quinta-feira, agosto 31, 2006

Caso Simpson: inocente "pero no mucho"...


Um caso de racismo - só que às avessas, desta vez beneficiando uma pessoa negra.
Assim, em linhas gerais, pode ser entendida a absolvição do ex-astro de futebol americano O.J.Simpson, 48 anos, na década de 70, uma espécie de Pelé do esporte mais popular dos EUA. Simpson - ou Orenthal James Simpson - jogou muitos anos no Buffalo Bills.
O julgamento teve seu desenlace em 3 outubro de 1995, em Los Angeles, um ano depois da brutal morte de Nicole Brown Simpson (na foto, com ele), ex-mulher de O.J., e do amigo dela, Ronald Goldman, fato acontecido em 12 de junho de 1994. O julgamento - na verdade um grande show - durou 372 dias até o veredito final e consumiu nove milhões de dólares do contribuinte norte-americano. Simpson teria gasto de quatro a sete milhões com a sua equipe de advogados e de especialistas - só um perito em testes sanguíneos cobrou 100 mil dólares para dar seu testemunho no tribunal. Calcula-se que 60 milhões de pessoas, somente nos EUA, acompanharam o julgamento pela televisão, incluindo aí o então presidente Bill Clinton. O resultado deixou muita gente estupefata, pois os jurados deram um veredito que contrariava todas as evidências. Tal resultado, no entanto, pode ter evitado a eclosão de novos distúrbios raciais na segunda maior cidade americana, um barril de pólvora sempre prestes a explodir.
A absolvição de Simpson foi comemorada pelos negros dos Estados Unidos, que viam na acusação contra o astro do beisebol mais uma atitude racista da polícia de Los Angeles. E foi a polícia que, em última análise, pôs tudo a perder - talvez até, por suas falhas, colocando em liberdade um assassino frio e calculista. A acusação alegou que Simpson matou sua ex-mulher por causa de um ciúme doentio - ele imaginava que ela estava tendo um caso com um dos seus amigos.
O crime aconteceu na noite de 12 de junho de 1994, no jardim da casa de Nicole, uma ex-garçonete que dele se divorciou em 1992. Ela morava em um dos bairros mais chiques de Los Angeles - cidade marcada por profundas divisões raciais (brancos, negros e latinos) e por uma incontrolável guerra de gangues na periferia. O assassino atacou as duas vítimas entre 22h15 e 23 horas, com uma arma que nunca foi encontrada - um instrumento contundente que deixou uma poça de sangue no local, constatando-se que as vítimas lutaram muito contra o agressor. Não houve testemunhas e todas as provas eram circunstanciais. Ron Goldman, o amigo de Nicole, aparentemente deu um tremendo azar, pois foi a casa desta apenas para devolver os óculos esquecidos pela mãe de Nicole no restaurante onde ele trabalhava, e acabou encontrando a morte. O..J. Simpson foi preso cinco dias depois pela polícia e formalmente acusado pelo crime.
Contra ele pesaram muitas evidências, especialmente suas reações imediatas após o fato: deixou uma carta na qual falava em suicídio e fugiu em um jipe, onde, no seu interior, havia uma barba postiça e o passaporte. Também os exames de DNA (que, em 1994, já era empregado como prova nos EUA) comprovaram a existência do sangue das vítimas na casa de Simpson. Além disso ele não conseguiu explicar direito onde estava no horário do crime - alegou que jogava golfe em casa. Pior: uma luva sua foi encontrada no quintal da sua própria casa, com o sangue das vítimas. Comportalmente, outro fato que chamou a atenção foram as manifestações obsessivas de ciúme e as repetidas surras que Simpson aplicava na sua mulher, sempre ameaçando-a de morte. Mesmo sendo negro - mas nem de longe militante da causa - ultimamente o astro do beisebol só namorava loiras, como Nicole.
A seu favor contou o fato de alguns dos policiais que atenderam a ocorrência serem notoriamente racistas, sendo suspeitos de haver plantado as provas. Segundo se apurou depois, os policiais não coletaram o sangue devidamente, carregando o material durante horas (abaixo de um calor fortíssimo) antes de deixá-lo no laboratório. Um deles, Mark Fuhrman, era abertamente racista e neonazista - embora nunca ousasse reconhecer isso. A defesa apresentou uma fita em que o policial fala com desprezo dos negros e, a certa altura, diz que "quando se trata de um crioulo, primeiro você prende e depois faz as regras." Como o jurí, de doze pessoas, era formado majoritariamente por negros - entre eles havia apenas dois brancos e um hispânico - o fator racial foi decisivo.
O chamado "Caso Simpson" dividiu os Estados Unidos: logo após o julgamente uma pesquisa constatou que para 75% da população branca Simpson era o culpado, enquanto 78% dos negros acreditavam que ele era inocente. No total, 56% dos norte-americanos discordaram da absolvição, entre apenas 33% que concordaram.
Provavelmente culpado, O.J.Simpson não tem do que reclamar: declarado inocente, ele ficou com a guarda dos dois filhos que teve com Nicole e ainda faturou muito dinheiro, vendendo entrevistas, reportagens e depoimentos sobre o caso. De qualquer forma, o caso Simpson chamou a atenção para as divisões raciais da sociedade americana, especialmente a de Los Angeles, cuja polícia é das mais violentas, racistas e corruptas dos Estados Unidos.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Joelmir Beting, um ex-bóia fria do canavial.


