Pois é. Manhã de um belo sol, poucas nuvens, um frio que está bem melhor do que ontem. E o Jardim Botânico segue no seu ritmo: novos edifícios sendo erguidos, gente que chega, gente que sai, um assalto aqui, um arrombamento ali, um ciclista atropelado, Salvador França a mil - assim caminha a humanidade botaniquense.
Palavrinha estranha essa - botaniquense. Não deve constar em nenhum dicionário, mas é assim que nosso povo - os mais antigos - se chama. Se ainda fosse Vila Russa o nome do bairro, como é que nos chamaríamos? Russos, quem sabe. Ou cossacos.
Caminhando pelas ruas do Botânico - nem todos têm carro, ainda (segundo as estatísticas, dois em cada três porto-alegrenses têm, embora não seja o nosso caso) - constatei um fenômeno (nem tão fenômeno assim) que já havia visto no Partenon: a pichação. Lá, no nosso vizinho, não escapa nenhum prédio. É realmente incrível como esses pichadores são ágeis e onipresentes - e como se arriscam, inclusive a caírem de um segundo ou terceiro andar e quebrarem os cornos na calçada. Mas como são obstinados - esse mérito não podemos lhes negar - conseguem fazer aqueles arabescos imcompreensíveis em toda parte. Nenhum prédio, muro, casa - nada é poupado. Não sei o que essa garotada (imagino que sejam garotos, ou será que não?) pretendem com essa estranha ocupação, o que lhes dá de proveito, qual o barato da coisa. Deve ser como cheirar cocaína, adrenalina a mil (ou naftalina, como disse o Jardel), emoções à flor da pele, sensação de risco, essas coisas bem humanas e idiotas.
Não é que agora eles - os hunos - chegaram com tudo ao Jardim Botânico e estão mandando ver. Na Terceira Perimetral, na Salvador França, ali perto do Fome Zero (um abraço ao nosso amigo André, uma das maiores fortunas do bairro!) está tudo pichado, inclusive os tapumes das obras. Ou seja - o comerciante, o empresário, o morador ou seja lá quem for, dá um duro danado, capricha na fachada da sua casa, empresa ou prédio, deixa tudo bonitinho, pintadinho, caprichado, e de repente, na calada da noite (desculpem o clichê mas não encontrei outra expressão no momento) uma milícia de hunos vai lá e mete spray em tudo, emporcalhando o que antes talvez fosse belo.
Vou perguntar de novo: qual o barato dessa gente? Qual será a grande emoção que dá sair por aí, à noite, nesse frio de congelar pinguim, munido de spray, talvez de escada, sei lá, para desenhar ou escrever aqueles sinais góticos que só eles entendem?
Tem coisas que ninguém explica. Dizem que o besouro, tecnicamente, não poderia voar, pois é muito pesado e tem asas curtas. Só que ele, como todos sabem, voa - meio desajeitado, aos trancos e barrancos, mas voa, contrariando a tese dos cientistas.
Pois os pichadores são parte desse fenômeno, contrariam a lógica. Ninguém consegue entender o porquê (talvez algum psicólogo saiba) da coisa, a razão, a motivação dessa gente, que bem poderia estar em casa, fazendo palavras cruzadas, torturando o gato ou passando a mão na bunda de empregada. Porém eles saem à noite, na surdina, para realizar uma obra de enfeiamento da cidade - talvez para eles seja de afirmação perante os colegas de ofício, a sua tribo, ou horda.
Cá prá nós: essa gente, quando a Brigada chega e lhes dá uma flagra, deve apanhar (merecidamente, na minha opinião) pra chuchu. Bom, talvez seja esse o grande barato da coisa; ser apanhado e apanhar do brigadiano. Êta gentinha masoquista, sô! (Conselheiro X.)
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