domingo, julho 22, 2018

Cardeal, sem um pulmão, quase não errava gols



Cardeal, não jogou na dupla Grenal.

Cardeal foi um dos maiores jogadores do futebol gaúcho – isso na época romântica, em que o profissionalismo mal iniciava no esporte brasileiro. Nascido em Santa Vitória do Palmar a 7 de novembro de 1912, Sezefredo Ernesto da Costa era atacante e ganhou o apelido de Cardeal pelo fato de jogar com um gorro vermelho. Cardeal – assim como o grande Lara, do Grêmio – morreu de tuberculose, em Montevidéu, em 4 de agosto de 1949, com apenas 36 anos de idade, depois de ter passado por muitos clubes, pequenos e grandes – o Nono Regimento, clube de origem militar de Pelotas, rebatizado de Farroupilha  em 1941, o Brasil de Pelotas, o São Paulo de Rio Grande, o Fluminense do Rio e Nacional de Montevidéu, entre outros.
Naqueles tempos não havia campeonato brasileiro de clubes, até pelas dificuldades de deslocamento em um Brasil primitivo e sem rápidos meios de transporte. Mas Cardeal, vice campeão brasileiro de 1936 pelo selecionado gaúcho (em uma decisão contra os paulistas em que, dizem os gaúchos, o árbitro deu uma mão ao pessoal da terra da garoa), foi convocado pelo técnico Ademar Pimenta para disputar o sul-americano de 1936, o que chamou a atenção dos uruguaios do Nacional, que o contrataram no ano seguinte. Em 1939 foi para o Fluminense, retornando para o Regimento de Pelotas menos de dois anos depois, clube pelo   qual ganhou o histórico título estadual de 1935, o ano festivo das comemorações do centenário farroupilha. A decisão foi contra o Grêmio, em Porto Alegre, e Cardeal fez dois gols na vitória de 2 a 1 contra a equipe tricolor.
Segundo a lenda, Cardeal só tinha um pulmão, já que o outro havia sido extraído quando se descobriu tuberculoso. Mesmo assim ele jogava e se impunha na grande área – era o que se chama hoje de “matador”. Parou de jogar em 1943 e faleceu em Montevidéu, com toda assistência médica que lhe ofereceu o Nacional, onde também brilhou.
A fonte básica desta pesquisa inicial é o buscador do Google. A parte abaixo é pesquisa nossa.
Em janeiro de 1976, em uma das suas crônicas dominicais na coluna Esporte Especial do Correio do Povo, Cid Pinheiro Cabral contou uma pitoresca historieta envolvendo esse craque do passado, que reproduzimos aqui na íntegra e que se chamava “Dali, Cardeal não errava...” .
Conhecido é o episódio do Carruíra, em Rio Grande, na década de 30. Atirando um pênalti contra o Botafogo, raspando a trave, mas pelo lado de fora, teve-o transformado em gol, sob a desculpa de que “Carruíra nunca errou nem errava um bola daquelas...”
Agora recebo do advogado Afif Jorge Simões Filho, de São Sepé, o relato de outro episódio envolvendo Cardeal – que aí vai como nos chegou.
“ – Há poucos dias esteve aqui em São Sepé, fazendo-nos uma visita, o distinto advogado de Bagé, Dr. Edgar Pinto, torcedor doente e alto prócer do Guarani. Contou-nos fatos interessantes do futebol bajeense, desde 1939, quando, guri, começou a frequentar os estádios da sua terra.
Esta aconteceu em Bagé, segundo relata o dr. Edgar, no início da década de 40 (1941 ou 42, por aí), quando o Farroupilha de Pelotas foi ali disputar um amistoso com o Guarani, levando como grande atração o inesquecível Cardeal já em fim de carreira, com um pulmão só e capacidade para jogar apenas um tempo, a pau e corda. Apitava a partida o ex-craque do próprio Guarani, conhecido por Gancho.
Ao terminar o primeiro tempo, ganhava o Guarani de 1 a 0. Faltando uns 30 minutos para o final, o Farroupilha apelou para o seu grande trunfo: colocou o Cardeal em campo para equilibrar (ou desiquilibrar) a partida. O Cardeal (e o sr. o viu jogar muitas vezes, certamente) dava a impressão de ser etéreo, imaterial, tal a facilidade e leveza com que passava pela zaga. Em fim de carreira, não tinha sequer força para grandes chutes, mas fazia o seu carnaval com a bola nos pés. Lá pelas tantas, pega a bola e derruba a dribles toda a defesa do Guarani, enquanto o árbitro Gancho, de apito na boca, segue atentamente o lance. Quando o Cardeal ficou na cara do goleiro, ouviu um tremendo apito e parou a jogada, pisando em cima da bola. Voltou para interpelar o Gancho, inconformado:
- Pomba, gancho, no hora em que eu ia fazer o gol, tu apitas.
- Olha, Cardeal, foi uma coisa estranha que aconteceu. Eu fiquei tão emocionado com a tua jogada que apitei sem querer. Foi um apito bobo que saiu da boca sem qualquer motivo. Mas podes ficar tranquilo: o gol não saiu... mas valeu!
E apontou o centro de campo, para nova saída. Os jogadores e a diretoria do Guarani cercaram o juiz, protestando aos gritos:
- É um absurdo! Onde é que estamos!
O Gancho argumentava:
- O gol estava quase feito, era só chutar.
Mas o pessoal do Guarani não se conformou:
- É um absurdo! O Cardeal podia chutar fora ou por cima, o goleiro podia defender...
E o Gancho, imperturbável:
- Vocês não conhecem o Cardeal... Joguei anos ao lado dele e contra ele, e gol como aquele ele nunca perdeu. Não haveria de ser hoje que iria perder...
E o jogo terminou empatado, apesar de todos os protestos do Guarani.

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