Um condomínio com oito edifícios de 10 andares, quase mil apartamentos e cerca de 3.500 moradores. Administrar um gigante habitacional desses – um dos cinco maiores de Porto Alegre, mais populoso que muitas cidades do interior gaúcho – é uma tarefa complexa e difícil. É esta, precisamente, a função do síndico-geral do Condomínio Residencial Felizardo Furtado, na divisa entre o Jardim Botânico e Petrópolis. Inaugurado em 1976, pelo então presidente da República, Ernesto Geisel (além do governador e do prefeito, e vários ministros que vieram na comitiva de Brasília), o conjunto se tornou uma das melhores áreas para se residir neste canto da cidade.
Nesta entrevista ao Conselheiro X., Paulo Cezar Vieira, 56 anos, o "prefeito" desta pequena cidade, fala do condomínio, dos moradores, de números, e comenta o dia-a-dia do seu trabalho.
* Nesta segunda-feira o Condomínio realiza uma assembléia geral dos moradores para discutir, entre outras coisas, temas como o da pintura geral dos prédios - obra de 3 milhões de reais.
CX – O que é, precisamente, o Condomínio Felizardo Furtado?
Paulo – O Condomínio possui 952 unidades, sendo que oito pertencem aos zeladores – diminuindo, dá 944 para os moradores. Têm 3,6 hectares, oito prédios com 119 apartamentos cada. A estimativa é de termos 3.500 moradores, mais ou menos.
CX – Qual o perfil desses moradores?
Paulo – É variado. Tem muitos aposentados, e um bom número de jovens também. Eu diria que é um perfil de gente de classe média. Cinqüenta por cento deve ser inquilino, e os outros cinqüenta são proprietários.
CX – E dos antigos proprietários, ainda restam alguns?
Paulo – Restam sim. O Condomínio foi inaugurado em outubro de 1976, está com 32 anos, ainda tem gente.
CX – Administrar um Condomínio com esse tamanho deve ser complicado.
Paulo – É, de início foi complicado, até porque eu não tinha experiência, fazia Faculdade à noite, chegava de madrugada, vinha atender o Condomínio. Então realmente foi complicado. Mas depois o Condomínio saiu da área de imobiliária e passou para administração própria, e aí eu fui montando meu esquema no decorrer dos anos, através de uma auto-gestão, e aí foi. O que complica um pouco é o pessoal não aprender a saber viver em condomínio. A minha principal briga aqui é o barulho, cachorro, criança.
CX – Cachorros, pelo que a gente saiba, não são permitidos em condomínio, mas isso é letra morta, até porque não tem como evitar. E isso aumentou muito nos últimos anos?
Paulo – Existe uma regra, existe uma jurisprudência formada que diz assim: o cachorro incomoda? , causa insalubridade?, tem algum dano à saúde?, o juiz vai perguntar assim. Não, não tem. Então nem se fala em retirar o cachorro, mesmo a convenção prevendo. Agora, se o cachorro latir, se anda solto na rua, se a pessoa não leva ele na guia, aí basta três ou quatro pessoas entrarem com a queixa que nós retiramos ele. Nós tiramos daqui uma senhora de 84 anos com nove gatos. Inclusive foi colado no livro de reclamações as pulgas dos gatos, e isso foi levado para a Justiça, e a juíza mandou a curadora – que cuidava dessa senhora – alugar uma casa para ela, e ela se mudou daqui.
CX – Afinal, qual é o poder do síndico-geral?
Paulo – O síndico tem os poderes dele definidos na lei e na convenção. Que é administrar o condomínio, fazer o seguro do condomínio, contratar e demitir funcionários, prestar contas aos moradores. Administrar da melhor forma possível o condomínio. Mas eu, por exemplo, não tenho poder de polícia, não posso nem mandar guinchar um carro daqui de dentro. Por que? Se esse carro sai daqui e é depenado, ou capota, ou sofre um acidente, quem é que autorizou tirar esse carro de lá? Foi o síndico.
CX – E o índice de inadimplência dos inquilinos e proprietários?
Paulo – Bom, isso é complicado. Eu faço a minha previsão orçamentária e boto 1%, só, na previsão orçamentária. Se tu me perguntar agora, com o vencimento do condomínio, que foi dia 10, deve estar em torno de 25%. Mas no decorrer, no final do mês, ele já baixa para 18%. No segundo mês ele está em torno de 12%. No terceiro mês já está em torno de 3%. Vai baixando. A minha advogada é que tem que atuar, que cobrar. Ela tem que repor essa diferença, para juntar com o 1% e manter o equilíbrio das contas. Que, na verdade, eu deveria devolver essa diferença para os moradores. Porque a advogada cobrou. Mas como fica difícil devolver, eu cobro 1% na frente, o resto eu me viro.
CX – Qual a estrutura do Condomínio hoje?
