sexta-feira, julho 04, 2008

O blá-blá-blá do Conselheiro


Dizem que a falta de sol, de luz, deixa o sujeito meio tristonho. Deve ser verdade, pelo menos na experiência pessoal é assim. Falo isso porque o sol anda sumido há muitos dias - nem lembro qual foi a última vez em que o astro rei brilhou sobre o céu da nossa pátria amada.
Esse clima cinzento, úmido, é bem coisa de inverno, e a gente tem que se acostumar com ele. Ou então pegar um avião e ir lá pra Bahia.
Quando garoto, morei na Bahia, e tenho a maior consideração por aquela terra e aquele povo. E por aquele sol, que reina soberano praticamente todo santo dia.
Ao contrário da grande maioria, sempre gostei mais da boa terra nesta época do ano, no inverno, quando a horda de turistas ainda não se faz presente e Salvador vive a sua rotina pacata, a sua vida real. Chove muito por lá, nestes meses, e, de vez em quando, o sol também some, o que deixa os baianos irritados e apreensivos. Três dias sem sol é, digamos, o limite: no terceiro dia os baianos já estão de olhos grudados nas nuvens, esperando por ele, e comentando a sua ausência.
Nunca fui aos países nórdicos, mas sei que lá, no inverno, passam semanas, ou meses, sem a luz solar, o que, convenhamos, deve influir no ânimo do povo. Imagine um mês sem sol, com tudo coberto de neve, frio de rachar. Não deve ser fácil. Na Rússia, então, dizem que é ainda pior. Talvez seja por isso que os russos bebem tanta vodka e fazem tantas revoluções.
Ah, a Bahia... Quando lembro nela, lembro da rua Coqueiros da Piedade, onde morei, de dona Maria, uma senhora negra, corretíssima, que mantinha a pousada mais asseada de toda Salvador. Dona Maria - que, espero, ainda esteja viva - era uma mulher rigoroso, mas sempre dentro dos limites. Proibia os homens de levarem mulheres para os quartos e, quando isso acontecia, gritava lá de dentro: "Depois eu quero falar com você!" A gente era advertido, pedia desculpas, dizia que não iria reincidir, reincindia, e assim ia a coisa.
Conhecia Salvador quando ainda havia toque de recolher no Pelourinho, na época bem diferente do que é hoje - hoje está bonito, é ponto turístico, cultural, com muitos bares.
No início dos anos oitenta, entretanto, o Pelourinho era zona de prostituição e boca de fumo. A polícia prendia que andasse nas ruas depois das dez horas da noite. Aqueles casarões centenários abrigavam todo tipo de gente do baixo mundo - ladrões, assaltantes, traficantes, putas, viciados. Havia uma senhora, com mais de setenta anos, que vendia maconha - e todo mundo sabia quem era. Dizem que guardava o produto na geladeira.
Foi no Pelourinho, em 1981, que conheci uma das minhas admirações literárias: Rubem Braga. Havia - não sei bem o motivo - uma festa que reunia toda a nata da intelectualidade baiana por lá, com convidados de fora. Acho que era a comemoração dos 70 anos de Jorge Amado, alguma coisa assim. Jorge Amado, para quem o viu pessoalmente, impressionava pela brancura da pele.
Conheci Rubem Braga por acaso. Garotão, sem dinheiro, conheci um casal que estava bebendo cerveja. Começamos a conversar e o homem - um tipo novo rico, exibicionista - ficou sabendo que eu adorava o velho Braga. "Ah, o Braguinha! É meu amigo, quer conhecê-lo?". Em seguida, me arrastou para junto de onde estava o maior cronista brasileiro e disse: "Braguinha, meu querido! Quero te apresentar um amigo".
Rubem Braga - que tinha a fama de temperamental e irascível - foi pego de surpresa. Acho que nem sabia quem era aquele seu "amigo". Mas fui até ele, apertei sua mão, disse que o admirava, troquei mais algumas palavras e caí fora - que pra chato é que não sirvo.
Recordo perfeitamente do velho Braga - um tipo leão-marinho - com seu bigode e sua pequena estatura. Sempre que o releio - e faço isso seguidamente - lembro daquela noite, lá em Salvador, uma noite estrelada, bela e agradável como a Bahia.

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