Olhando hoje, quem imaginaria que o conceituado comentarista de economia, o homem de voz pausada, de rosto claro e "primeiro-mundista", o medalhão que fala sobre dinheiro com a naturalidade de quem sempre teve esse produto em fartura, quem imaginaria que ele, dos sete aos dezesseis anos, fosse um bóia-fria - aquele sujeito desvalido que corta cana nas lavouras do interior de São Paulo, ganhando uma mixaria por isso?
Pois é, Joelmir Beting - autodidata por formação, um dos mais bem pagos jornalistas do País, hoje fazendo seus comentários na Rede Bandeirantes de Televisão (depois de tantos anos na Globo, demitido por fazer a propaganda de um banco, sem autorização da emissora), 69 anos - foi coroinha e bóia-fria nas lavouras de cana-de-açúcar da região de Tambaú, interior de SP? Aos 16 para 17 anos, Joelmir mudou-se para a Capital paulista, iniciando, a duras penas, a sua escalada para o sucesso - ou coisa que o valha.
Outra informação que pouca gente sabe: no dia 5 de março de 1961, no estádio do Maracanã, em um jogo entre Santos e Fluminense, quando era comentarista esportivo, foi dele a idéia de mandar fazer uma placa em comemoração ao antológico gol de Pelé - aquele que resultou na famosa "placa de ouro": o Santos vencia a partida por 1 a 0 quando Pelé recebeu a bola no meio do campo e arrancou em direção à meta adversária, passando por dois, driblando mais três e chutando na saída do goleiro Castilho. Joelmir, que estava no estádio, impressionou-se com o lance e sugeriu ao jornal O Esporte, no qual trabalhava, que fizesse uma placa de bronze para registrar a beleza da jogada. O hoje famoso comentarista de economia pagou as despesas com dinheiro do seu próprio bolso pois o jornal encolheu-se na hora de saldar as despesas. "Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a placa do gol", diria mais tarde o comentarista.
A propósito: católico fervoroso, discípulo do Padre Donizetti, o pai de Joelmir morreu quando ele tinha apenas sete anos de idade. Sebastião Beting caiu da carroceria de um caminhão que o levava para trabalhar na lavoura de cana e não restistiu aos ferimentos.
Palmeirense da gema, de olho no mundo real à sua volta, Joelmir Beting é, há muitos anos, respeitado pelo mundo empresarial e político não somente pela linguagem pedagógica que emprega nos seus comentários (ao contrário de tantos outros, que fazem questão do hermetismo) como pelos acertos realmente comprovados nas suas análises. Ou, como disse um político admirador seu, ele é daqueles que "só consegue explicar aquilo que entendeu". Justificando o seu estilo, cheio de metáforas e analogias, Beting, certa vez, disse o seguinte: "Para se fazer entender você precisa repetir uma mesma idéia até cansar. Por mais óbvia que ela seja".

