quinta-feira, julho 26, 2018


Mister Barrick, o Velho Jack, deixou saudades nos gramados gaúchos



Luís Fernando Veríssimo lembra dele apitando grenais, e o citou em uma de suas crônicas. Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor, já falecido, recordava o gol do Brasil contra o Uruguai que ele anulou pela antiga Copa Rio Branco. O certo é que sua figura faz parte da história do futebol gaúcho, brasileiro e sul-americano nos anos que se seguiram ao término da Segundo Guerra Mundial.
Seu nome: Cyril John Barrick, o “velho Jack”, que o Correio do Povo definiu como “o consagrado e fleumático árbitro britânico que tanto bem anda fazendo ao futebol gaúcho”, o “número 1 do mundo”.
Ninguém sabe exatamente – ou talvez alguém ainda saiba – como o “velho Jack” chegou ao Rio Grande do Sul naquela segunda metade dos anos quarenta, já consagrado como um juiz de primeira grandeza no futebol inglês. O que se presume é que numa Inglaterra devastada e empobrecida pela Segunda Grande Guerra ele tenha resolvido procurar trabalho em querências mais pacíficas e ensolaradas e onde o esporte bretão também era amado, o que já acontecia com colegas seus. O velho Jack, a julgar pelas fotos, já deveria contar os seus quarenta e tantos anos quando deixou a Velha Albion castigada pelos bombardeios nazistas e veio para a América do Sul ganhar uns trocados para sustentar a família que ficara na Europa.
O certo é que aqui o “velho Jack” ganhou respeito e deixou saudades por onde passou e apitou, em especial no Rio Grande do Sul, estado que foi, tudo indica, sua porta de ingresso no mundo futebolístico sul-americano. Versátil e disposto a tudo por um punhado de libras que remetia todo mês para a família, Mister Barrick apitou tanto jogos da seleção brasileira como partidas amistosas em surrados e toscos campos de futebol. Ter Mister Barrick apitando era uma espécie de certificado de qualidade. Exótico e famoso, o Velho Jack virava uma atração à parte.
Ao que parece, Mister Barrick foi inicialmente contratado pela Federação Rio-grandense de Futebol para apitar os jogos do campeonato citadino. Mas, malandramente, bem no jeitinho brasileiro, esta passou a emprestá-lo a outros centros do País. Assim o velho Jack apitou nos Eucaliptos, na Baixada, em São Januário, no Pacaembu, no Maracanã, no estádio da Timbaúva, na Chácara das Camélitas, na Colina Melancólica... Apitou jogos do Brasil contra outras seleções e apitou clássicos platinos, onde também tinha fama. A Federação gaúcha o emprestava, cobrava por isso, e nem sempre repassava o dinheiro ao fleumático e tolerante inglês.
Quantos anos ficou Mister Barrick no Brasil? Será que voltou para a sua Inglaterra ou resolveu se aclimatar nos trópicos? O mais provável é que tenha voltado: cansado da desorganização do futebol brasileiro e das promessas não cumpridas, às vezes o Velho Jack botava a boca no trombone, como em abril de 1950, alguns meses antes da Copa no Brasil. Conforme o Correio do Povo noticiou, Barrick estava insatisfeito e, pior, sentia-se explorado pelos dirigentes esportivos gaúchos:
“Por ocasião de sua recente ida a Caxias do Sul, a convite do presidente do Nacional, que é também presidente do Departamento de Futebol da Capital, o laureado apitador britânico queixou-se amargamente da maratona a que estava sendo submetido, atuando várias vezes em uma semana, por ocasião da temporada do Peñarol em nossos gramados. A um dos nossos cronistas, Mister Barrick alegou sentir dores na coxa direita, à altura dos rins, dizendo a impossibilidade em que se achava de continuar a apitar partidas fora dos termos do compromisso, ou seja, mais de três durante uma semana. Mister Barrick chegou a falar em rescisão do contrato, caso fosse obrigado a trabalhar além das suas forças. Agora o Departamento de Futebol da Capital acaba de tomar outra deliberação que está merecendo crítica nos círculos esportivos. É que os clubes uruguaios, Nacional e Peñarol, solicitaram por empréstimo a presença do Velho Jack em campos orientais para um torneio quadrangular que pretendem realizar juntamente com clubes brasileiros. Os maiorais do nosso futebol de pronto aquiesceram, condicionando-o a uma questão de data e, mais, exigiram 25 mil cruzeiros por arbitragem, devendo o apitador, por sua vez, perceber 5 mil cruzeiros em cada uma.”
“Isso quer dizer, pura e simplesmente, que o Departamento de Futebol da Capital resolveu que os clubes uruguaios venham a pagar os honorários de Mister Barrick pelos próximos quatro meses, com a visível economia de 100 mil cruzeiros para os clubes”
E assim conclui o Correio do Povo: “Ora, Mister Barrick não é nenhuma criança, e qualquer dia, quando achar que está sendo mal empregado, não terá dúvida alguma em pedir a rescisão do seu contrato a fim de continuar o seu verdadeiro apostolado esportivo em qualquer outro centro mais adiantado do que o nosso e onde não sirva unicamente de atração para rendas, ou – o que é pior – para evitar que os clubes tenham que entrar com dinheiro para suprir as modestas arrecadações auferidas com as não menos modestas exibições de seus esquadrões de profissionais..." 
É, o Velho Jack, o apitador número 1 do Mundo, deixou saudades em terras gaúchas, mas será que nós deixamos saudades nele?

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