terça-feira, agosto 08, 2006

Talidomida, o calmante monstruoso


As pessoas mais velhas e bem informadas ainda lembram bem deste nome: Talidomida. Prescrito como calmante e sonífero no final dos anos cinquenta e início dos sessenta, o medicamento (na verdade Talidomida é o seu nome químico e não o de vendas) transformou-se em um sinistro sinônimo da ganância monstruosa da indústria farmacêutica. Lançada sem a devida comprovação de seus efeitos colaterais, testada apenas em ratos, produzida em dezenas de países com nomes comerciais diferentes (Contergan, Distaval, Kevadon, Softnon, Talimol etc), a substância foi sintetizada pelo laboratório Chemie Grünenthal, de Nordrhein-Westfalen, na então Alemanha Ocidental e, dentro em breve, logo após o seu lançamento comercial, em 1956, (como anti-gripal e com o nome de Grippex), transformou-se em uma mina de ouro para a indústria, a qual investiu pesadamente na sua divulgação. Na verdade, a partir de tal substância, fabricava-se inúmeras marcas comerciais que, somente em um ano, na Alemanha, venderam a assombrosa quantidade de 14 toneladas. Mais de 20 outros laboratórios, em diferentes países de todo o mundo, foram licenciados para a sua produção. No Brasil, a Talidomida chegou em março de 1958, nas marcas Ectiluram, Ondosil, Sedalis, Sedim, Verdil e Slip, todas vendidas sem a exigência da receita médica. Era, então, considerado o melhor soporífero jamais inventado, passando também a ser utilizado contra a gripe, a nevralgia, a asma, a tosse e, sobretudo, como antiemético para as mulheres grávidas.
Foi justamente aí que ele fez história - uma tétrica história: receitado para muitas grávidas em início de gestação, ingerido em pílulas brancas, era um sedativo barato que provocava um sono rápido, profundo e natural, sem a característica "ressaca" da manhã seguinte. De igual forma, podia ser ingerido em doses maciças que não causaria a morte do paciente, nem mesmo se este quisesse praticar o suicídio. Ideal, e, como logo se viu, fatal, ou pior que isso, para os fetos em início de formação. Usado nos primeiros 40 dias da gestação, atuava como teratogênico - ou seja, produzia monstros, se é que, infelizmente, assim se pode falar de suas vítimas, calculadas em cerca de 10 mil em todo o mundo. As crianças nasciam muitas vezes sem dois, três ou até quatro membros, dentre tantos outros efeitos observados.
A má-formação dos membros tinha um nome científico: focomelia (do grego "phoke" - foca- e "melos" - membros), ou "membros de foca". Os braços dos recém-nascidos surgiam como tocos abaixo dos ombros, semelhantes às nadadeiras das focas. Também se observou deformação dos olhos, do esôfago e do tubo digestivo. De cada duas crianças nascidas assim, apenas uma sobrevivia. Sem entender o porquê daquilo, com problemas de consciência, algumas mães enlouqueceram e outras chegaram a praticar o suicídio. Em 1961, os casos de "focomelia" já eram tantos que se falava em uma "epidemia".
De início foi extremamente difícil descobrir-se a origem de tal fenômeno, o elo comum. Pensou-se nos alimentos, na água, até em poeira atômica. Porém, graças a duas pessoas precisou-se exatamente a Talidomida como o fator causador. Uma delas, o advogado Karl Schulte-Hillen, de 32 anos, não havia aceito a explicação "genética" como a causadora da focomelia do seu filho recém-nascido. Homem saudável e esclarecido, ele descobriu que, coincidentemente, um casal de amigos seus tivera um filho em condições idênticas. Intrigado e inconformado, Karl passou a fazer investigações por conta própria, conversando com as mães que haviam dado a luz a tais "monstros". Ao tentar chamar a atenção da comunidade médica para o que estava se passando, encontrou uma revoltante indiferença e ignorância. Foi então que surgiu em seu caminho o médico Widukind Lenz, um pediatra especializado em genética que aliou-se a Karl, encampando a causa. Lenz, por fim, achou o nexo causal.
No dia 16 de novembro de 1961, Lenz comunicou oficialmente à indústria fabricante dos efeitos nocivos dos medicamentes a base de Talidomida - Contergan, no caso da Alemanha Ocidental. Ele, pessoalmente, já conhecia 13 casos. A Chemie Grünenthal, porém, não retirou o remédio do mercado - o que de fato só ocorreu quando a história virou manchete de jornal. O Contergan era o carro-chefe das suas vendas, uma verdadeira "galinha dos ovos de ouro", rendendo milhões e milhões de marcos.
Sooou então o alarma em todo o mundo. Nesse tempo, às suas próprias custas, Schulte-Hillen contratou oito fisioterapeutas que, juntamente com ele, passaram a percorrer a Alemanha Ocidental, à procura de vítimas da Talidomida. Entre agosto de 1964 e dezembro de 1965, visitaram 1.600 das 3.000 vítimas vivas da substância. Com seu endereço publicado nos jornais, choveram cartas, narrando novos casos.
A maioria das vítimas da Talidomida estava na Alemanha e na Inglaterra. Nos Estados Unidos, graças a uma mulher, o medicamento (lá chamado de Kevadon), não chegou a causar tantos danos e sofrimentos (não mais do que 20 vítimas). A ser fabricado pela Merrel Co., uma empresa de Cincinati, Ohio (e que ainda hoje é uma das grandes do mercado farmacêutico), não chegou a ser liberado pela Secretaria de Alimentos e Remédios (FDA, sigla em inglês). Apesar das terríveis pressões da indústria, a médica responsável pela aprovação, Dra. Frances Oldham Kelsey, recusou-se a dar o parecer favorável, alegando que as provas de garantias de não havier efeitos colaterais deletérios eram insuficientes. Em agosto de 1961, quando o escândalo veio a público, ela recebeu do presidente John Kennedy a medalha por Destacados Serviços Civis, por reter a aprovação da Talidomida - medalha esta que é uma das mais altas condecorações daquele país.
NO BRASIL - A Talidomida chegou ao Brasil em março de 1958, com os nomes de Ectiluram, Ondosil, Sedalis, Sedim, Verdil, Slip. Em março de 1962, o Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina e Farmácia proibiu o uso da Talidomida em todo o país, mandou apreender os estoques e cassar as licenças de fabricação. A medida, no entanto, não surtiu lá grandes efeitos pois o medicamento continuou ainda a ser usado durante anos devido à falta de informação da população, do descontrole na distribuição e, sobretudo, graças à omissão do governo e ao poder econômico dos laboratórios. Em 27 de novembro de 1973 foi criada, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Associação Brasileira dos Pais e Amigos das Crianças Vítimas da Talidomida, entidade declarada de utilidade pública.
Nos últimos anos o interesse pela Talidomida trouxe novamente o debate à tona. Conforme alguns testes - ainda não plenamente comprovados - ela teria eficácia na luta contra a lepra, contra a tuberculose e até para aumentar a resistência de pacientes aidéticos. A questão, entretanto, ainda está em aberto.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Vôo 254: Boeing da Varig perde-se em plena selva amazônica


