quarta-feira, março 18, 2009

Bastardos inglórios


Ernani Ssó

É assim que vão chamar o filme do Tarantino por aqui? Foi o que li na UOL. Existe a língua que a gente fala e que é o ponto de partida de uns poucos que escrevem. E existe uma língua que só se ouve em tradução. Exemplos: colina em vez de morro, bosque em vez de mato, relva em vez de grama, eu creio em vez de eu acho. São coisas bobas, sei, mas ao se acumularem vão anulando o cheiro e o sabor de um texto. Pior: vão contaminando as entrelinhas com um tempero artificial como de massa instantânea.
Mas como dizer Bastardos inglórios num português razoável? Filhos da puta sem glória é forçado e muito longo. O mais perto que cheguei foi Pobres filhos da puta. Como palavrão raramente entra em título, Pobres filhos da mãe.
Outros bastardos
Esses dias topei com um terreno “desrelvado” num romance muito do ruinzinho da Patricia Highsmith. Não há dúvida, os tradutores sim são os verdadeiros bastardos inglórios. Os tradutores, os revisores, os editores, os jornalistas e a maioria dos escritores — são todos uma cambada de bastardos inglórios. A língua devia ter áreas de preservação permanente, fiscalizadas por policiais armados com ordem de mandar bala em qualquer um em atitude suspeita.
Heresias
O papa Bento 16 está numa sinuca de bico, freudiana ainda por cima: Madonna anda dando pra Jesus. Vale excomunhão? De qualquer forma, essa história não acaba bem: aos 33 anos, o rapaz vai ter problemas sérios com a lei. Anotem.
Quem quer ser milionário?
Todo mundo viu, Charles Dickens baixou no terreiro de Bollywood. Mas acho que temos de bater na tecla óbvia: quase dois séculos depois, as crianças continuam na mesma miséria. Eu tinha ouvido algo sobre outro mundo ser possível, você não? Eu sou meio surdo. Vai ver, era “o outro mundo deve ser possível”.
Deu no jornal
oOo Primeiro a Mônica beijou o Cebolinha. Agora Batwoman saiu do armário. O que virá a seguir, santo Deus? Não vão me dizer que o Zorro tinha alguma coisa com o Silver além da equitação. Por favor. oOo Barbie faz 50 anos. Preparado lançamento de Barbie com reposição hormonal. oOo Banco do Brasil teve mais de 74% de lucro. Está no ponto pra ser privatizado. oOo Adriana Lima e Gisele Büdchen se casam secretamente. Não uma com a outra, bem entendido, mas com seus respectivos jogadores. Os ilhéus de Caras fingem que os convites se extraviaram. oOo Em fevereiro, aniversário das mortes de Paulo Francis e Julio Cortázar. O barulho por Francis foi maior. Bem feito. Quem manda a gente ser besta. oOo CIA destrói 92 vídeos de tortura. É essa parte da democracia que os americanos mais gostam de exportar. oOo José Sarney manda e desmanda. Xuxa entrega os pontos, mas Hebe Camargo continua lampeira. Madonna, segundo tablóide inglês, mesmo “em idade avançada” pega gatinhos. Mas, peraí: o mundo não é dos jovens? oOo Segundo a UNESCO, há 190 línguas ameaçadas de extinção no Brasil. O português, sob o fogo cruzado dos acadêmicos, dos burocratas e dos analfas da internet, não consta da lista. oOo
Mulheres hortifrutigranjeiras
Mulher Samambaia, Mulher Melancia, Mulher Melão, Mulher Cereja. Toda semana aparece mais uma. E a Yeda, hein? Mulher Abacaxi ou Mulher Pepino?
Ofensas pessoais
Só agora li o romance do Scott Turow. Exemplar. Adoro ver um escritor de gênero dando uma surra em muito neguinho metido a elite literária.
Falando em elite
No Livro do riso e do esquecimento, do Milan Kundera, no segundo parágrafo, há uma descrição: nevava, fazia frio. Segundo o Al Gore, deveria ser o contrário: fazia um calor de rachar, nevava.
Preto no branco
Em literatura, não interessam os gêneros ou as intenções ou pretensões dos autores. Só interessam os resultados. Isso no mundo real, que tem pouco a ver com a fantasia onde vivem os resenhistas e os acadêmicos.
Férias
As férias me fizeram um mal danado. Redescobri como é bom não fazer nada. (Coletiva)

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