Toniolo mora em Petrópolis e é policial aposentado por problemas psiquiátricos.
Uma idéia na cabeça – divulgar o seu próprio nome – e um spray na mão. Autodenominado-se o “Rei Mundial da Pichação”, Sérgio José Toniolo levou isso às últimas conseqüências e tornou-se quase uma lenda viva em Porto Alegre: quem, com mais de 30 anos, alguma vez não viu a palavra “Toniolo” escrita em algum muro, algum prédio, alguma passarela, algum monumento ou até mesmo alguma calçada ou asfalto?
CELEBRIDADE - Um rei cujo reinado não é nada recente – iniciou, mais exatamente, no final dos anos setenta e ganhou força nos anos 80, quando, de fato, se tornou uma celebridade incontestável, foi preso, ameaçado de morte, algemado, internado e até levou alguns tiros.Nada disso, naqueles anos, tirou a disposição desse homem calvo, hoje com 60 anos, escrivão de polícia aposentado, solteiro, segundo grau completo, sem filhos e morador do vizinho bairro de Petrópolis – mais exatamente na avenida Taquara, onde reside na parte baixa de um edifício. Hoje Toniolo está mais sossegado, não freqüenta mais as manchetes de jornais, não é notícia. Está, por assim dizer, apagado, ou em recesso. Talvez seja a idade, o tempo, o cansaço, a saúde. Sem reposição, seu nome, antes tão onipresente, foi se apagando dos edifícios, dos muros e vias públicas, por força do tempo, da limpeza, da chuva. É a fase do crepúsculo.Mas a lenda urbana chamada Toniolo persiste – o Pai e o Rei dos Pichadores, ou, como ele dizia, “o único pichador que não faz símbolos incompreensíveis e assina o seu próprio nome”.Louco ou não, Toniolo entrou para a História por suas próprias mãos. Literalmente. Em um tempo em que a pichação se tornou uma praga, obra de gangues sem rosto e muitas vezes violentas, de pessoas semi-alfabetizadas e toscas, Sérgio José Toniolo distingue-se por ter pertencido a uma outra espécie: inteligente, esse homem que os médicos apontaram como “esquizofrênico paranóide” (aposentou-se por força da doença), e que foi interditado e preso, julgava-se um “anarquista”. Isso, é claro, depois de ter sido impedido de se candidatar a deputado estadual pelo PMDB no início dos anos 80. Depois, em sua própria cabeça, tornou-se várias vezes candidato pelo inexistente Partido Anarquista Brasileiro – foi inclusive, em sua cabeça, candidato à Presidente da República, usando, em todas as vezes, o seu número cabalístico 1543.
"BRASILEIRO É ACOMODADO" – Segundo a Medicina, quem sofre de esquizofrenia paranóide tem, geralmente, mania de grandeza e de perseguição. As duas coisas não faltaram a Toniolo: foi, nos anos setenta, o recordista brasileiro em colaborações às seções de “Cartas do Leitor” de todos os jornais possíveis – escreveu mais de mil, sobre todos os assuntos, da sujeira das ruas, das fezes dos caos à cretinice dos políticos. E vivia fugindo da polícia e dos donos de imóveis.Quanto às pichações, garante que fez bem mais de 70 mil delas, gastando, pelos seus cálculos, mais de 100 mil reais ao longo de tantos anos, tudo do seu próprio bolso. Gastou em sprays (às vezes mais de um por noite), tintas, pincéis. Mandou fazer pandorgas com seu nome escrito para lançá-las ao ar. Defendeu o voto nulo, o anarquismo. Costumava dizer que o brasileiro é “frouxo e acomodado” – o que ele, de fato, não era: grão-mestre da autopromoção e da publicidade-artesanal-em-série-ininterrupta, apanhou, desafiou deliciosamente, experta e inocentemente o Poder com seu spray, divertiu os cidadãos da cidade e demonstrou o poder de fogo de um homem só – maluco, com certeza, mas, vá lá, incrivelmente e determinado como só estes podem ser. E divertido. Palhaço. Cavaleiro solitário. Carlitos com mania de grandeza.
