domingo, junho 21, 2020

Menino, não verás país como ese...

Visão dos estragos em Kobe, no Japão, depois do grande terremoto de 1995.
Quem não viu o que foram as comemorações pela conquista do Tri no México, em 70 - que justamente hoje completa meio século (el tiempo pasa, siempre!) - não viu nada. Foi uma euforia coletiva, um delírio popular, pois "a taça do mundo é nossa" - desta vez em definitivo a Jules Rimet ficava em solo brasileiro. Naquele tempo quem conquistasse três títulos mundiais ficaria com o troféu mais cobiçado do futebol. A conquista, entre outras coisas, deu origem à expressão "tri", usada até hoje pelos gaúchos (que tinham o gremista Everaldo no escrete canarinho).
Eu tinha nove anos e lembro da caravana de carros e dos buzinaços na minúscula cidadezinha onde morávamos (na verdade morávamos no Posto Indígena, mas lá não havia eletricidade e nem tínhamos televisão, algo caro para a época). Em 1994, quando o Brasil levou o Tetra, depois de um longo e torturante jejum, minha filha também tinha nove anos, e lembro do olhar maravilhado seu ao ver o buzinaço pela avenida Ipiranga, em POA. Certamente ela não esqueceu daquilo.
Falei na taça Jules Rimet, que foi orgulhosamente trazida para o Brasil e exibida pelo capitão Carlos Alberto Torres. Por supuesto, era então o símbolo maior da brasilidade vencedora, do "brasileiro não há quem possa", no tempo do tal Milagre Econômico que mal iniciara e durou uns quatro anos, depois veio a crise do petróleo e tudo foi pelos ares. Exibida em uma redoma de vidro (ou outro material qualquer) na sede da CBF a Jules foi roubada no início dos anos 80, em um episódio misterioso cujo inquérito nunca chegou a uma conclusão convicente. Isso até virou filme, com o pessoal do Casseta e Planeta.
Pois é, e não é que roubaram a taça Jules Rimet e, segundo se diz, derreteram-na para extrair o ouro ali contido, o que até hoje me faz repetir aquela frase de não sei quem: Menino, não verás país como este... Historio este ato sumamente patriótico e o comparo às outras nações (as exemplares, se é que existem), de como reagem às cíclicas calamidades naturais (não é o caso deste roubo, claro).
No Japão, por exemplo, durante o grande terremoto de 1995, com epicentro em Kobe, o qual matou milhares de pessoas, os membros da Yakuza - a máfia japonesa - saíram às ruas com caminhões lotados de alimentos, distribuindo-os aos compatrícios flagelados. Tal atitude demonstra, no mínimo, o fato dos bandidos de lá (o PCC não distribui donativos, pelo que eu saiba)  - vejam só - serem solidários e patrióticos nas horas de crise, e acho que, por escrúpulos e vergonha (eles têm disso, vejam só) não roubariam e derreteriam o símbolo físico das proezas do nosso futebol, e quem fizesse isso seria obrigado a praticar o harakiri.
Esses dias também li que na África do Sul as gangues da Cidade do Cabo deixaram por momentos as diferenças de lado e, ombro a ombro, passaram a doar publicamente mantimentos às vítimas da pandemia. Aqui os figurões do regime, igualmente ou mais mafiosos, com milhões roubados da nação, ainda entram no programa do Auxílio Emergencial em busca de 600 reais. Realmente, com brasileiro não há quem possa e a taça do mundo não mais é nossa.

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