Domingo, 3 de setembro de 1989. O Brasil estava em plena campanha eleitoral, nas primeiras eleições diretas para Presidente da República depois da redemocratização que sucedeu o regime militar. Nesse dia, às 9 horas da manhã, o Boeing 737-200, prefixo PP-VMK, da Varig, decolava para uma viagem (vôo 254) que se transformaria em um estranho desastre aéreo, matando onze pessoas. Partindo de São Paulo, o vôo tinha como destino a cidade de Belém do Pará, passando por Marabá, no sul daquele estado. A bordo, nessa última escala, estavam 48 passageiros. Muitos já haviam desembarcado antes, em aeroportos como o de Uberaba, Uberlândia, Goiânia, Brasília e Imperatriz do Maranhão - afinal, era um típico roteiro "ping-pinga".
Quando já estava começando a cair a noite o avião - pilotado pelo comandante César Augusto Padula Garcez, de 32 anos - sobrevoava a selva amazônica, onde não há pistas de pouso e qualquer problema se torna um grande problema. Naquele momento, sem saber, o piloto estava completamente perdido, sem saber o que fazer. Na verdade, ele havia cometido um erro grotesto em seu plano de navegação: em vez de acionar a rota de 27 graus norte, direcionou o avião para 270 graus oeste - o que, se levado a efeito, em linha reta, levaria o aparelho a sobrevoar a Cordilheira dos Andes, rumo a La Paz.
Acontece que, ao descobrir o erro, o piloto também descobriu que já não tinha combustível e o jeito foi mesmo tentar, em plena noite, sem nenhuma luz a orientá-lo, tentar uma aterrissagem em uma clareira da floresta amazônica, na região de São José do Xingu, no Mato Grosso, a 500 quilômetros da cidade de Carajás e 1000 de Belém do Pará.
Quase milagrosamente, e graças à maestria do piloto abilolado, o avião de 56 toneladas pousou corretamente na selva: o piloto reduziu a velocidade a 210 km por hora e, usando os flaps (freios aerodinâmicos), caiu de cauda e depois pousou o resto do corpo, o que amenizou o impacto. Quando, por fim, o inferno daquele momento passou, quando a maioria dos passageiros certificou-se de que estava vivo, quase uma dezena de passageiros estavam mortos. A maioria morreu esmagada pelas poltronas que se soltaram na hora da aterrissagem.
Naquele instante, para os sobreviventes, incluindo dezenas de feridos, iniciava um outro drama: esperar pelo resgate, o que só aconteceria na quarta-feira. Uma série de trapalhadas, descaso e incompetência das autoridades aeronáuticas e militares custou a vida de mais algumas pessoas que se encontravam feridas, em estado grave.

domingo, agosto 06, 2006

Shopping de Osasco, Hiroxima ao meio-dia


Para muitos do que lá estavam e tiveram a sorte de sobreviver, viveu-se uma explosão atômica, uma Hiroxima acontecida naquele 11 de junho de 1996, uma terça-feira, véspera do Dia dos Namorados. Em poucos minutos restavam 39 pessoas mortas e quase 500 feridas. Das vítimas fatais, quinze eram mulheres, outras quinze eram adolescentes de ambos os sexos, sete eram homens e mais duas crianças pequenas - uma de onze e outra de três anos.
As fotos aéreas do local da explosão impressionam pelo volume do estrago, como se um míssel fosse jogado sobre a imensa construção do Osasco Plaza Shopping, na cidade de Osasco, grande São Paulo: paredes desabando, ferros retorcidos, corpos mutilados, gritos de dor e um pânico indescritível. Causa da explosão: um vazamento de gás no subsolo, capaz de detonar uma construção sólida, com poucos anos de uso. Horário do acontecido: 12 horas e 15 minutos, exatamente no momento em que muitas pessoas, ao saírem do trabalho para almoçar, aproveitam para flanar nesses modernos templos de consumo e lazer que são os shoppings centers. Calcula-se que, naquele momento, cerca de 2 mil pessoas estivessem no local quando se deu o estrondo, "mais forte que um tiro de canhão": o chão tremeu e abriu-se em vários pontos. Uma lugada violentíssima de ar (velocidade aproximada de 340 metros por segundo, estimou a perícia) deslocou tudo à sua volta. Pessoas foram jogadas em todas as direções, paredes desabaram, o teto veio abaixo e de repente tudo ficou escuro e silencioso. Em poucos segundos, porém, já se ouviam os gritos, os gemidos e os pedidos de socorro.
A tragédia de Osasco não foi propriamente uma fatalidade e poderia, sim, ter sido evitada, conforme se apurou nos dias seguintes. Um projeto mal feito de instalação dos dutos de gás GLP utilizados nos restaurantes e lanchonetes da praça de alimentação do shopping acabou por resultar em acúmulo de gás sob o piso. Este misturou-se com o ar e, acionado por uma simples faísca, explodiu, causando as cenas de horror. O shopping - que não chegava a ser luxuoso mas recebia cerca de 50 mil pessoas por dia - estava localizado no centro da cidade e, segundo muitos dos funcionários que trabalhavam em suas lojas, era conhecido pelo cheiro ruim do GLP - o estopim da tragédia. Vistorias superficiais foram feitas nas semanas que precederam a tragédia mas nenhuma providência se tomou para sanar os problemas.
A explosão durou apenas 1 milésimo de segundo e teve o impacto de 140 decibéis, causando o rompimentos de tímpanos e hemorragias nos ouvidos de muitos sobreviventes. Alguns depoimentos das vítimas: Telma Cristina Rossetti, 16 anos, vendedora: "Abri a caixa registradora e a loja foi pelos ares. Voei um metro e meio de altura. Quando voltei a colocar os pés no chão, estava dentro de um grande buraco. A loja tinha sido sugada pela terra mais de 1 metro. Debaixo dos escombros, não conseguia entender nada. Achei que chovia, mas eram os vidros da vitrine que caíam sobre mim. " Outra - o músico e pintor Cliff Portugal, em depoimento aos repórteres da revista Veja: "Para cada lado que tentava fugir acontecia uma nova explosão. Até que fui atingido. Pensei na bomba de Hiroshima. O horror só estava começando. A poucos metros de mim, uma criança com um ferro no peito pedia ajuda. Não conseguia me mexer. Estava debaixo de blocos de concreto. Escutava gemidos por todos os lados. Então chegaram os saqueadores para roubar as vítimas."

