todos os anos, inscrevem-se para a competição. E, para espanto da imprensa especializada internacional, e dos brasileiros, que nunca tinham ouvido falar no seu nome até segunda-feira, foi abatendo de forma implacável as celebridades que se apresentaram na sua frente. Na sexta-feira, quando venceu o belga Filip Dewulf na semifinal, já computava entre suas vítimas o russo Yegeni Kafelnikov e o austríaco Thomas Muster, respectivamente campeões do torneio em 1996 e 1995. O adversário seguinte, Bruguera, ganhou em 1993 e 1994."
E prosseguia: "Aos 20 anos, Gustavo Kuerten entrou em Roland Garros pela porta dos fundos. Antes de chegar ao torneio, ocupava apenas a 66 posição no ranking dos melhores tenistas do mundo e nunca havia vencido um torneio de primeira classe do circuito internacional. "Ainda não sei se sou uma estrela do tênis ou se continuo o mesmo", disse a VEJA um incrédulo Guga na quinta-feira enquanto brincava num flipperama ao lado do estádio."
Depois das vitórias de Roland Garros, os jornalistas internacionais passaram a chamá-lo de "surfista do saibro". Algo que também chamou a atenção, naquela ocasião, foram as roupas do tenista brasileiro. "Num esporte em que a tradição manda os atletas usar impecáveis roupas brancas, Guga apresentou-se com uniforme berrante, mais apropriado a um jogador de futebol: todo azul e amarelo, incluindo meias e sapatos. Surpresos, os organizadores do torneio procuraram os representantes do fabricante de roupas para pedir que moderassem na profusão de cores do uniforme. Não. Guga limitou-se a colocar na cabeça uma bandana com fundo branco, e manteve sua figura de surfista grunge. "Como pensaram que eu não iria longe no torneio, nem trataram do assunto diretamente comigo", conta o jogador" - escreveu VEJA em sua matéria (capa da edição de 11 de junho de 1997).
A revista dava mais detalhes do comportamento do catarinense: "Fora das quadras, mais surpresas. Enquanto a maioria dos jogadores do torneio se hospedava em hotéis caros e luxuosos de Paris, o brasileiro se escondia no modesto Mont Blanc, 70 dólares a diária. Foi nesse hotel que se hospedou quando esteve em Paris pela primeira vez, há cinco anos. Diz que foi bem tratado e não muda mais. Também costuma frequentar a mesma pizzaria, a Victoria, e se divertir no mesmo flipperama, ao lado do estádio de Roland Garros. Embora não aparente, Guga é sempre assim, metódico e disciplinado. Até hoje, quando joga nos Estados Unidos, dispensa os hotéis reservados pelos organizadores e vai para a casa de tia Vicky, uma inglesa que o recebeu quando lá esteve pela primeira vez para disputar um torneio juvenil. "Ele é uma pessoa de hábitos conservadores", diz João Carlos Diniz, promotor de eventos e amigo da família do jogador de Florianópolis."
Embora desconhecido do grande público, em 1997 Guga já era afamado no circuito do tênis brasileiro, por seu "jogo sólido", com bolas colocadas nos limites da quadra e muita velocidade. "Ele tem talento e personalidade para ficar no topo", afirmou então o americano John McEnroe, um dos maiores tenistas de todos os tempos. Como se vê, acertou: Guga ficou por mais de um ano como o tenista número 1 do mundo.
"Guga tem ainda uma arma poderosa em sua mão direita: o saque", escreveu VEJA. "Segundo o último número do Jornal do Tênis, órgão oficial da Associação do Tênis Profissional, Guga tem o décimo sétimo saque mais veloz do mundo. A bolinha arremessada por sua raquete chega a alcançar 206 km por hora. É uma velocidade tão grande que o adversário não tem tempo de reagir".
ORIGENS - De uma família de classe média, descendente de alemães, Guga tem um irmão mais velho, Rafael, formado em ciências da computação e professor de tênis - é ele quem cuida de seus negócios. O mais novo, Guilherme, sofria de paralisia cerebral e vivia sob os cuidados de uma babá. Comerciante de esquadrias de alumínio, o pai, Aldo, havia morrido de ataque cardíaco há 11 anos. Guga disse então: "A ele costumo dedicar cada momento de minha vida". A mãe, Alice, trabalhava como assistente social na Telesc, a empresa telefônica de Santa Catarina, à época, além de dirigir a Fundação de Educação Especial, do Governo do Estado. A avó, Olga, foi a primeira patrocinadora - os primeiros torneios foram bancados pelas Indústrias Schlösser, uma tecelagem da família, em Brusque.
"Ao despontar para o mundo do Tênis, Guga levava uma boa vida frequentando uma das 42 praias de Florianópolis. Para não ficar longe da família, nem das praias, recusou inúmeros convites de universidades americanas e de clubes alemães que o queriam para reforçar suas equipes. O mar e o surfe sempre foram duas grandes paixões fora da quadra", prosseguiu VEJA, concluindo: "O aparecimento da exótica figura multicolorida como uma pilha Rayovac em Roland Garros foi saudado como uma brisa de renovação num esporte em crise. Hoje, há centenas de torneios realizados no mundo a cada ano, rios de dinheiro correndo para os bolsos dos tenistas."
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