Paulo – Eu tenho um total de 24 funcionários no condomínio. Funcionários do condomínio mesmo. São quatro dentro da administração, mais um sindico geral e vice síndico. São nove serventes, oito zeladores e três de serviços gerais. Além disso, eu tenho a segurança, que é terceirizada. Por que eu terceirizo a segurança? Porque é difícil pra mim sair de madrugada levar um funcionário desses, doente, numa vila. Ou buscar alguém na vila. Imagina entrar na Cachorro Sentado às 3 da manhã pra pegar alguém pra substituir um funcionário? Me degolam lá. É por causa do risco mesmo, se não eu poderia botar tudo por aqui.
CX – E o sistema de câmeras, está funcionando?
Paulo – Só o dos elevadores. O sistema de câmeras que tinha queimou através de um curto-circuito que houve na rede elétrica da CEEE. O condomínio perdeu as ações contra a CEEE aqui, e ganhou no Tribunal. A CEEE foi obrigada a pagar o prejuízo. Esse dinheiro foi depositado em poupança, mas a câmera queimou.
CX – E esse sistema de câmeras filmadoras nos elevadores funciona de fato? O senhor já teve algum resultado prático, já identificou pessoas?
Paulo – Olha, lá fora não funcionava porque o sistema era de micro-câmeras, quando na verdade teria que ser câmeras de alta definição, inclusive com aquelas letrinhas. Nós não tínhamos conhecimento do tipo de câmera, porque quem botou foi a empresa de segurança, a Dielo. Já as câmeras dos elevadores, essas sim, já são um pouquinho melhores, são coloridas, elas pegam sim, já pegou vários depredadores.
CX – Os elevadores foram a última grande obra do Condomínio?
Paulo – Não, a última grande obra foi a rede elétrica. Custou 980 mil, os elevadores custaram 648 mil reais.
CX – Foi em sua gestão que houve o cercamento total do Condomínio?
Paulo – Não. Em 1981 foi feito o cercamento total, na gestão do Benami. Foi quando eu vim morar aqui.
CX – O senhor tem uma idéia do número total de veículos dos moradores do conjunto?
Paulo – Nós temos 250 vagas para 750 veículos. O pessoal deixa os automóveis nos estacionamentos dos arredores.
CX – Esse é um problema difícil de resolver, me parece.
Paulo – Nós temos que alterar a convenção do Condomínio. Eu até tenho dado palestras em convenções de condomínios, essa semana eu dei treinamento para um grupo de pessoas que vai morar em um prédio que a Caixa Econômica Federal está construindo na Lomba do Pinheiro, são 440 unidades. Eu passei quatro quartas-feiras lá, dando palestras para as pessoas novas que foram morar lá, sobre como viver em condomínio, todas as regras possíveis.
CX – E a estrutura física do Condomínio, o que tem?
Paulo – Temos a quadra de esporte, aliás duas, uma tá desativada, pretendemos reativar no futuro. A próxima grande obra é a pintura total do condomínio, vai sair algo em torno de 3 milhões de reais. Pintura interna e externa.
CX – E vão mudar as cores?
Paulo – Não, não porque isso está na convenção. Eu quero reduzir uma cor, tentar, não mudar. Mas para isso nós temos uma comissão própria. O Condomínio tem uma estrutura assim: começa com o síndico-geral, conselho de administração, conselho fiscal e comissão de obras. Ainda, se Deus quiser, quero criar a comissão de disciplina, comissão social, melhorar algumas coisas. Mas o condomínio tem uma peculiaridade, o pessoal resiste muito a essas coisas, a gente tem dificuldade, não estão interessados.
CX – Há muito individualismo no condomínio, me parece. O pessoal entra no seu apartamento e se tranca.
Paulo – É, isso eu tenho debatido. Dar bom dia, boa tarde, boa noite, olá, como vai o senhor, a convivência. Nosso condomínio tem isso aí, as pessoas mal se cumprimentam.
CX – E está havendo mudança no perfil dos moradores nos últimos anos?
Paulo – Tá havendo mudança, sim, estão vindo mais jovens. E 50% dos moradores são proprietários, os outros 50% são inquilinos.
CX – E os apartamentos daqui são disputados para aluguel e venda, acredito.
Paulo – São disputados, não é fácil se alugar, principalmente os de um dormitório. Os aluguéis variam de 350 a 750 reais, entre um e três dormitórios.
CX – Há quantos de um dormitório, no total?
Paulo – Se não me engano são 52 de três dormitórios por cada prédio, 40 de dois dormitórios, que têm dois tamanhos. Depois, se não me engano tem um que é 19, e de um dormitório só tem nove. Por prédio, isso.
CX – Os imóveis aqui valorizaram nos últimos anos?
Paulo – Valorizaram. Um apartamento de três dormitórios ta em torno de 120 mil reais, os de dois em torno de 90 mil e o de um ta variando na base de 70 mil.
