domingo, fevereiro 08, 2009

Matar em Nome da Vida


Maristela Bairros

Estou aqui, escrevendo este texto, roendo uma maçã Fuji e tentando me distrair e não telefonar para a clínica onde Occhi, o cachorro da minha filha (e filho de Docinho, que tirei do Morro de Santa Teresa em 2006), está na mesa de cirurgia, numa clínica veterinária da Zona Sul. Aliás, Ochhi é um dos
seis filhos que Dodô teve aqui em casa, pouco mais de um mês de a termos adotado e amado de cara. Ela e os filhotes estão no youtube e no blog que criei para Docinho.
Para quem adora cotejar seres humanos com fome e desassistidos e animais de estimação bem-tratados apontando a injustiça do ato, um pedido: pode parar de ler por aqui. E a quem enviar críticas para publicação aqui, um aviso: vão levar paulada.
Adiante, então, com mais dois pontos: se estou aflita porque um vira-latas está na mesa de cirurgia e pode sair de lá muito bem como não sair ou voltar para casa com algum problema, imaginem o que sinto ao ler a história do pai que seqüestrou a filha de um hospital, na Itália, para lhe dar “uma morte digna”.
Eluana Englaro está em coma há anos e quem defende a eutanásia já usa frase do tipo “ a religião obrigou o pai a carregar a filha morta em vida nas costas”, etc etc. São em geral as mesmas pessoas que alegam razões humanitárias para desligar aparelhos e ir deixando morrer de fome um corpo cuja presença está, na verdade, incomodando os que podem andar, rir, chorar, trair e coçar.
Fizeram o mesmo com
Terri Schiavo, lembram? O marido jurava que ela tinha pedido para nunca ficar em coma e ter aparelhos desligados. A mãe e o pai se desesperavam afirmando o contrário. Nunca vou esquecer a foto desta mulher, com olhar de pedido de socorro. Mas mandaram matar e fim. E tem mais: nem os médicos sabem se ela vai sofrer neste processo de “morte digna”.
Aí, fico pensando na minha amiga Odele, de São Paulo, que cuida há 11 anos de Flavia, sua filha que entrou em coma vigil pela falta de responsabilidade de quem cuidava da piscina do prédio em que moravam e da empresa produtora de equipamentos para piscina. Odele se bate todo este tempo para que a filha receba a indenização devida por ter perdido sua juventude, pelo coma vigil irreversível, pelo direito de tratamento decente. O caso está na Justiça, em Brasília. Até agora, nenhum digno juiz ousou ir contra a Jacuzzi. Muito ruim isso. Muito ruim mesmo.
Já escrevi sobre o caso, em agosto do ano passado. Ninguém deixou um comentário. Nem mesmo um jornal, rádio, televisão ou revista de Porto Alegre se preocupou em ao menos fazer um apanhado de casos semelhantes ocorridos com crianças em piscinas para gerar uma matéria. Nacionalmente, o caso de Flávia é ignorado pelas grandes revistas e pela platinadíssima Globo que prefere, claro, mostrar bundas de fora, fornicações mal disfarçadas e bebedeiras nos seus BBBs. Isso é construtivo. Falar no caso de perigos de ralos de piscina não interessa. É chato, né? Se fosse algo como a pobre Isabella, jogada da janela pelo pai, morta pela madrasta como se supõe, ah, daria ibope.
Ontem recebi mail da Odele, enviado a mim e a um grupo de blogueiras que se fala por mail todos os dias. Reproduzo um trecho, mantendo a grafia: “Gurias, (como diz a Maris), deixei um aviso lá no blog de Flavia, avisando que estarei mais uma vez participando de um programa de TV para falar do caso de Flavia. Amanhã-6ª.feira no JORNAL DA RECORD (começa as 20 horas). O Jornal da Record está mostrando esta semana uma série com o título: AFOGAMENTO – PERIGO NA ÁGUA onde mostra o perigo dos vários tipos de afogamento, claro, com a intenção de alertar as pessoas para que tais acidentes possam ser evitados. A reportagem abrange vários estados do Brasil. Na 2ª.feira, mostraram o grande número de pessoas que morrem na represa Billings aqui em São Paulo. Na 3ª. as pessoas que morrem em cachoeiras, escorregando pelas pedras.Ontem mostraram o perigo de afogamento que também existe nesses baldes domésticos que costumam ficar com água na área de serviço. Crianças bem pequenas, por curiosidade acabam colocando a cabeça no balde e se afogando. Foi o caso de um menino mostrado hoje na reportagem. Amanhã vão mostrar o risco de afogamento causado por ralos de piscinas. Como não existe só o caso de Flavia, acredito que vão mostrar esses recentes acidentes causados por ralos de piscinas, que aconteceram em Franca, no interior de São Paulo e na Bahia. (Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009). E meu advogado também estará falando (pelo menos gravaram com ele) para falar do atual status do processo de Flavia.”
Fica, então, aqui, o recado da Odele e minha esperança na vida. Enquanto um pai está matando a filha de fome em nome de seu amor por ela, há quem continue sua cruzada em favor da vida, contra tudo e todos.
Aliás, pedi a ajuda de um conhecido deputado, que eu considerava meu amigo, a quem dei meu voto mais de uma vez, e cuja vida conheço bem, de tempos, e de quem sei sobre a preocupação com crianças e jovens em situação de saúde difícil. Pedi a ele apenas que lesse o blog de Flavia e me indicasse um caminho para Odele ser ouvida em Brasília. Mandei-lhe um mail. Podia ter telefonado, tenho o celular deste homem que eu admirava em diversos aspectos, mas eu não quis ser invasiva. Simplesmente ele ignorou o que enviei. Só que não pode vir com desculpa de que o mail estava errado, pois foi sua própria secretária que me passou o endereço.
Lamento tanto isso: a morte de Terri, a de Eluana, das crianças sugadas por ralos de piscina, afogadas em balde, o coma de Flavia e principalmente a morte da solidariedade dos que sobem nos pedestais do poder e esquecem o entorno. (Coletiva.Net)

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