ENGANANDO A BRIGADA - Matéria de reportagens e notícias em jornais, sua história foi ao ar no programa Fantástico, da Rede Globo, em 1981. Em 1984, quando Jair Soares era o Governador do Rio Grande do Sul, anunciou a todos – telefonava às redações – garantindo que iria pichar seu nome na fachada do Palácio Piratini.Feita a ameaça, a segurança foi alertada e reforçada. Não contavam eles, porém, com a astúcia do Rei Mundial da Pichação: para identificá-lo e barrá-lo, os policiais tinham apenas uma foto sua, antiga, em que aparecia ainda com cabelos. Toniolo, contudo, já era quase totalmente careca, àquelas alturas. Caminhando, saiu tranquilamente da vizinha Catedral Metropolitana e, passando pelos brigadianos, chamou-os angelicamente de “meu irmãos”. Quando se deram conta, já havia pichado a quase totalidade do seu nome (faltaram duas letras) na imponente sede do Governo do Estado. Mandado então ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, aplicou outro golpe digno dos melhores filmes de Hollywood.Conhecido dos plantonistas, disse a estes que os dois policiais civis que o escoltavam eram colegas seus, “com mania de polícia”. Desconcertados, os plantonistas foram para cima dos homens da lei – e Toniolo, sorrateiramente, fugiu pelos fundos do prédio. Mais tarde, anunciou que iria pichar o Palácio do Planalto, mas essa parada ele perdeu – foi detido dentro do ônibus que seguia para Brasília. “Mas consegui o que queria”, disse o mestre da Publicidade. “Não tenho medo de ser preso: é uma propaganda”, alardeava ele, com toda a razão.Quanto ao conteúdo do seu discurso, as suas “propostas”, bom, deixa pra lá: ele não é diferente da grande maioria dos políticos brasileiros.
CACHÊ – Toniolo sempre disse que ninguém nunca contou, verdadeiramente, a sua história, e por isso ele cobrava, mais recentemente, 10 mil reais por entrevista a qualquer veículo de comunicação e 100 mil para estrelar comerciais, onde apareceria, inclusive, com seu célebre spray. Obviamente, nenhum jornal, revista ou tevê pagou o que ele pediu e nenhuma agência o convidou para ser garoto-propaganda, nem mesmo da Casa das Tintas. Talvez tenha sido um talento não aproveitado da propaganda gaúcha.O dinheiro, que nunca veio, serviria, afirmava, para ressarci-lo das despesas com o material de pichação, desde quando iniciou na atividade para realizar a missão que, afinal, conseguiu: firmar no mercado a “marca Toniolo”. Firmar uma marca custa muito dinheiro. Quanto vale a marca Toniolo? Rei da publicidade artesanal, Dom Quixote, da idéia na cabeça e do spray na mão, Toniolo é, dizem, um homem solitário que não dá entrevistas e não permite fotos. Há quem diga que está com problemas de saúde. A pessoa que ligar para sua residência (como fez este blog) ouvirá a indefectível gravação: “Mensagem gratuita: este telefone temporariamente fora de serviço. A Brasil Telecon agradece.”Nesta campanha eleitoral que se avizinha Toniolo estará fora e não será candidato, nem mesmo pelo seu imaginário Partido Anarquista.Um dia, talvez, a lenda viva da propaganda pessoal vire tema de filme ou documentário, do tipo “Contador de Histórias”. Quem sabe. (Conselheiro X.)
Uma idéia na cabeça – divulgar o seu próprio nome – e um spray na mão. Autodenominado-se o “Rei Mundial da Pichação”, Sérgio José Toniolo levou isso às últimas conseqüências e tornou-se quase uma lenda viva em Porto Alegre: quem, com mais de 30 anos, alguma vez não viu a palavra “Toniolo” escrita em algum muro, algum prédio, alguma passarela, algum monumento ou até mesmo alguma calçada ou asfalto?
CELEBRIDADE - Um rei cujo reinado não é nada recente – iniciou, mais exatamente, no final dos anos setenta e ganhou força nos anos 80, quando, de fato, se tornou uma celebridade incontestável, foi preso, ameaçado de morte, algemado, internado e até levou alguns tiros.Nada disso, naqueles anos, tirou a disposição desse homem calvo, hoje com 60 anos, escrivão de polícia aposentado, solteiro, segundo grau completo, sem filhos e morador do vizinho bairro de Petrópolis – mais exatamente na avenida Taquara, onde reside na parte baixa de um edifício. Hoje Toniolo está mais sossegado, não freqüenta mais as manchetes de jornais, não é notícia. Está, por assim dizer, apagado, ou em recesso. Talvez seja a idade, o tempo, o cansaço, a saúde. Sem reposição, seu nome, antes tão onipresente, foi se apagando dos edifícios, dos muros e vias públicas, por força do tempo, da limpeza, da chuva. É a fase do crepúsculo.Mas a lenda urbana chamada Toniolo persiste – o Pai e o Rei dos Pichadores, ou, como ele dizia, “o único pichador que não faz símbolos incompreensíveis e assina o seu próprio nome”.Louco ou não, Toniolo entrou para a História por suas próprias mãos. Literalmente. Em um tempo em que a pichação se tornou uma praga, obra de gangues sem rosto e muitas vezes violentas, de pessoas semi-alfabetizadas e toscas, Sérgio José Toniolo distingue-se por ter pertencido a uma outra espécie: inteligente, esse homem que os médicos apontaram como “esquizofrênico paranóide” (aposentou-se por força da doença), e que foi interditado e preso, julgava-se um “anarquista”. Isso, é claro, depois de ter sido impedido de se candidatar a deputado estadual pelo PMDB no início dos anos 80. Depois, em sua própria cabeça, tornou-se várias vezes candidato pelo inexistente Partido Anarquista Brasileiro – foi inclusive, em sua cabeça, candidato à Presidente da República, usando, em todas as vezes, o seu número cabalístico 1543.
