terça-feira, junho 16, 2009

A caipira e o soldadinho de chumbo

Ernani Ssó (Coletiva.Net)

Vi uma foto da Dilma vestida de caipira. Fiquei matutando sobre o poder infernal do poder: se, antes mesmo de começar oficialmente a campanha, ela faz uma coisa dessas, do que será capaz amanhã? Tremo em pensar. A Dilma ficou parecida com a Chiquinha, do seriado Chaves, mas uma Chiquinha gorda. O horror, o horror. Nem o Jobim de farda de camuflagem se compara, a não ser que abra a boca, com sua proverbial delicadeza de caserna.
Por que ler Cortázar
Por coisas como este parágrafo de Rayuela, em tradução caseira: “A melhor qualidade de meus antepassados é a de estarem mortos; espero modesta mas orgulhosamente o momento de herdá-la. Tenho amigos que não deixarão de me fazer uma estátua em que me representarão de bruços no ato de chegar a um charco com rãzinhas autênticas. Botando uma moeda numa ranhura, me verão cuspir na água, e as rãzinhas se agitarão alvoroçadas e coaxarão durante um minuto e meio, tempo suficiente para que a estátua perca todo o interesse”.
Boa memória pra besteiras
Recebi um e-mail me convidando para uma oficina de roteiro dlo escritor José Louzeiro. No mesmo segundo me lembrei que ele disse, numa entrevista, nos anos 70 ou começo dos 80: “Não devemos ser imitadores de Cortázar, mas continuadores de José de Alencar”. Também lembrei que fiquei encucado: por que exatamente Cortázar e José de Alencar? Se o problema era patriotismo, não seria melhor ser continuador do Machado, Lima Barreto, Fonseca, Trevisan, Clarice Lispector, Campos de Carvalho? E Sófocles, Shakespeare, Cervantes — dava pra imitar ou continuar? E continuar o Cortázar podia? Um bom imitador do Cortázar não seria preferível a um continuador medíocre do José de Alencar? Mas seria possível um continuador do José de Alencar não ser medíocre? Como se vê, eu era muito perguntador. Sempre que penso no perigo da ingenuidade, lembro do boxeador Maguila, na hora da pesagem com Evander Holyfield. Maguila ficou alegrinho. Havia descoberto que Holyfield era menor que ele.
Entusiasmo pelo talento
Sempre gosto de ver o entusiasmo do Fraga com o talento dos outros. Isso, o entusiasmo com o talento dos outros, devia ser matéria escolar. Nossa inteligência e sensibilidade dependem do talento dos outros. Nosso próprio talento, se temos algum, se desenvolve com o talento dos outros. Isso é muito caindo de maduro, não é mesmo? Mas com tanta gente torcendo pela mediocridade dos outros para aparecer melhor na foto sou obrigado a partir para as reticências, sinal de pontuação preferido do Quintana.
Deu no jornal, há horas
Admirável a distração dos políticos como o Sarney. Nenhum se deu conta dos 3.800 reais indevidos em suas contas. É diante de coisas assim que percebo a minha indigência. Mesmo um moscão como eu teria percebido essa grana e, pior ainda, teria ligado para o banco pra saber que fada a teria depositado.
O homem é o estilo
Fico pensando em gente que escreve quiçá, mormente, outrossim. Deve ser a reencarnação de um velho burocrata de polainas, que cafunga seu rapé entre parágrafos e exclama: homessa! E quem escreve obstaculizar, alavancar, obstar? Jovens executivos e políticos que ouviram o galo cantar à meia-noite e pensaram que eram seis da manhã, como se diz no interior. Essa gente toda deve ser servida pelo garção. Bem feito.
Mas, horror dos horrores, quem escreve via de regra? Cá pra nós, a via de regra e as vias urinárias são, com alguma forçação de barra anatômica, o mesmo local. Esse local atende por nomes bastante sonoros e tem outras funções mais, digamos, artísticas.
Fim de semana
Li em algum lugar que o domingo é o dia com maior índice de suicídios e a segunda-feira, de divórcios. Depois tem gente que reclama do trabalho.

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