sábado, janeiro 24, 2009

Eneida Serrano, a fotógrafa autodidada


Foto de Eneida Serrano.
Porto-alegrense, mãe de dois filhos e casada há 31 anos com o músico e arquiteto Cláudio Levitan, Eneida mora no bairro Petrópolis, onde também tem seu estúdio fotográfico. Nasceu em 8 de março de 1952, e da infância na casa dos pais, na Rua Dr. Timóteo, guarda boas lembranças das brincadeiras e atividades que dividia com um irmão. Entre tantas boas lembranças, uma se destaca: as idas para a praia de Atlântida, onde passou muitos verões em família.
Com a atenção voltada sempre para muitas direções, Eneida conta que a escolha pela arte de comunicar foi uma opção casual, surgida após o término do Clássico (o que hoje seria equivalente ao Ensino Médio, mas voltado para a área das Humanas). Ao escolher a profissão de jornalista, seu intuito era aproximar-se da escrita, mas a oportunidade de ter uma câmera (a primeira foi uma Minolta RSC101) e um laboratório fotográfico em casa foi decisiva na paixão pela fotografia. Autodidata, conta que a opção se deu de forma gradual. “Eu fui fotografando e gostando da avaliação que fazia. Virava noites no meu laboratório, revelando”, recorda, com saudades. Formada pela Ufrgs, em 1974, os primeiros trabalhos que lhe renderam alguns trocados foram pôsteres de meninas da Capital.
Projetos
No currículo, a profissional pode destacar os diversos trabalhos de fotojornalismo que realizou para veículos como Veja, IstoÉ e Marie Claire. Atuou também em campanhas corporativas, perfis de empresas, relatórios anuais, catálogos e peças publicitárias.
Atualmente, dedica-se a projetos que valorizam mais o seu entorno. Recentemente, desenvolveu a exposição Interiores (2007), onde mostrou em detalhes o espaço interno de casas coloniais típicas do Rio Grande do Sul. Publicou também um livro sobre o premiado fotógrafo amador Luiz do Nascimento Ramos, o Lunara, que fez muito sucesso no início do século XX. O trabalho de pesquisa a colocou em contato com recordações da família do artista, e a publicação da obra foi uma espécie de compromisso histórico. Outro importante projeto do qual participou foi o livro Brasil - De 1500 a 1999. No dia 22 de abril de 1999, ela e outros 99 profissionais receberam pautas sobre lugares representativos da cultura brasileira. Foi no interior do Amapá que, entre outras imagens, Eneida capturou a cena que veio a ser a capa do livro: uma parteira mestiça segurando uma criança branca. “Esse contraste de raças é marca do Brasil”, registra, recordando as palavras da editora da publicação.
Dos interiores às paisagens; das pessoas ao patrimônio histórico; do ninho de passarinho no seu quintal aos produtos em estúdio, Eneida não tem preferências na hora de fotografar. Gosta de tudo! “Gosto de colocar música e passar horas sozinha, estudando a luz e encontrando um universo num microespaço”.
Seus momentos de lazer incluem nadar, ver filmes de Woody Allen e curtir a sonoridade do uruguaio Jorge Drexler. E lê muito para se distrair, buscando na filosofia do escritor suíço Alain de Botton e em outros autores as inspirações para seu cotidiano. Como boa fotógrafa que é, gosta de viajar – “para exercitar um olhar diferente da realidade”. Em sua última grande viagem, foi a Londres, com a expectativa de quebrar um pouco a rotina de trabalho. Visitou os filhos Lucas e Karina, que moram na capital britânica, reencontrou amigos em New Castle (cidade onde morou durante o mestrado do marido, entre 1979 a 1981) e praticou um jeito diferente de ser fotógrafa - já que, quando viaja, está acostumada a trabalhar 24 horas por dia.
Londres, por telefone
