Mais uma vez, nos terrificamos diante de uma notícia de agressão de babá contra crianças. Foi o prato do dia servido em todos os almoços desta sexta-feira: a câmera escondida flagrando o que vizinhos já tinham denunciado e, pior, a vítima já tinha denunciado aos pais. Não dá para julgar quem sai para ganhar a vida e é obrigado a deixar seus filhos com estranhos confiando numa pretensa “humanidade” que, no fundo, se sabe que pode ser mais cruel do que qualquer bestialidade. Já são tantos os casos flagrados pela modernidade do olho eletrônico de uma digital, não só contra crianças sem problemas, como a do caso atual, mas contra doentes mentais e velhos, que não entendo é como quem deixa estranhos cuidando dos seus já não instala direto uma câmera nos primeiros dias.
Inquirida pelo repórter, a babá, olhando no monitor de TV as imagens de sua crueldade, nada disse. Pode até ir presa. Ou ir para um manicômio. E sair, depois, para prestar “serviços à comunidade” uma figura jurídica que considero um deboche, em algumas circunstâncias.
Mas, aí, a gente depara, com gente boa por todo lado, pessoas dedicadas a fazer o bem, longe de ser isso uma obrigação “cristã” ou “social”. Consciência? Espiritualidade? Que nome terá esta capacidade de vencer o lado ruim que existe em cada um e ir além, tentar levar bem-estar até a quem nem conhece?
Quando trouxe para casa uma vira-latas que pedia comida em frente à cantina da TVE (onde há um grupo, liderado pela Marisa, que cuida dos bichos mal-tratados daquele Morro de Santa Teresa que se refugiam no terreno da emissora) resolvi lhe dedicar um blog, em forma de diário, dando-lhe voz. Pois não tem sido fácil minha vida com Docinho: mesmo encantadora, tão judiada foi que, apesar de todo nosso carinho, ela tem uma síndrome de abandono tão forte que faz com que se desespere e, claro, grite, lata e uive, sempre que me afasto.
Como há nove (eu disse NOVE) cachorros no prédio de onze apartamentos em que moro (incluindo uma imensa cadela Labrador que, mesmo dócil, late e fica zangada como qualquer um de sua espécie), seria de se esperar que o choro de Docinho não perturbasse tanto os vizinhos com quem convivo há 14 anos. No entanto, dias antes do Natal, eu fui premiada com um bilhete anônimo ameaçador sob minha porta, reclamando do choro de Dodô. Temendo qualquer coisa contra ela (sim, sei de gente que, incomodada com o gato que mora ao lado, passou um produto no chão do corredor do edifício que detonou um processo de convulsões no animal) mandei Dodô para uma Ong, por 15 dias. E fui relatando esta nova experiência de Dodô (e nossa) no seu blog.
Recebi vários comentários, entre eles o de Luisa B, que vive no Aveiro, em Portugal. Ela tem um blog que se chama Os Aspergers são Incompreendidos. Ela chegou ao blog da Dodô porque seu filho ama gatos e, em sua quinta, ela tem um monte de felinos que foram recolhendo das ruas.
Confesso que não sabia o que era a síndrome de asperger e hoje, lendo os textos desta mãe muitas vezes desesperada e revoltada com o que fazem com seu filho, não consigo nem mesmo ficar estupefata com a ação da babá baiana hoje divulgada. Pior, mesmo, é ter de ver um filho ser tratado mal na rua, na escola, nos shoppings, porque é diferente, e não suporta um olhar nos olhos, por exemplo.
O nome do menino de Luisa é Bruno e, no blog, além de textos escolares dele sobre diferentes temas, há um auto-retrato feito há dois anos, quando tinha 12 anos. Luisa briga com força e coragem contra o preconceito. Joga para o mundo seu inconformismo não com o fato de ter um filho autista, mas com a ignorância e a maldade em especial de quem deveria ter maior compreensão sobre o assunto: os educadores. Sim: há professores que não têm nem paciência nem carinho para com quem é diferente, mesmo sendo capacitado para aprender.
Tenho, também, uma prima-irmã que é mãe de dois meninos que têm lesão cerebral, o mais velho, Gabriel, já com 18 anos, e o mais jovem, que é esperto e um verdadeiro comediante, chamado, João, com 15 anos. Isabel, minha prima, já tentou deixar João em escola dita “normal”, mas desistiu, cansou de tanto lutar, porque não há o menor preparo dos professores para integrar os especiais aos demais da turma.
Mundo miserável, esse, em que babás batem em crianças, doentes e velhos e em que aspies e portadores de deficiências são discriminados. Ao mesmo tempo, mundo maravilhoso que conta com mães bravas, indômitas, que brigam por seus filhos e, por tabela, pelos filhos alheios discriminados, divulgando sua guerra santa. Bendito mundo da internet e seus blogs que ajudam a gente a saber que a vida vai bem além dos nossos problemas cotidianos e pequenos. (Coletiva.Net)
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