sábado, junho 20, 2020

O tempo passa e eles mudam para pior


Plínio Marcos, autor de Dois Perdidos em uma Noite Suja
Ainda hoje - e sempre - os estudantes de Jornalismo das tantas faculdades de Comunicação do Brasil - com a imaturidade e a insegurança própria da pouca idade, ficam deslumbrados com os grandes medalhões da imprensa tupiniquim, quando não são de direita, claro, ou quando seguem a cartilha do que os seus professores dizem. 
Também fui assim, pois também tive 19, 20 ou mais anos, idade que ninguém merece. Conheci, por essa época, o Plínio Marcos (ele, mesmo ganhando uma bela grana na época, fazia questão de se mostrar ostensivamente com um dente a menos à plena vista, talvez uma espécie de troféu por ser tachado "maldito") e o Hélio Fernandes, jornalista e irmão do Millor - o Plínio, anos depois, encontrei na frente de um cinema, em São Paulo vendendo seus livros, e aí até que gostei). 
Mas havia um, no final dos anos setenta - quando comecei, digamos, a ser gente - e nos oitenta que era uma quase unanimidade entre essa garotada. Chamava-se (e chama-se ainda) Mino Carta, o italiano que veio para o Brasil, foi editor da Veja na fase mais braba da ditadura, resistindo sempre e publicando matérias desafiadoras ao regime. Mino era, por assim dizer, um exemplo da "boa imprensa", da "resistência à ditadura", entre tantas apregoadas qualidades. Também era um coroa boa pinta, o que conta muito para as estudantes das PUCs da vida. Pois um dia o PT e o Lula chegaram ao poder e, como se sabe, fizeram todos os disparates que hoje sabemos, prostituiram-se, traíram seus ideais e, óbvio, esqueceram da "nova política" em oposição ao "toma lá-dá cá". O Mino, que saíra da Veja, fundara a Istoé e depois a Carta Capital, nunca - mesmo com todas as evidências - sequer fez uma crítica ao que se tornara o PT e Lula. Pelo contrário, passou a atacar seus adversários e críticos com grande virulência e ferocidade. Assim como o Chico Buarque, transformou-se em fiel escudeiro do sistema que já se demonstrara podre e corrupto. Naturalmente, aos poucos, a sua máscara foi caindo - ele até se beneficiou financeiramente do novo regime. Sendo alguém que preza, acima de tudo, a autocrítica, decepcionei-me e até me irritei com ele ao ponto de jogá-lo na lata do lixo da história da imprensa.
Outro que fazia trotoá nas faculdades, dando palestras e "debates" com estudantes imberbes foi o Pedro Bial, jornalista inteligente e com qualidades, sem dúvida, mas com suas distorções e interesses pessoais, mostrando-se, assim como o Mino, pouco confiável e pouco coerente. Um exemplo disso é ele, Bial, funcionário e medalhão da Globo, ter escrito uma biografia do Roberto Marinho, na qual a personagem - para dizer o mínimo - é colocada com grande e intrépida figura - talvez seja mesmo, em certos aspectos, mas aí é outra história. Na real, não sei bem o que ele queria com isso, não sei mesmo. Dinheiro acho que não era, embora o livro tenha sido patrocinado. E dinheiro ele já tem bastante, embora essa gente sempre queira mais. Aí, no cerne da questão, eu te pergunto: será que ele queria estabilidade total de emprego, ad eternum? Naturalmente ninguém da Globo vai demitir quem fez tantos elogios ao histórico Big Boss da Vênus platinada. Não sei, com sinceridade, mas duvido que alguém vá mandar embora um cara assim, Bial está aí, com seu programa de entrevistas, e o Mino Carta, com mais de oitenta, também está na ativa. Mas já não enganam mais - pelo menos a mim.(V.M.)

