Dashiel Hammett, o criador dos detetives durões, foi um detetive durão. Tinha inclusive marcas nas pernas e na cabeça arranjadas em entreveros com bandidos. Mas não era safado como Sam Spade. Largou a Agência Pinkerton depois de uma ação em que baixaram o sarrafo nuns grevistas e pegou seis meses de cana simplesmente porque se recusou a abrir o bico para o senador McCarthy. Melhor ainda, não precisava dedurar ninguém, bastava dizer que não sabia de nada. Romântico recolhido, admiro gestos desses.
Outra coisa simpática sobre Hammett: numa festa, quase deu umas porradas no Heminguay, porque ele falava mal do Fitzgerald. Não sei se o Fitzgerald merece uma defesa heroica, literariamente falando, mas que o Heminguay merecia umas porradas, merecia. Há bons exemplos de que era uma péssima pessoa, como quando botou vidas em risco com brincadeiras estúpidas durante a Guerra Civil Espanhola. É triste, sim, mas talento não escolhe caráter.
O falcão maltês
Nos contos longos, ou novelas curtas, sobre o detetive anônimo e gordo da Agência Continental, Hammett não fica naquela prosa que usa nos romances, tipo roteiro, que dá gestos, caras e bocas dos personagens sem nenhum pensamento ou emoção. Que essa prosa seja conhecida como realista ou objetiva apenas comprova a total falta de sentido das palavras realidade e objetividade.
Há laconismos e laconismos. Um texto não pode estar cheio de vazios, de omissões. Tem é que estar com as coisas invisíveis, embutidas. O silêncio é bom quando o leitor adivinha os fantasmas andando, não quando ele encobre a inépcia ou a preguiça do escritor.
Maiores e menores
Há dezenas e dezenas de escritores melhores que Hammett, mas ele criou o detetive durão, personagem que tomou conta da imaginação de multidões no século 20. Mais: trata-se de um personagem que acabou independente do autor, como se não devesse nada a ele. Não são muitos. Basta ver a história da literatura: Aquiles, Ulisses, Jocasta e o filhinho da mamãe, Quixote e Sancho, Hamlet, Sherlock, Drácula, Lolita e alguns outros.
Grande golpe
Todo esse papo é porque andei relendo duas antologias: A ferradura dourada e O grande golpe. A primeira coisa que chama a atenção nesses contos é que a violência, a crueldade ou falta de sentimentalismo do detetive e o humor negro têm uma intenção realista. A tropa de imitadores do Hammett coreografou isso tudo. Estilizou tanto que virou desenho animado, Tom e Jerry. Aí o cinema deu o tiro de misericórdia: efeitos especiais alucinantes, a violência como espetáculo, mais a repetição infinita. Não bastava? Tarantino, em vez de ir ao psiquiatra, resolveu filmar.
A segunda coisa que chama a atenção é que o melhor do Hammett ainda pode ser usado como antídoto a esse lixo cinematográfico atual.
Cavalheiros
Philip Marlowe, o detetive do Raymond Chandler, não chega ao ponto de guardar o revólver para que o bandido tenha as mesmas chances na hora do duelo, mas é um cavalheiro. O Continental Op, do Hammett, numa briga chuta, morde, dá coronhaços, atira pelas costas. Nunca banca o herói. Depois de atirar na bandida linda que confiava na bondade dele para fugir, diz: o que você esperava de um sujeito que roubou a muleta de um aleijado?
Eu prefiro Chandler como escritor, por causa do estilo. Mas o personagem e os enredos dele são uma involução em relação a Hammett. Quanto à Agatha Christie, bem — deixa pra lá. Estamos falando de crime e de literatura, não de jogos de salão.
Lew Archer
As primeiras aventuras de Archer são uma imitação canhestra de Chandler. Mas aí o Ross Macdonald foi pro divã do psicanalista. Pode ser duro engolir essa, mas depois de fazer análise ele se tornou um excelente romancista.
Os casos de Archer não têm o sabor das ruas que sentimos em Hammett e muito pouco das quixotadas de Chandler. Com Archer estamos às voltas com crimes de família, numa investigação mais psicológica que policial. É outra praia. (Coletiva)
Jardim Botânico, Porto Alegre. Fundado em 2006 por Vitor Minas. Email: vitorminas1@gmail.com
terça-feira, março 10, 2009
Os Detetives Durões
Ernani Ssó
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