sábado, outubro 18, 2008

No tempo dos Cabungueiros e das Camélias

Mauro: "A Salvador França era uma estrada de chão. Quando chovia, era um barral."
Mauro Ustra Silva, 59 anos, estofador e chapeador, dono de uma pequena oficina na rua Guilherme Alves, veio para o Jardim Botânico com apenas um ano de idade e viveu quase toda a sua vida aqui.Um dos moradores da "velha guarda", ele lembra do bairro quando tinha um ar quase rural, com muito verde, muito chão de terra batida, moradores que se conheciam e se cumprimentavam e inúmeras casinhas de madeira habitadas por humildes funcionários públicos e chacareiros, em sua maioria. "Naquela tempo, lá pelo início dos anos sessenta, isso aqui era mais conhecido como a Vila dos Bravos, por causa de uma família muito conhecida e esquentada", recorda. Boa parte deles ainda reside por aqui.
A realidade daqueles tempos era bem diferente da de hoje, logicamente. O bairro, batizado oficialmente de Jardim Botânico (1959), ainda era chamado de Vila São Luiz e não havia asfaltamento em nenhuma rua - nem mesmo na Barão do Amazonas ou na Salvador França, onde hoje passa a Terceira Perimetral. "A Salvador era uma estrada de chão. Quando chovia, virava um barral e muitos automóveis atolavam ali", afirma. Já a Barão do Amazonas - hoje a principal via do JB - contava com um pequeno comércio, com destaque para o armazém do Caboclo, o mais bem sortido. Também existia o armazém da dona Versa, na rua Valparaíso, em uma casa de alvenaria que ainda existe e ainda é ponto comercial.
Outros estabelecimentos daquele tempo: o bar e armazém do seu Antonio Mocelin, onde hoje está o centro comercial da rua Felizardo. "Também lembro do bar e armazém do seu Fraga, que era gremista fanático. As crianças, quando o Grêmio perdia, costumavam pintar a fachada de vermelho, deixando o velho enfurecido. Mas quando o Grêmio ganhava ele ficava que era um doce".
Outra informação interessante: a fábrica de carroças do seu Lúcio, uma pequena e artesanal indústria que fabricava não somente carroças como ou demais utensílios para os carroceiros, que então eram numerosos no bairro. Ela estava localizada na Guilherme Alves, nas proximidades da atual paróquia São Luiz, que então não existia, e "foi a montadora de veículos do nosso bairro". Mais distante, também na Guilherme, no alto, havia o Torrão Gaúcho, uma fábrica de rapaduras na qual Mauro chegou a trabalhar quando criança. "O dono era o seu Guimarães".
CHACARA DAS CAMÉLIAS - Por essa época o bairro se notabilizava por ser um grande produtor de agrião e também de flores, plantados em pequenas chácaras e transportados para o Mercado Público em carroças e charretes.
No ramo de flores, um dos mais famosos exibia um nome poético: era a Chácara das Camélias, localizada no alto da rua Guilherme Alves. "Eles plantavam flores, que serviam para fazer coroas de defuntos", esclarece Mauro. A rua Guilherme Alves, naquele tempo, não estava aberta e contava unicamente com uma estreita ligação com a avenida Protásio Alves, uma picada por onde não transitavam carros e sim carroças. Onde hoje está o Condomínio Residencial Felizardo Furtado havia uma chácara de agrião - também vendido no Mercado Público. "Outra chácara ficava perto, onde hoje estão sendo construídos os dois grandes edifícios da Rossi. E perto da praça Nações Unidas tinha a chácara da família Pieretti". O lazer, naquela época, era pouco e simples: reuniões dançantes, quermesses, jogos de futebol, bailes. Mauro recorda do clube Universal - que não mais existe - e seus dois campinhos de terra, situados onde hoje está o shopping Bourbon. Outro time era o Esporte Recretivo Americano, presidido por seu Murilo. Porém já existia o campo do Ararigbóia, palco de torneios memoráveis que, não raro, acabavam em pancadaria. Nesse tempo o bairro não tinha a mínima infra-estrutura, incluindo aí o esgoto. "O recolhimento do esgoto era feito pelos cabungueiros, ou cubeiros, que passavam e recolhiam os cubos com os dejetos". Por sua vez, os alagamentos eram constantes e, à noite, a iluminação pública deixava muito a desejar.
"Mas não havia assaltos naquela época, até porque o pessoal respeitavam a polícia", afirma Mauro Ustra."Mas o que eu tenho mais saudades mesmo é dos banhos e pescarias no arroio Dilúvio, que era limpinho e onde a gente costumava pescar bagres, tão limpo que dava para ver o fundo. Perto da PUC havia o "Banheiro dos padres", a nossa praia. O riacho, naquele tempo, não era canalizado e a Ipiranga nem estava pronta", rememora o estofador.

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