Mesmo com seu excelente equipamento na bagagem – uma Nikon D300, o último flash e um bom tripé –, Eneida apostou na mobilidade e decidiu registrar os seus 40 dias na capital britânica pela câmera do celular. A proposta fotográfica veio ao encontro da idéia de um roteiro mais leve, despreocupado e dinâmico. “Essa viagem foi decisiva e importante para mim. Me fez pensar diferente, parar um pouco o trabalho e fotografar de forma mais descontraída”. O resultado pode ser visto em Londres, por telefone, trabalho que reúne imagens do dia-a-dia de uma turista mais atenta ao percurso do que ao destino final.
Ainda em montagem, a mostra é inspirada no livro A Arte de Viajar, de Botton, onde Eneida aprendeu que o meio do caminho pode ser tão interessante quanto os monumentos, museus e locais turísticos. “A viagem é também feita pela chuva, metrô, anúncios, chão, casas. Se a gente não incluir essa parte nos planos, pode resultar em muitos desapontamentos”. Inspirada no livro, ela acredita que a expectativa deve ser colocada em todas as etapas da viagem, não apenas nos pontos de chegada.
A dificuldade encontrada na limitação do equipamento tornou-se um estímulo para a busca de um olhar ainda mais original. “Sem o compromisso de fazer uma coisa maravilhosa, eu fiz a coisa maravilhosa, aliando relaxamento ao registro”, explica, acrescentando que a foto é também o reflexo de um momento pessoal. De seu acervo, foram selecionadas 80 imagens, das quais algumas serão impressas “para uma exposição despretensiosa, com leitura linear e rápida, uma ao lado da outra e sem moldura”.
Rotina pautada pela luz
Levada pelo interesse na claridade matinal, Eneida revela-se uma exímia madrugadora. “É a luz do amanhecer que mais me emociona e mais resultado dá”. Quando o assunto é a definição de características pessoais, reconhece que tudo gira em torno de um ponto de equilíbrio, mas que vez ou outra as próprias qualidades acabam transformando-se em defeitos. “De tão dedicada e persistente, acabo parecendo teimosa e obcecada”, analisa.
Aos 56 anos, mostra-se uma entusiasta com a vida e faz questão de não priorizar nenhum momento específico de sua carreira, já que todos agregaram muito aprendizado. “Cada etapa teve a sua importância, e para cada uma eu olhei com muito interesse”. O grande desafio? Para ela, cada dia que nasce representa uma nova busca, com o desafio de fazer algo muito importante. “Acho que, de tudo isso, depreende-se meu entusiasmo por qualquer coisa”, diverte-se, quando a entrevista vai chegando ao fim.
Escola da Vida
Leitora atenta e curiosa, Eneida cita o romancista norte-americano Philip Roth como outra de suas preferências literárias. “Gosto de romances que misturam ficção e realidade. Você sabe que o que está lendo não é verdade, mas se sente envolvido, porque a realidade é a nossa interpretação, a forma como se vê”, filosofa.
Contudo, é a Botton que Eneida refere-se como um guru. Com o objetivo de aplicar aquilo que lê, a fotógrafa se baseou em outro livro do escritor para transpor teoria em prática. Em As consolações da filosofia (2000), conheceu a expressão Escola da Vida, movimento que ensina como aplicar o conhecimento ao cotidiano para resolver pequenos conflitos.
Em solo inglês, procurou conhecer pessoalmente os participantes do grupo, inclusive o mestre, e impressionou-se com o que viu. O local, segunda ela, vende idéias, cursos e palestras, com “a proposta de dizer não à erudição e descobrir mais soluções práticas por meio dos ensinamentos da filosofia, história, política”. Para quem considera o conceito mais um produto do mercado de auto-ajuda, Eneida defende que a Escola é algo muito mais oportuno do que oportunista. “Nós precisamos saber o que os outros já pensaram para resolver suas angústias e nos apropriar dessas soluções”, concluiu.
Para aumentar sua bagagem cultural e profissional, a filósofa das imagens busca no conteúdo dos livros e nas experiências de seu dia-a-dia o foco certo para enxergar com mais beleza as atrações do meio do caminho. Questionando até mesmo o próprio ponto de vista, está sempre alerta na busca pela luz ideal. (Coletiva.Net)

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