sexta-feira, setembro 26, 2008

As incríveis sensações da falta de um cigarro


Willy Brandt de Oliveira, colaborador do Conselheiro X.

* Quando você pára de fumar as 48 horas iniciais são, por assim dizer, de chapação: a mente se torna diferente, as mãos ficam levemente trêmulas, o humor irritadiço (o sujeito pode, inclusive, se tornar violento e explosivo) e, sobretudo, bate uma fome canina, ao mesmo tempo em que o olfato se aguça de uma forma incrível. Sente-se o cheiro de tudo, os cheiros que você não sentia antes, incluindo aí o do próprio cigarro. Ontem, na rua, senti, a 50 metros, o cheiro da fumaça do cigarro. Apertei o passo para fazer a confirmação, e lá estava uma mulher com um deles entre os dedos - aquele cheiro era daquele cigarro.Também as ruas ganham odores. Ruas que antes eram inodoras, de repente passam a cheirar a coisas bem prosaicos, como o odor de plantas, de umidade, de cigarro, de urina, de mofo, de mil coisas. A nossa própria casa também, e nem sempre são odores agradáveis. Você sente o cheiro do cigarro entranhado em tudo - no travesseiro, nas roupas, na toalha.
Aos poucos porém, passando essa fase crítica, o olfato parece que volta ao normal, assim como o apetite, extraordinariamente aguçado nos dias iniciais de abstinência. Claro, falo por experiência pessoal, já que sou veterano em parar de fumar - já parei seis meses, dois meses e meio, um mês, uma semana. Os sintomas sempre foram os mesmos. Uma coisa eu notei: ao contrário do que muita gente diz, você não fica o tempo todo só "pensando naquilo". Dá até para esquecer do cigarro.Já o apetite é um capítulo à parte. Quem vai parar com o tabaco, e está em casa, deve estocar bastante coisas nas prateleiras dos armários e na geladeira. Não só doces como salgados, azedos, amargos, qualquer coisa comestível - frutas também valem. Haja comida, meus amigos! É o fenômeno da compensação, acredito.Ontem comi tantas coisas, e tão diferentes, que quase tive uma diarréia. Banana, doce de uva, abobrinha, chocolate, doce de côco, laranja, manga, macarrão, salada de tomate e cebola, guaraná, galinha assada, carne assada - a lista é grande. Um chiclete na boca ajuda muito, não esqueçam disso.Da mesma forma, é altamente recomendável, nesses dias, não tomar café e ne nem beber nada de álcool. O café é o maior amigo e compadre do cigarro, os dois são unha e carne, nossa memória, nossos cromossomos, sei lá, já identificam a simbiose entre um e outro, e, ao primeiro gole, vem a vontade de puxar um cigarrinho. Além disso a pessoa fica agitada, o que é sempre ruim nessa fase em que é preciso estar calmo e se dominando.O gozado é que só me tornei fumante aos 30 anos, o que não deixa de ser um contrasenso e, obviamente, uma burrice. Lembro bem da cena: estava para fora, em uma Estação da Embrapa, e, sei lá porque, pedi um cigarro a um pesquisador. Pela primeira vez na vida traguei - já havia fumado de mentirinha antes. Traguei - e para ver como essa droga é forte - senti imediatamente uma tontura, tanto que me agachei, temendo, quem sabe, cair.O pior é que gostei da tonturinha - e filei outro do sujeito. Traguei de novo. No outro dia, comprei alguns avultos, e fumei tragando. No segundo dia comprei uma carteira de Free Box - marca que fumei por muitos anos. Por ser um cigarro fraco, cheguei, certa época, a consumir dois maços por dia - 40 cigarros.Conta-se que Yul Brinner (não preciso explicar quem é, não é mesmo?) fumava quatro maços por dia, o mesmo acontecendo com Humphrey Bogart, que fumava ainda mais, e bebia o dobro do que fumava.
Sinceramente, não sei como conseguiam - não dá tempo, nas horas em que estamos acordados, pra fumar tanto. Deve ser a história de acender um no toco do outro.