CX – E quanto à nova pintura? Quando está previsto o início das obras?
Paulo – As licitações já foram liberadas, e devem chegar dia 30 de agosto. Aí a comissão de obras vai abrir, eu não me envolvo em nada, tá, a comissão de obras faz tudo e eu só assino o contrato. Leio, passo para o advogado e assino.
CX – E a questão da violência, que tem aumentado no bairro, seu Paulo?
Paulo – Olha, a nossa empresa de segurança, a Dielo, faz um bom trabalho. Mas a gente sabe que a violência tem aumentado no bairro. Por isso eu to prevendo botar mais câmeras, tinha 12, quero botar pra 32, inclusive na entrada de cada prédio.
CX – São quantos vigilantes aqui?
Paulo – São quatro de dia e cinco à noite, que é o período mais complicado, pelo barulho.
CX – Já aconteceu do condomínio tomar algum imóvel, por falta de pagamento das taxas?
Paulo – Três imóveis já foram à leilão.
CX – Um condomínio com este tamanho tem um movimento dia e noite. O senhor tem idéia do total de recolhimento de lixo?
Paulo – São em torno de 18 sacos de 100 quilos por prédio, diariamente.
CX – E dá para se ter uma idéia de quantos moradores tem Internet?
Paulo – Não. Eu até não gosto da NET. Porque quando eles começaram aqui, e eu autorizei, eles prometeram uma coisa e acabaram fazendo outra, deu problema. Acabei brigando e fiquei mal com eles. Mas não posso proibir o morador de ter. Sei que tem um bom número da NET, um bom número da Sky, um bom número da outra, de assinaturas da Zero Hora, do O Sul, do Correio, de revistas. Deixe eu te falar alguma coisa a mais a respeito de segurança, da Dielo. A Dielo está conosco há oito anos. O que eu fiz? Eu fiz um contrato com eles aonde eu retenho, da parcela mensal deles, 6% para uma poupança em nome do condomínio. Para eventuais indenizações trabalhistas. Por exemplo, se houve o cancelamento de contrato, ou se a firma falir, se até dois anos do cancelamento do contrato nenhum funcionário entrar na Justiça o condomínio devolve o dinheiro para eles.
CX – São muitas indenizações trabalhistas?
Paulo – Não, não, a Dielo, nesses oito anos, se teve cinco ou seis ações trabalhistas foi muito.
CX – O condomínio não pára nunca...
Paulo – Não pára. Nós temos aqui o recolhimento de óleo, recolhimento de pilhas, de remédios.
CX – Agora, o site do condomínio deixa a desejar...
Paulo – Com certeza. Eu tentei, mas eu preciso arrumar um cara bom, que faça um site bom. Mas eu quero um site onde tu consigas, inclusive, tirar uma segunda via. Tenha uma senha, isso aí, ver o balancete.
CX – Qual é o seu currículo, seu Paulo?
Paulo – Meu nome é Paulo Cezar Vieira, 56 anos. Tenho um mandato de um ano, todos os anos tem eleições.
CX – O senhor alguma fez já foi agredido fisicamente aqui no Condomínio?
Paulo – Já fui agredido, já agredi, já demoli, já apanhei, já fui parar na Justiça. Mas isso um tempo atrás, quando eu não tinha muita experiência. Eu entendo também que a função do sindico é administrar o condomínio, não aplicar multas. Porque a multa é uma coisa desagradável, em vez de agregar ela desagrega. Com certeza a pessoa que tomar multa vai acabar virando meu inimigo. Mas eu tenho um certo limite, quando passa do limite não tem escapatória. Mas o nosso sistema de multas ainda não está informatizado, isso vai acontecer.
CX – Há muitos fatos curiosos que acontecem no Condomínio?
Paulo – (ri) Tem, tem muitos fatos curiosos que acontecem, tem muita coisa. De tudo quanto é tipo. Mas não me lembro de algo em particular. Mas de vez em quando eu também saio do sério. Minha função é permanente, não tem horário, se der problema às 3 horas da manhã eu tenho que ir. Mas é importante ressaltar que este condomínio é um dos melhores locais para se morar. Tu entras com teu carro, sem perigo de assalto. E tu tá centralizado, vai pro centro, pra qualquer canto da cidade. Tem várias linhas de ônibus, táxi, escola, supermercado, tudo ao redor. Cinema. Quer correr, vai na ESEF. O condomínio está muito bem situado, por isso a conservação dele é importantíssima, valoriza.
CX – A linha imaginária que separa o Jardim Botânico de Petrópolis passa pelo meio dos blocos, não é isso?Paulo – Os blocos C, o F e o E são considerados Petrópolis. O D, o B e o A são Jardim Botânico. Mas, se não me engano, tá havendo uma reformulação disso aí, teria que ver bem.
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