terça-feira, agosto 29, 2006

Isadora Duncan e a superstição dos pássaros


A "dançarina dos pés descalços", a "filha das flores", "a Divina". No início do século XX a Europa e o Mundo (à exceção dos EUA) renderam-se ao talento, à graça e à ousadia de Isadora Duncan, a iconoclasta da dança que rejeitou o balé rígido da época (achava que ele distorcia a forma humana), a primeira a "dançar a música e não ao som da música." Em certo sentido, foi uma das precursoras do movimento hippie, muito antes que este sonhasse em existir.
Dona de uma beleza exuberante, com cabelos vermelhos flamejantes e olhos cor de violeta, Isadora Duncan na realidade se chamava Dora Angela Duncan, a mais nova de uma família de quatro irmãos, nascida na cidade de San Francisco, na Califórnia, EUA, em 26 de maio de 1877. Logo após seu nascimento, seu pai abandonou a família e a mãe de Isadora obrigou-se a manter os filhos dando aulas de piano e tricotando luvas e mantas, que vendia de porta em porta. Aos 10 anos, "Dorita" abandonou a escola e passou a dar aulas de dança. Aos 15, era uma formosa mulher, de pernas longas e reconhecida beleza.
No final do século XIX seu talento já estava consagrado. Dona de um estilo único, ela saltitava pelos palcos usando apenas pedaços de gaze enrolados no corpo. Assim, seminua, encantava platéias e escandalizava muita gente - principalmente senhoras. Certa feita mais de 40 mulheres da sociedade retiraram-se da sala onde ela estava se apresentando, em protesto contra a sua "imoralidade". Nos Estados Unidos, sua terra, nunca foi aceita e nunca fez sucesso - isso era uma das suas maiores frustrações.
A estas alturas, porém, Londres, Paris e Berlim já estavam fascinados por ela. Isadora Duncan tornava-se um mito e seus rumorosos casos de amor davam o que falar, entre eles o com Paris Singer, herdeiro das máquinas de costuras Singer, com quem teve um filho. Cobrando preços altíssimos, a menina pobre então tinha o mundo a seus pés - era a "Divina Isadora". Mesmo assim, ou talvez por isso, não esquecia do seu passado e compadecia-se dos sofredores, tendo adotado 20 crianças pobres na Alemanha, onde fundou uma escola. "Quero dar-lhes uma vida melhor, a fim de que mais tarde possam semear alegria e beleza como um clarão sobre este mundo triste", justificou ela.
Em 1916 Isadora Duncan esteve no Brasil, dançando no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tinha já quase quarenta anos e havia, três anos antes, vivido uma terrível tragédia pessoal. Foi no dia 19 de abril de 1913, quando seus dois filhos, um de sete e outro de apenas dois anos, viajavam de carro para Versalhes, juntamente com a governanta da família. Em uma curva perto do rio Sena o motor parou e, sem puxar o freio, o motorista saiu para verificar o problema. Nesse instante o carro pulou para e frente e mergulhou nas águas, que ali tinham uma profundidade de 12 metros. Somente uma hora e meia depois o veículo foi localizado.
Em 1922 Isadora casou-se com o poeta russo Sergei Esenin, 17 anos mais novo que ela. O relacionamento foi conturbado: Esenin, bêbado, espancava, roubava e até tentou matá-la. Por fim, suicidou-se em um quarto de hotel.
Extremamente supersticiosa, a dançarina acreditava que os melros, pássaros pretos, eram mensageiros da morte. Ela afirmava ter visto três deles perto do quarto dos seus filhos, pouco antes da morte deles. No dia 14 de setembro de 1927 - aos 50 anos de idade - Isadora, já pobre e quase esquecida - saiu a passear em um Bugatti, com um amigo e namorado, nos arredores da cidade de Nice, na Costa Azul francesa. Antes, ligou o gramofone - o que tocou foi o sucesso "Bye, bye, Blackbird" (Adeus, adeus, Melro). Ao entrar no carro, usando um longo xale vermelho enrolado no pescoço, disse aos amigos: "- Até à vista! Parto para a glória!." Foram suas últimas palavras. A ponta do xale enroscou-se nos raios da roda traseira e ela teve o pescoço partido, morrendo instantaneamente. Na vitrola ainda tocava a música dos melros.