quarta-feira, junho 17, 2020

O plástico nas águas que Ararigbóia navegou séculos atrás



Se ter febre significa Covid-19, estou passando bem no teste. Toda vez, quando vou ao supermercado aqui próximo comprar o leitinho para as crianças que não tenho, um segurança engravatado e muito educado aponta uma pistola futurista para a minha testa e diz: Tudo certo! Depois do tiro silencioso e indolor na testa eu entro em uma fila indiana - no tempo em que essas filas verticais eram chamadas de "indianas" - e entro nas dependências disso que já foi chamado de "templo do consumo" - na verdade o tal templo é o shopping todo, agora com metade das lojas fechadas.
Bom, vou lá, escolho meus itens - a moça do caixa sempre me faz aquela inteligentíssima pergunta "mais alguma coisa" (qualquer hora vou mandar ela buscar um tapete persa ou um vaso da dinastia Ming) - e saio fora, carregando uma invariável sacola de plástico com as compras dentro.
De tanto ir ao super - afinal, estamos na pandemia - acumulei uma bateria de sacolas plásticas, centenas delas, que uso para revestir a lixeira da cozinha. É uma quantidade realmente impressionante que descarto quando possível. Como é redundante dizer que vivemos a civilização do plástico, iniciada ainda antes da Segunda Guerra, nos EUA - no Brasil demorou um pouco mais - acho que agora, atingimos o paroxismo do fenômeno. É tanto plástico (e o gaúcho, conservador e insensível, recusa-se a levar sacolas de pano ou qualquer outra coisa) que imediatamente a gente se pergunta para onde vai todo esse sintético à base do petróleo e o qual, dizem, leva centenas de anos para se decompor, isso quando se decompõe. Nem o fogo põe fim a tal produto - fica uma gosma resiliente e que nos acompanhará até o fim dos tempos, como a maldição da múmia egípca.
Pois, nesse supermercado, há uma peixaria, com as mais variadas criaturas coméstíveis do mar e dos rios e lagoas, todos em meio ao gelo picado. Há salmões, traíras, tainhas, trutas, tilápias, além de camarão e outras frescuras deliciosas.
Sin embargo, como diriam os castelhanos, toda ocasião em que passo pela peixaria penso nesses peixes, agora defuntos, e no que eles são no mar e em água doce. São belos e convidativos ao paladar, como todos os peixes. Porém, nessa hora, sempre imagino tais espécies aquáticas em sua vida no mar e também nas tartarugas, que agora estão morrendo de tanto plástico que ingerem, confundindo-os com alimento do dia a dia. E aí lembro da barca da Cantareira, de onde eu seguia de Niterói para o Rio, anos atrás, viagem maravilhosa pela Baía de Guanabara, vendo aquela cloaca salgada repleta de toda sorte de imundícies, incluindo, claro, lindos e plácidos sacos plásticos a boiar sobre as águas que o cacique Ararigbóia atravessou, séculos atrás, em pirogas, sobre um mar limpo como chão de farmácia. (Vitor Minas)

As peculiariedades dos coreanos

Vitor Minas

No condomínio onde moro havia muitos coreanos. Digo havia, pois não vejo mais nenhum, ou nenhuma (quase todos eram mulheres jovens, estudantes, possivelmente de intercâmbio universitário). Devem ter dado no pé, certamente, e voltado para seu país por conta da onda do coronavírus.
Essas coreanas chamavam a atenção pois viviam em um mundo à parte, e não interagiam com os nativos - até pela barreira linguística e cultural. Porém todas eram bem vistas, pela educação e por cumprir fielmente as regras de convivência social. Aqui, maravilhadas, aprenderam a comer churrasco - a carne de gado é caríssima na Coréia do Sul, pelo que sei de quem teve parentes que estiveram lá, em visita. Outra coisa que chamava a atenção - todas eram bonitas, magras e com uma pele perfeita, além de pernas maravilhosas, que não mostravam muito. Não havia nenhuma acima do peso, o que pode ser atribuído, acho, à alimentação saudável.
Como disse, adoravam churrasco e adoravam os gatos que ficam estirados ao sol nos peitoris das janelas, aos quais acariciavam e brincavam. Bom, esses tempos li que na Coréia, assim como na China, até não faz muito (ainda há "restaurantes especializados"), se comia carne de cachorro e de gato. Deve ser uma herança do tempo em que a Coréia era um país pobre, bem diferente de hoje. Desenvolvida e capitalista, a parte Sul - o país é bem pequeno - não tem nada a ver com a Coréia do Norte, onde o povo passa fome e tem que fazer cumprimentos para aquele baixinho chamado Kim, senão leva até uma cana federal. Pois, acidentalmente ou não - por conta da doutrina anticomunista da Guerra Fria - os coreanos têm uma dívida de gratidão com os Estados Unidos, que derramaram o sangue de seus soldados para livrar, pelo menos a metade, do totalitarismo. Os americanos fizeram o diabo e lançaram milhões de bombas sobre os campos, planícies e montanhas, matando centenas de milhares de civis, algo do qual até hoje a população guarda ressentimentos. Mas - repito, por interesses geopolíticos etc - salvaram o Sul de ser igual ao Norte. É por isso que agora compramos celulares e televisores coreanos, que eram de qualidade ruim não faz tanto tempo assim (igual aos japoneses, no início) mas hoje são produtos de excelência. O mundo dá voltas mesmo.

segunda-feira, junho 15, 2020

A desorientação do brasileiro



Sempre me impressionou o fato dos norte-americanos se orientarem tão bem pelos quatro pontos cardeais, aquela coisa que vemos nos filmes, quando o sujeito informa, ao visitante desorientado, "siga a sudeste e depois dobre a noroeste mais 5 milhas", ou quando, nos filmes de faroeste, eles dizem "os bandidos seguiram para o norte". Bom, milhas também é outra coisa exótica para nós, já que os "ianques" (diga isto para um sulista!) adotam outras medidas. Mas voltemos à questão orientativa: siga para sudeste, por exemplo, para um brasileiro é o mesmo que dizer "vá pra casa da Tia Maroca". Aqui se diria, "vá em frente e quando encontrar um taquaral, dobre à esquerda e siga toda a vida" - o toda a vida é mais coisa de catarinense. Nesse belo Estado, pelo menos no litoral, eles mandam o desinformado "seguir toda a vida". Como assim? Não vou parar nunca?

Dito isto sobre os americanos - não sei se com os europeus é a mesma coisa - faço uma analogia com a desorientação cartográfica do brasileiro, para não falar da mental, neste momento. Raras pessoas aqui sabem sequer, a partir de um determinado ponto, onde fica o sul e o norte, o leste e o oeste. Nem eu, que sou um gênio da raça, sabia muito até recentemente, quando comprei uma pequena e baratíssima bússola na Galeria Rosário, em Porto Alegre, e às vezes me divirto com ela. Pois descobri, consultando o tal instrumento tão útil aos antigos viajantes e navegadores (apesar que estes iam mais pelas estrelas mesmo), que o sul absoluto fica mais para o o oeste, e o oeste fica mais para o norte do que eu pensava. É meio doideira isso. Bom, no final das contas, no frigir dos ovos, conclui que nós brasileiros realmente não sabemos nos orientar, o que talvez explique o atraso nacional, naquela base do "ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil". Em compensação os gringos, tão racionais em tudo, parecem carregar uma bússola embutida no rabo desde que nasceram

Durango Kid e a máscara negra

Durango Kid só existe no gibi, garantia Raul Seixas, em uma referência aos pretensos e patéticos heróis e um elogio ao homem comum. Não só existia nos gibis como na série de TV que levava seu nome e que passava, aqui, pela TV Gaúcha, hoje RBS. Foi uma das personagens da minha infância, no tempo dos televisores a válvulas - as quais seguidamente queimavam e cujos aparelhos tinham botões de vertical, horizontal, brilho, etc, todas entremeadas de chuviscos. Encontrei fotos e imagens suas no tio Gugle, todas com a indefectível máscara preta, semelhantes a essas que usamos hoje em tempos de peste. Descobri que era estrelada por Charles Starret, que morreu em 86, com 83 anos de ideade. Pois, nos tempos sombrios em que vivemos, com todo mundo mascarado, às vezes me sinto como o Durango Kid, não o do seriado mas o do Raul Seixas, aquele personagem comum e frágil que só existe no gibi. Mas como dizia o velho Ibrahim Sued, ademã que vamos em frente e cavalo não desce escadas.

O Pão que o Diabo Amassou

Daqui do meu apartamento, no quinto andar, até há pouco tempo, eu tinha a vista longíngua do Presídio Central de Porto Alegre - o mais sórdido do Brasil, com mais de 4 mil presos. Aos poucos, novos edifícios cobriram essa paisagem, da qual não sinto falta. Pois agora, com a pandemia, a reclusão e o tal isolamento social, fico pensando nessa gente que está lá, alguns certamente inocentes, outros que deviam a pensão dos filhos e pagaram por isso com a privação da liberdade. Devem estar comendo o pão que o diabo amassou. Particularmente (palavrinha irritante e redundante, e existe alguém que não seja particular?) não consigo me imaginar preso - em casa ao menos tenho a infra necessária e também posso sair às ruas quando quiser, devidamente mascarado é claro. Pois tive um grande amigo, já falecido, pessoa boa mas que na adolescência entrou para a vida torta - ao final, havia cumprido cinco anos recluso, dos quais um no Central. Viu de tudo lá e, mesmo assim, quando saiu continuou sendo uma pessoa alegre e de grande capacidade de trabalho, desta vez honesto - tornou-se um excelente vendedor de anúncios para jornais. Cinco anos em cana, imaginem! Se esta pandemia já está nos deixando de cabeça virada, imaginem cinco anos fechado em uma cela imunda, ao lado da pior espécie de gente. Não é mole não. Mas tem coisa ainda pior nesta área - o Nelson Mandela, por exemplo, que passou 27 anos preso, quase sempre incomunicável. Saiu sorrindo, com aquele seu sorriso aberto, e se tornou presidente do seu país. Eu, se tivesse que enfrentar cinco anos na gaiola - nem falar em 27 - enroscava uma corda no pescoço e pulava para o fechamento das contas. Há gente forte mesmo.