Em um país em que a maioria dos jogadores é feia, mestiça, de origem plebeia e com escassa bagagem cultural, o caso de Heleno de Freitas se destaca em sentido contrário. O craque do Botafogo, considerado um dos grandes jogadores da América do Sul naquela primeira metade do século 20, não só era culto – culto, formou-se em Direito e falava várias línguas – como também era bonito e charmoso como um galã de novela. Mineiro de nascimento, filho de um rico plantador de café, Heleno de Freitas faz parte da história do futebol brasileiro mais por seu modo de vida do que por seu festejado futebol elegante. Um dos grandes artilheiros do Botafogo e segundo maior ídolo do clube depois de Garrincha, em 1946 foi apelidado de Gilda por seu temperamento explosivo e imprevisível e não por sua ambiguidade sexual, que aliás não existia. Gilda é um clássico do cinema, interpretado por Rita Haywoorth.
Mulherengo, bom de copo e de boemia, integrante, no Rio, do célebre Clube dos Cafajestes, o atacante teve muitas e belas mulheres, entre os quais, dizem, se incluiria a então primeira dama da Argentina, Evita Perón, isso na época em que jogou pelo Boca Juniors.
Heleno morreu em novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade, sifilítico e louco, em um hospício de Barbacena, Minas Gerais. Artilheiro do campeonato sul-americano de 1946, nunca ganhou nada de importante pelo Botafogo - seu único título carioca é pelo genial Vasco de 1949, base da seleção brasileira do ano seguinte.
Criticado, atacado, mas também invejado, Heleno de Freitas sempre foi um prato cheio para os jornalistas e radialistas da época, que adoravam falar da sua vida pessoal e dos seus variados escândalos. Isso, é claro, fez com que não fosse convocado para a Copa do Mundo de 1950, no Brasil, a primeira que perdemos em casa.
Em A Comédia do Futebol, artigo publicado em 13 de outubro de 1951, um ano depois da Copa, na Revista do Globo, o jornalista carioca Ubirajara Mendes, com seu texto ferino, traçou um perfil bem humano do selecionado que fracassara naquele célebre Maracanaço contra o Uruguai. De Heleno escreveu o seguinte:
“Certa vez o impetuoso centro-avante Heleno de Freitas, talvez por motivos bem justificados, irritou-se fortemente em campo, e armou uma rixa. O juiz apita. Suspende-se o jogo e entabulam-se as clássicas “conversações”. Os jogadores envolvidos no caso dão esclarecimentos. Os dirigentes de ambos os clubes vão para o gramado e por fim volta a reinar a paz. O árbitro adverte Heleno e a partida recomeça. Dias depois outro embate futebolístico é interrompido por uma disputa. E nas arquibancadas começam os comentários:
- Que foi. Ah, é o Heleno! É a mania dele. No domingo passado foi a mesma coisa. Esse rapaz explode por nada...
E assim nasceu a “mania de Heleno”. Tornou-se ele, para todos os efeitos, o explosivo, o irritadiço, com um sistema nervoso feito de fios elétricos. Na maioria das vezes é o público que se encarrega de criar um traço característico que associa sempre à pessoa de um determinado craque. E o jogador termina por cultivar o “dom” que os torcedores descobriram nele. É uma maneira de dar relevo à sua personalidade, fator importantíssimo para quem deseja fazer ou conservar um cartaz. O caso de Heleno é típico. Com a adesão franca da torcida, ele se transformou numa bomba de hidrogênio pronta a explodir a qualquer momento. Depois que apagaram seu nome do futebol carioca, muitos fãs sofreram mais do que o excelente craque. Alguns dizem até que perdemos o último Campeonato do Mundo porque abandonamos Heleno. Acrescentam que Obdulio Varela não aguentaria vinte minutos como marcador do temperamental dianteiro... “
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