* Deve ser a umidade relativa do ar, e porque vão fazer 24 horas que não fumo um cigarro. Ah, essas histórias de fumantes são comoventes, patéticas, ridículas. No fundo só interessam aos próprios fumantes. O certo é que a gente fica elétrico, agitado, irritado, quando está nessa crise de abstinência - que, aliás, passa em três ou quatro dias.
Como dizia Mark Twain, parar de fumar é fácil, já parei mais de quarenta vezes.
* Um conhecido, lá da Serra, que hoje fatura uma grana legal fazendo catálogos industriais para as empresas da região de Caxias, sempre foi fumante. Gêniozinho do computador, trabalhava feito um mouro (será que eles trabalhavam mesmo?), quebrando todos os galhos para o dono do jornalzinho local. Estressado, fumava a todo momento. Um dia resolveu parar - só que a brincadeira durou apenas cinco ou seis horas: ele simplesmente demoliu os móveis do próprio quarto e depois saiu a comprar um maço de Free.
Em um bar-restaurante da Protásio Alves, em Petrópolis, há um coroa baixinho que dá plantão lá todas as noites. Acredito que seja aposentado: pois esse indivíduo, baixinho, gordinho, careca e de voz possante (geralmente os baixinhos tem a voz grossa...), um dia gritou que iria abandonar o "vício". Ninguém acreditou.
* Voltei lá esses dias e vi que ele não acendia mais nenhum cigarro, entre os copos de vinho. Parou mesmo. "O segredo é pegar ódio do cigarro", ensinou ele, todo prosa. "Você tem que dizer, cigarro, eu te odeio, eu te odeio, te odeio!". Tá bom, tá certo, repliquei, mas e se o cigarro disser "tudo bem, eu não presto mas eu te amo!"
* Salman Rushie (não sei se acertei na grafia do nome), aquele dos Versos Satânicos, condenado à morte pelos muçulmanos por ter escrito não sei o quê que eles lá consideraram ofensivo ao Profeta, quando soube que estava com a cabeça a prêmio, a primeira coisa que fez foi filar umcigarro: fazia mais de oito anos que tinha parado. É, são tantas emoções que a roda gira e volta ao ponto inicial.
* Outro sujeito que conheço - aliás, um tanto mentiroso e balaqueiro - vivia falando mal do cigarro e dos fumantes, aconselhando todo mundo a parar e dizendo que se arrependia de ter colocado um cigarro um dia na boca. Fumava desde os 13 anos, dois ou três maços por dia, até que, enfim, parou, com muito sacrifício, imagina-se.
Só que agora, nas últimas vezes que o vi, estava fumando um cigarrinho, todo envergonhando, cheio de justificativas, dizendo que era só por diversão, pra se acalmar etc etc, e que "na semana que vem" já iria parar. Tá bom, me engana que eu gosto.
* No entanto, devo reconhecer que isso - de parar e lá de vez em quando fumar um cigarrinho, sem retornar ao velho vício - de fato acontece na realidade. Aconteceu com o Moquinho, querido e falecido amigo. Fumou quando adolescente e início da juventude. Passional, amava as mulheres (geralmente algumas meio vagabundas ou, pior, esnobes) perdidamente, sentava numa mesa dessas boates que se autodenominam de "uisquerias", chamava uma morena e ficava ali, enchendo a cara, fumando e amansando os cornos.
* Um dia, porém, saiu dessa vida. Mas, lá de vez em quando, sempre em mesa de bar, pedia um cigarrinho a alguém que estava fumando - às vezes pedia dois - fumava e se recusava a tragar o tercerio. Esquecia do assunto. Pra ver como as aparências enganam e todas as certezas, certa hora, se negam.
* Como dizia Rubem Braga - que tive o prazer de conhecer pessoalmente na Bahia, faz muito tempo, e que, ao contrário do que eu pensava, não me mandou pastar - um dia escreveu, ele que era fumante e veio a morrer de câncer: "Quem quiser fumar, que se fume!"

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