"BRASILEIRO É ACOMODADO" – Segundo a Medicina, quem sofre de esquizofrenia paranóide tem, geralmente, mania de grandeza e de perseguição. As duas coisas não faltaram a Toniolo: foi, nos anos setenta, o recordista brasileiro em colaborações às seções de “Cartas do Leitor” de todos os jornais possíveis – escreveu mais de mil, sobre todos os assuntos, da sujeira das ruas, das fezes dos caos à cretinice dos políticos. E vivia fugindo da polícia e dos donos de imóveis.Quanto às pichações, garante que fez bem mais de 70 mil delas, gastando, pelos seus cálculos, mais de 100 mil reais ao longo de tantos anos, tudo do seu próprio bolso. Gastou em sprays (às vezes mais de um por noite), tintas, pincéis. Mandou fazer pandorgas com seu nome escrito para lançá-las ao ar. Defendeu o voto nulo, o anarquismo. Costumava dizer que o brasileiro é “frouxo e acomodado” – o que ele, de fato, não era: grão-mestre da autopromoção e da publicidade-artesanal-em-série-ininterrupta, apanhou, desafiou deliciosamente, experta e inocentemente o Poder com seu spray, divertiu os cidadãos da cidade e demonstrou o poder de fogo de um homem só – maluco, com certeza, mas, vá lá, incrivelmente e determinado como só estes podem ser. E divertido. Palhaço. Cavaleiro solitário. Carlitos com mania de grandeza.
ENGANANDO A BRIGADA - Matéria de reportagens e notícias em jornais, sua história foi ao ar no programa Fantástico, da Rede Globo, em 1981. Em 1984, quando Jair Soares era o Governador do Rio Grande do Sul, anunciou a todos – telefonava às redações – garantindo que iria pichar seu nome na fachada do Palácio Piratini.Feita a ameaça, a segurança foi alertada e reforçada. Não contavam eles, porém, com a astúcia do Rei Mundial da Pichação: para identificá-lo e barrá-lo, os policiais tinham apenas uma foto sua, antiga, em que aparecia ainda com cabelos. Toniolo, contudo, já era quase totalmente careca, àquelas alturas. Caminhando, saiu tranquilamente da vizinha Catedral Metropolitana e, passando pelos brigadianos, chamou-os angelicamente de “meu irmãos”. Quando se deram conta, já havia pichado a quase totalidade do seu nome (faltaram duas letras) na imponente sede do Governo do Estado. Mandado então ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, aplicou outro golpe digno dos melhores filmes de Hollywood.Conhecido dos plantonistas, disse a estes que os dois policiais civis que o escoltavam eram colegas seus, “com mania de polícia”. Desconcertados, os plantonistas foram para cima dos homens da lei – e Toniolo, sorrateiramente, fugiu pelos fundos do prédio. Mais tarde, anunciou que iria pichar o Palácio do Planalto, mas essa parada ele perdeu – foi detido dentro do ônibus que seguia para Brasília. “Mas consegui o que queria”, disse o mestre da Publicidade. “Não tenho medo de ser preso: é uma propaganda”, alardeava ele, com toda a razão.Quanto ao conteúdo do seu discurso, as suas “propostas”, bom, deixa pra lá: ele não é diferente da grande maioria dos políticos brasileiros.
CACHÊ – Toniolo sempre disse que ninguém nunca contou, verdadeiramente, a sua história, e por isso ele cobrava, mais recentemente, 10 mil reais por entrevista a qualquer veículo de comunicação e 100 mil para estrelar comerciais, onde apareceria, inclusive, com seu célebre spray. Obviamente, nenhum jornal, revista ou tevê pagou o que ele pediu e nenhuma agência o convidou para ser garoto-propaganda, nem mesmo da Casa das Tintas. Talvez tenha sido um talento não aproveitado da propaganda gaúcha.O dinheiro, que nunca veio, serviria, afirmava, para ressarci-lo das despesas com o material de pichação, desde quando iniciou na atividade para realizar a missão que, afinal, conseguiu: firmar no mercado a “marca Toniolo”. Firmar uma marca custa muito dinheiro. Quanto vale a marca Toniolo? Rei da publicidade artesanal, Dom Quixote, da idéia na cabeça e do spray na mão, Toniolo é, dizem, um homem solitário que não dá entrevistas e não permite fotos. Há quem diga que está com problemas de saúde. A pessoa que ligar para sua residência (como fez este blog) ouvirá a indefectível gravação: “Mensagem gratuita: este telefone temporariamente fora de serviço. A Brasil Telecon agradece.”Nesta campanha eleitoral que se avizinha Toniolo estará fora e não será candidato, nem mesmo pelo seu imaginário Partido Anarquista.Um dia, talvez, a lenda viva da propaganda pessoal vire tema de filme ou documentário, do tipo “Contador de Histórias”. Quem sabe. (Conselheiro X.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário