quarta-feira, dezembro 17, 2008

Neuróticos Anônimos, terapia de grupo no JB

O NA garante o sigilo e não interfere na vida pessoal dos seus frequentadores. Todos os credos são bem aceitos. Eles se reúnem todas as quartas-feiras, à tarde, no segundo pavimento da igreja de São Luís Gonzaga, na rua Guilherme Alves, no Jardim Botânico, e formam uma "irmandade" - como os próprios chamam. Durante mais de uma hora - às vezes duas - contam seus problemas, seus anseios, suas esperanças, relatam experiências de vida, botam para fora o que sentem - e com isso se sentem melhores. Alguns estão aqui há muitos anos, e raramente faltam às reuniões semanais.
São os Neuróticos Anônimos, um grupo de auto-ajuda similar aos Alcoólicos e aos Narcóticos Anônimos. Criado, no Jardim Botânico, em 21 de junho de 1989 (dia de São Luís), ainda no tempo do padre Irineu, o NA da Guilherme Alves irá completar 20 anos de atividades. Por ele passaram muitas centenas de pessoas (a rotatividade é alta), todas com algum ou alguns distúrbios emocionais - as neuroses. Embora não tenha vínculos diretos com a Igreja Católica, e abrigue gente de todos os credos, eles formam um grupo que acredita que as neuroses "são uma doença espiritual" e que, através da auto-educação, da força de vontade, da humildade e da disposição em mudar hábitos e atitudes a vida pode se tornar melhor. Em outras palavras, é uma espécie de terapia sem terapeuta, em que todos - inclusive o próprio coordenador - são os analisados. "A pessoa, primeiramente, tem que descobrir que ela própria é o problema, e não que o problema está nos outros", afirma A., o coordenador do grupo.
A primeira regra de tais grupos é o sigilo e o anonimato - o que eles falam e ouvem não deve passar das quatro paredes e nem comentado fora. Até porque a palavra "neurótico" ainda soa como algo muito pesado para o restante da sociedade, muito embora as neuroses - sejam elas quais foram - existam de forma manifesta ou latente em todas as pessoas. No NA, neurótica é qualquer pessoa cujas emoções interfiram ou prejudiquem o seu comportamento e a sua vida. Pode ser um tique nervoso, uma ansiedade constante, tristeza, depressão, agressividade.
IRMANDADE - O NA do Botânico tem, a exemplo dos demais, um alta rotatividade - pessoas que assistem uma, duas ou três sessões e não voltam mais. Aberto à comunidade, sem distinção (e pode-se entrar mudo e sair calado, só escutando), conta porém com frequentadores assíduos, que estão aqui há muitos anos.
Nesta quarta-feira eram quatro pessoas - tres mulheres e um homem - todos da meia ou da terceira idade. Uma delas, T.C., moradora do Jardim do Salso, relatou a sua trajetória de vida com franqueza singular. "Quando eu cheguei aqui eu estava em profunda depressão, e na época eu nem sabia o que era neurose ou neurótico. Nas reuniões, aos poucos, fui entendendo o que estava se passando comigo, através da troca de informações e experiências comuns. Eu acho que a depressão é uma doença espiritual. Aos poucos fui saindo da depressão, passei a viver depois que conheci o programa, e com isso salvei também os meus filhos. Devo minha vida ao programa", afirma ela.
Outra - a mais antiga e que frequenta tais grupos desde 1977 (na igreja do Rosário, o primeiro, onde tudo começou em 1975), tem o mesmo discurso. " Eu mudei muito. Antes eu gritava e brigava muito, coisa que há muitos anos não faço mais. A neurose deixa a gente burra e ignorante, e a pessoa, quando briga, fica cega e surda. Eu enviuvei muito cedo, tinha três filhos para criar. " P. - vamos chamá-la assim - diz ter tendência à solidão: "Eu cheguei aqui me arrastando emocionalmente, e aqui aprendi muitas coisas. Antes eu gritava e sapateava. Quando meus filhos pequenos pisavam em um cocô de cachorro eu chorava, achava aquilo o fim do mundo, uma coisa tão boba. Hoje eu consigo me controlar".
Os NA se consideram uma irmandade - aos poucos foram ficando amigos e hoje até fazem festas e excursionam juntos. O próprio coordenador do grupo abre seus problemas para os restantes e para o repórter, sem constrangimentos. "Sou orgulhoso? Acho que hoje já não sou mais orgulhoso como eu era. Mas acho que o fato de ficar tolhido por achar que não causo uma boa impressão aos outros é um ponto a resolver. Eu sei que estou sempre me policiando, tentando causar uma boa impressão, não sei se isso se deve à minha formação familiar ou a outra coisa. Se eu não puder causar uma boa impressão eu fico com receio de comparecer a um evento. Sou bastante antissocial, o único local que eu me sinto à vontade é aqui, onde eu me solto."
A. tem mais de 60 anos e sotaque carioca. Aparentemente calmo e afetuoso, nada nele - à primeira vista - faz lembrar a palavra neurótico. Sabe deixar as pessoas à vontade não força a barra. Para A., a principal característica do neurótico é o egoísmo, "que deve ser substituído por amor". Ou seja, o neurótico - seja quem for - procura sempre culpar os outros por seus problemas, "quando o problema é ele." Sem vínculos com a igreja católica - que apenas empresta o local, sem cobrar nada - ressalta que o grupo é aberto a todos os credos, e que não há mensalidades ou taxas a pagar. Apenas uma contribuição voluntária e anônima - a pessoa coloca a mão em um saco, deixando qualquer valor lá dentro.
Com a chegada dos meses de verão e de férias, o grupo normalmente se esvazia - já chegou a ter mais de 15 participantes anteriormente. Esvazia mas não se dissolve - muitos frequentam outros grupos em outros locais, uma vez que o intercâmbio entre eles é constante. Organização mundial, o Neuróticos Anônimos foi criado em 1964, por um ex-alcoólatra norte-americano, e hoje está presente em quase todos os países do mundo.

SERVIÇO

Neuróticos Anônimos - rua Guilherme Alves, 574, paróquia São Luis gonzaga.

Reuniões às quartas-feiras, às 15 horas.

Informações: Tel. 3336-1065.
Site oficial no Brasil: www.neuroticosanonimos.org.br

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