domingo, agosto 27, 2006

Edifício Andorinha, há 20 anos, um incêndio que poderia ter sido evitado



Fevereiro é, tradicionalmente, um mês propício a grandes incêndios, seja na área urbana, seja na rural, o que é explicável pela altas temperaturas do verão. Em 17 de fevereiro de 1986 - portanto, há 20 anos - a cidade do Rio de Janeiro viveu momentos de pânico e terror com a tragédia do edifício Andorinha, a qual matou oficialmente 21 pessoas, deixando mais 38 feridas - não se sabe quantas destas vieram a falecer depois. Foi o maior incêndio, em vítimas, da história conhecida do Rio de Janeiro. As cenas do edifício Andorinha, transmitidas ao vivo pela televisão, chocaram o País. Felizmente, depois dele foram poucos os sinistros dessa natureza que aconteceram no Brasil, e nenhum com tal intensidade e extensão.
Eram 13h30 minutos de uma segunda-feira quando o ar-condicionado instalado no escritório da multinacional General Eletric, no nono andar, sofreu uma sobrecarga de energia. A tomada explodiu e o fogo avançou rapidamente pelo carpete, atingindo uma potrona, logo queimando as cortinas. Dez horas depois, restavam os escombros calcinados do prédio, localizado no centro do Rio (cruzamento da Avenida Almirante Barroso com a rua Graça Aranha) e onde circulavam diariamente não menos do que 1700 pessoas.
E restava uma outra grande certeza: a de que não somente os prédios não foram construídos adequadamente para prevenir tais catástrofes como o Corpo de Bombeiros da Cidade Maravilhosa (e de quase todas as cidades brasileiras, diga-se) revelou-se pessimamente equipado. Faltou água nas mangueiras, não havia pressão nos hidrantes, os soldados do fogo dispunham de apenas doze máscaras de proteção contra a fumaça e não contavam com nenhum colchão de ar para amortecer o salto dos desesperados. Além disso, uma das suas seis escadas Magirus estragou logo no início da operação e as demais mostraram-se incapazes de chegar mais alto do que o décimo andar (quem estava nos andares abaixo deste pode se salvar sem maiores problemas, descendo pelas escadas). Foram tantas as deficiências que os Bombeiros receberam sonoras vaias da população aglomerada que assistia à cena.
Internamente, as coisas não correram melhores: a porta que conduzia ao terraço, ao final de uma escadaria, havia sido fechado a cadeado pelo síndico do edifício. As dez pessoas que chegaram ao terraço e que foram salvas graças a um helicóptero chegaram lá esgueirando-se por uma basculante. Duas pessoas, queimadas e em desespero - um homem e uma mulher - jogaram-se do alto para a morte instantânea no chão da rua. Críticas merecidas sobraram para todo o mundo, inclusive para o então governador Leonel Brizola - ele acusou a "multinacional" GE e até a "ditadura" como culpadas pelo ocorrido.
"Nem sei se valeu a pena me salvar, pois as cenas que vi jamais da minha mente", afirmou a recepcionista Isaura Calerin Iavecchia, de 32 anos. Diante das chamas de três metros de altura, ela havia ameaçado se jogar de uma das janelas do décimo andar mas finalmente, depois de mais de uma hora de desespero, conseguiu agarrar-se a uma escada Magirus.
Depois da tragédia do Andorinha, muito se falou, algumas coisas foram melhoradas e muitas outras continuam exatamente como estavam - à espera de um novo acontecido. Uma certeza ficou: se a prevenção tivesse sido feita conforme mandam as regras nada daquilo teria ocorrido e duas dezenas de vidas, no mínimo, teriam sido salvas.