Ana Paula Arósio e o namorado suicida


Um rosto lindo, uma carreira de modelo e de atriz em curva ascendente, um namorado obsessivamente ciumento e desequilibrado, um tiro na cabeça, um drama que completará 10 anos.

No dia 3 de novembro de 1996, um domingo, em São Paulo, a jovem atriz e já modelo consagrada, retratada em dezenas de capas de revista em todo o mundo, Ana Paula Arósio, então com 21 anos, viu o seu namorado, o empresário Luiz Carlos Leonardo Tjurs, de 29 anos, se matar à sua frente com um tiro na boca. Motivo alegado: ele acreditava que ela o traía com outros homens e afirmava não ter mais motivos para viver neste "mundo sujo". Ana Paula trabalhava então no SBT, onde fazia uma das personagens da novela Os Ossos do Barão.
O fato aconteceu apenas quarenta dias antes do anunciado casamento entre os dois, tanto que ela já escolhia as peças do enxoval e fazia planos para o futuro. Quanto ao seu noivo, era - segundo descreveram os próprios amigos - uma pessoa insegura, doentiamente ciumento, um homem bonito que mesmo assim era tímido e retraído, preferindo evitar as badalações tão comuns ao meio artístico. Descendente de imigrantes russos, de uma família que outrora fora muito rica, Luiz era proprietário de uma produtora de vídeo, uma revendedora de carros importados e havia, sem sucesso, gravado um disco independente (era vocalista). Ele, então, fazia uso de medicamentos fortíssimos como o Lexotan e o Rohypnol - remédios que, dizem os médicos, podem gerar quadros de alucinação, especialmente se ingeridos com álcool. Luiz acusava Ana Paula de tráí-lo com o apresentador Serginho Groissman - ouvido pela imprensa, após a tragédia, Groissman negou isso com veemência. Quanto à modelo, era descrita como uma moça de comportamento marcado pela discrição e seriedade. Não trocava de namorado todo mês, como não raro acontece em círculos badalados, e quase sempre tinha sua mãe a acompanhá-la.
No domingo, 3 de novembro, pela manhã, a modelo foi visitar o namorado, com o qual já havia se desentendido na noite anterior (ele, entre outras coisas, a seguia de carro com frequência, para ver aonde ia). Depois de muita discussão entre os dois (ele estaria transtornado), o rapaz sentou-se na cama, com um revólver calibre 38 na mão, e teria pedido a Arosio que o matasse. Em seguida escreveu um bilhete no qual explicava o porquê do seu ato. Apavorada, a modelo tentou tirar a arma da sua mão mas foi repelida por Luiz, o qual correu para o quarto da casa, enfiou o revólver na boca e disparou. Em estado de choque, Ana Paula Arósio passou dois dias abaixo de sedativos. Ao acordar, delirava, passando a pedir para experimentar o vestido de noiva do casamento que nunca se realizou. Superado o episódio, ela seguiu na carreira de modelo e de atriz de sucesso. Hoje é uma mulher de 31 anos, tão ou mais linda do que era dez anos atrás.